Nesta última aula, trataremos do que muitos historiadores da filosofia consideram a segunda fase do pensamento pré-socrático. Com efeito, a maneira pela qual estes pensadores concebem a realidade é, sob muitos aspectos, distinta das de seus predecessores e não apenas no que tange as particularidades de suas teorias, mas no que concernem as características mais abstratas presentes em suas teses. Por exemplo, os pensadores desta fase não se prenderão radicalmente a nenhum polo do paradigma monista-mobilista, mas buscarão, em vez disso, hipóteses que se encontrem em um meio-termo entre tais posicionamentos.
Desta forma, para esses pensadores, a realidade é múltipla e dinâmica, essa pluralidade está impressa no seu sincretismo — mistura de diferentes doutrinas, muitas vezes opostas, que será vista mais profundamente no estudo das escolas helenistas — em relação aos seus predecessores. Assim sendo, era possível que um desses representantes pudesse ter sido influenciado tanto por Parmênides como por Heráclito e, ainda, tentasse conciliar as visões de mundo diametralmente opostas de ambos.
ANAXÁGORAS DE CLAZÔMENAS
A primeira coisa que se deve ressaltar da vida e da obra de Anaxágoras é que sua importância é, em geral, maior do que lhe é atribuída. Nascido em Clazomênas, na Jônia, por volta de 500 A.C, foi levado pelo próprio Péricles para Atenas, onde passou mais de 30 anos. Não obstante, foi ele a pessoa que introduziu a filosofia em Atenas, que viria futuramente se tornar o centro da discussão filosófica do mundo grego.
Dois conceitos são fundamentais para explicar o pensamento de Anaxágoras: nous (espírito) e homeomerias. Acreditava ele que a realidade era potencialmente divisível ao infinito e que cada coisa no universo continha um pouco de todas as coisas e se aparentavam tão mais àquelas que mais continham. Em sua concepção de mundo, a realidade, em toda sua pluralidade, era descrita pela manifestação de sementes que continham um pouco de todas as coisas, as homeomerias, que não variavam em consequência da presença, ou ausência, absoluta de um elemento particular, mas das proporções de um elemento sobre o outro. Consequentemente, havia de tudo em todas as coisas, mas predominava nelas aquelas coisas que elas eram. Na realidade, nem tudo; apenas as coisas vivas apresentavam espírito — o termo espírito não é empregado por Anaxágoras com o seu atual sentido —, este que é infinito e autônomo e não pode ser misturado com mais nada.
O espírito seria a inteligência cósmica, ou poder organizador, que movia as homeomerias de sua posição primária, mantendo-as sempre em estados homogêneos àqueles primeiros. Desta forma, Anaxágoras achou uma maneira de possibilitar a mudança sem cair nas críticas de Parmênides. Entendendo dessa forma, cada coisa seria formada, também, por uma parte, provavelmente ínfima, de seus opostos — de fato, a única coisa que não estaria presente em todas as outras coisas seria o espírito, este que também não conteria nenhuma outra coisa além de si mesmo —, justificando a ideia de que a neve é negra, parcialmente.
Sendo o espírito a fonte máxima do movimento, ele rotacionaria toda a realidade, fazendo com que as coisas mais leves fossem para as bordas, enquanto que as mais pesadas se concentrassem no centro. O espírito estaria igualmente em homens e em animais, seriam suas diferenças físicas que causariam suas diferenças intelectuais.
Outra coisa que não pode deixar de ser dita é a ligação entre Anaxágoras e a escola de mileto, particularmente com Anaxímenes. Com efeito, ele é responsável por revitalizar a tradição científico-filosófica, especialmente no que diz respeito à noção de mecanicismo; muito embora ele utilizasse o espírito como causa, ele apenas o fazia quando não achava outra solução plausível, na maior parte de sua obra, ele explica as coisas por uma abordagem puramente mecânica. Nos seus escritos não se encontra quase nada acerca de religião ou ética, o que, somado ao fato de sua filosofia altamente secularizada, nos leva a crer que fosse provavelmente ateu. Todas essas foram “provas” usadas por seus perseguidores para acusa-lo de impiedade — crime o qual seria condenado Sócrates futuramente.
Em Apologia de Sócrates, o próprio cita Anaxágoras para ironizar os comentários de seus acusadores e alegar-se como inocente:
— Digo isto: que você não acredita nos deuses, absolutamente.
— Que maravilha, Meleto! Como pode dizer isso? Que eu, então, ao contrário de toda a humanidade, não acredito que o sol e a lua sejam deuses?
— Não, por Zeus, ó juízes, porque diz que o sol é uma rocha e a lua é uma terra!
— Então acusa Anaxágoras, meu caro Meleto, e o coloca como débil? Supõe que sejam tão iletrados que não sabem que os livros de Anaxágoras de Clazômena são cheios de tais afirmações.
O mérito de Anaxágoras para com a ciência foi ímpar, tendo sido responsável pela descoberta de que a lua brilha por refletir a luz do sol e por explicar como ocorriam os eclipses. Além disso, acreditava que o sol, e todas as outras estrelas, eram rochas superaquecidas que estão incomensuravelmente distantes de nós, estando, inclusive, mais distantes que a própria lua — contrariando uma crença comum da época. Também previu por dois mil anos a constatação de Galileu de que havia montanhas na lua, acreditando, também, que lá haveria habitantes.
EMPÉDOCLE DE AGRIGENTO
Empédocles é uma figura curiosa, principalmente devido à forma como relaciona ciência e magia, assim como pela sua participação política. Tendo nascido por volta do ano 490 A.C, foi contemporâneo, embora bem mais novo, de Parmênides; apesar disso, foi bem mais influenciado por Heráclito. Ficou marcado no mundo ocidental por sintetizar as ideias de seus predecessores com sua doutrina dos quatros elementos: água, terra, fogo e ar. No entanto, essa ideia é bem mais completa do que popularmente se sabe.
Assim como Anaxágoras, Empédocles buscava resolver o paradigma monista-mobilista sem ter de aderir completamente a um dos lados, pois sabia que, ao se posicionar como monista, tomaria para suas teorias todos os absurdos frutos da concepção non-sense dos eleáticos e, caso se agregasse ao posicionamento mobilista — o que seria mais provável —, ficaria sujeito aos paradoxos insolúveis e irrefutáveis contra a mudança. Sabendo disso, ele conjecturou que a realidade deveria se manifestar através de elementos primários, permanentes, que ao se reunir, em suas muitas possíveis proporções, davam origem às substâncias complexas, estas sim que eram variáveis. Além dessas, haveria também o Amor e a Luta, que existiam para unir e separar os elementos, respectivamente. Existindo assim momentos em que o Amor predominava e momentos em que a Luta se demonstrava soberana.
Não obstante, em sua concepção, a realidade era como uma esfera, em que tanto a Luta como o Amor poderia estar no interior. Ao passo que o Amor ia unindo os elementos, a Luta, mantinha do lado de fora, até que, ao estarem profundamente misturados, a Luta começaria a separa-los; quando completamente desunidos, o Amor os reuniria novamente. Esse ciclo se manteria lentamente fazendo das substâncias temporais, contrastando-se, assim, com os elementos, que seriam eternos.
Como consequência do ciclo do Amor e da Luta, nós temos quatro períodos, sendo bem intuitivo descrevê-los. Inicialmente, temos o momento onde tudo estava combinado, o Amor estava dentro da esfera e a Luta totalmente fora. Em seguida, temos o segundo período, em que o Amor estava saindo e a Luta entrava na esfera, os elementos estavam parcialmente combinados e parcialmente separados. No terceiro período, a Luta está completamente inserida na esfera e as coisas estão todas dissociadas. Finalmente, no último período, o Amor está combinando novamente os elementos, enquanto a Luta sai da esfera. Claramente que, na concepção de Empédocles, o nosso mundo só poderia existir no segundo e no quarto período.
Outra característica que diferencia bastante o pensamento de Empédocles é a sua crença na aleatoriedade, no acaso; para ele, todos esses processos que aqui foram descritos não tinham nenhuma finalidade em si próprio, mas apenas a tinham enquanto produto necessário de um acaso autônomo e soberano.
Sua noção de aleatoriedade também está presente em seus estudos sobre a evolução animal, em que descreve uma hipótese de proto-seleção-natural. Acreditava que as partes dos corpos animais surgiram primeiro, completamente ao acaso, como as cabeças, orelhas, pernas, mãos e etc. “Nela muitas cabeças sem pescoço germinaram, e nus erravam braços desprovidos de ombros, e olhos sozinhos vagueavam privados de fronte.” e então estas partes começam a se unir, também ao acaso. Desta reunião randômica surgem seres completamente bizarros. “Muitos de ambíguo rosto e de ambíguo peito nasciam, bovinos de figura humana, e ao contrário surgiam humanos de cabeça bovina, híbridos em parte de homens, em parte raça de mulher de umbrosos membros ornada”, levando, assim, a eliminação daqueles que não estavam aptos para a sobrevivência. Tudo isso se daria no quarto período, também conhecido como período do Amor.
No âmbito científico, ficou conhecido por sua prova da existência do ar, esta que aparece em um trecho relacionado à respiração, processo que Empédocles se interessava bastante. Curiosamente, sua prova usa bastante de observações empíricas e consiste, basicamente, em constatar que ao se colocar um balde com a concavidade virada para a água, ou seja, com o fundo virado para cima, o balde ficará suspenso na água sem que seu interior seja preenchido por água. A única explicação lógica, segundo ele, é que houvesse outra coisa a preencher o interior do balde, sendo esta o ar.
Quando uma menina, brincando com uma clepsidra de metal brilhante, coloca o orifício do tubo em sua bela mão, submergindo a clepsidra na massa cedente de água prateada, a corrente não penetra em seu interior, mas o volume de ar que se acha dentro, fazendo pressão sobre as perfurações abundantes, a mantém afastada, até que a menina destape a corrente comprimida; mas então o ar escapa e entra um volume igual de água
No que tange suas crenças religiosas, seguia uma doutrina muito similar a de Pitágoras e mesmo com todo o misticismo a que estava tradicionalmente subordinado, apresentou um rigor científico bem maior que o de Parmênides e de Heráclito.
OS ATOMISTAS
Acredita-se que a escola atomista tenha sido fundada por Leucipo, figura cujas fontes nos são escassas, e, posteriormente, sistematizada por Demócrito, este na qual já se tem mais informações. O primeiro tendo nascido em Mileto ou Abdera por volta do ano 470 A.C, enquanto que o segundo originou-se em Abdera, muito provavelmente, dez anos após seu predecessor. Não obstante, devido à elevada similitude entre ambos pensadores e sendo, para estes fins, um tanto quanto desnecessário, quando estiver associando uma ideia a um deles, não estarei excluindo a possibilidade desta ideia ser advinda do outro representante.
Demócrito, por mais que seja estudado como pré-socrático, foi contemporâneo de Platão e demonstrou uma visão de mundo radicalmente oposta a deste, alguns chegam a dizer, como Diógenes Laércio, que o discípulo de Sócrates tentou atear fogo a suas obras. Com efeito, a concepção de mundo dos atomistas baseava-se em uma quantização da realidade; isto é, a decomposição da realidade em elementos extremamente pequenos e indivisíveis, os átomos, que seriam maciços e indestrutíveis — os átomos que uma vez existiram ainda existem e sempre existirão. Estes átomos seriam infinitos em número e iriam variar segundo sua distribuição geométrica, calor e, segundo alguns, peso.
Não obstante, os átomos estariam sempre se movendo, movimento este que caracterizaria as mudanças que presenciamos. Quanto à maneira que se dava este movimento, temos a visão dos epicuristas — Epicuro, pensador helenista, foi um grande adepto do atomismo —, que acreditava que os átomos estariam eternamente a cair e, desta forma, se chocariam com aqueles que se moviam mais devagar (os mais leves). Esta hipótese é utilizada pelo filósofo moderno Eduard Zeller e pode, também, estar expressa na doxografia de Diógenes Laércio acerca da cosmologia de Leucipo —podendo não estar associada a Demócrito — e apresenta-se na seguinte forma:
Diz ele que o Todo é infinito e que é parcialmente cheio e parcialmente vazio. Estes (o cheio e o vazio), diz ele, são os elementos. Deles provêm e neles se desfazem mundos inumeráveis. É dessa maneira que os mundos vêm a ser. Por "abscisão a partir do infinito”, muitos corpos com toda sorte de formas foram levados "a um portentoso vazio” e, uma vez reunidos, produziram um só vórtice. Neste, ao entrarem em colisão uns com os outros e serem rodopiados de toda sorte de maneiras, os que eram semelhantes foram separados e se aproximaram dos que lhes eram semelhantes.
Contrariando essa posição, temos o autor John Burnet, que afirma que a própria tradição epicurista trata a ideia de “peso natural” dos átomos como sendo um acréscimo do próprio Epicuro. Na passagem de Diógenes não haveria, portanto, uma alusão direta ao peso, mas sim a semelhança dos átomos no que diz respeito às suas formas; os átomos menores se encontrariam no centro e os átomos maiores na circunferência. Podendo-se, assim, justificar a leitura equivocada dos comentadores futuros, Teofrasto e Aristóteles, que acabaram por assumir que a dimensão de um átomo se relacionava com o seu peso. Consequentemente, por não ser mais devido aos seus pesos, o movimento dos átomos não descreve mais uma queda, mas um movimento completamente aleatório e caótico, aproximando, surpreendentemente, da moderna teoria cinética dos gases.
Outro ponto que foi bastante comentado, sobretudo por Aristóteles, diz respeito à origem do movimento dos átomos. Enquanto que Anaxágoras e Empédocles preocuparam-se em pressupor a existência de um elemento primordial que possibilitaria o movimento, a saber, espírito e Amor e luta, respectivamente, a filosofia atomista não buscava conhecer a causa do movimento, não no sentido teleológico. Desta forma, não existia no movimento atomista nenhum propósito ou causa final e é este detalhe, especificamente, que mais aproxima o pensamento de Leucipo e Demócrito da ciência moderna; dado que a causalidade, quando utilizada em relação a uma origem ou fonte inicial, se extingue enquanto princípio. Ora, caso contrário, não bastaria encontrar a arque, pois esta própria necessitaria de uma causa. A análise dos atomistas, portanto, entende a realidade de forma puramente mecanicista.
Para Aristóteles, assim como para seus predecessores Platão e Sócrates, a explicação das coisas devia sempre atender uma visão passada destas, isto é, já como re-correntes, pois devia se dirigir exatamente a função que elas, posteriormente, desempenhariam na nossa realidade. Como exemplo, tomemos novamente o caso clássico da chuva. Em meio ao corpus aristotelium, como estudaremos futuramente, cada processo natural que ocorre na natureza desempenha um papel bem estabelecido: a chuva existe para que, da sua água, os animais e plantas possam beber e assim continuem vivos para se reproduzir; eventualmente, ao longo da vida destes animais, sob a ação do sol, eles devolverão toda essa água para os céus que, juntamente com aquela que foi armazenada nos rios, lagos e oceanos, dará origem a uma nova chuva. Fazendo com que a chuva exista para permitir o fluxo da água em planeta assim como a vida de todos os seres. Nesta concepção, a causa das coisas se expressa por suas finalidades (telos), daí a classificação teleológica.
No entanto, quando nos referimos aos atomistas, não parecia haver finalidade nas coisas, mas apenas causas que as geram. No próprio exemplo da chuva, esta seria explicada apenas como a sublimação (passagem do estado gasoso para o líquido) das partículas de água que, anteriormente, evaporaram sob a ação do sol. Dentro de uma explicação mecanicista, o conhecimento das circunstâncias na qual algo é originado é suficiente. Outro motivo pelo qual este fator não deve ser considerado como um erro dos atomistas está no fato de toda explicação mecanicista se dá em um começo arbitrário. De outra forma, sempre teríamos causas mecânicas anteriores àquelas que, a priori, estabelecemos como primeiras. Por isso seria inconclusivo buscar as causas do movimento primário dos átomos.
Devido a isso, muitos acreditavam que a sua realidade estava completamente fundada em acaso, mas isso não é verdade. O mundo de Leucipo, assim como também se presume nas ideias de Demócrito, atendia a um determinismo científico extremo, em que cada acontecimento era devido ao seguimento de uma lei natural. “Nada acontece por nada, mas tudo ocorre por uma razão e por necessidade”.
Um cuidado que deve ser tomado é o de compreender que a teoria atomista de Leucipo e Demócrito, por mais bem estruturada que seja, não está dentro dos moldes da ciência moderna. Eles não atingiram essas conclusões da mesma forma que os químicos do século XVIII, ou seja, por meio da observação empírica, mas sim por intermédio de uma mistura confusa de empirismo e racionalismo, como era comum na época. De fato, não havia uma demarcação clara entre prova lógica e constatação empírica. Por conseguinte, deve-se admitir o fator “sorte” na hipótese deles, ainda que ela apresente fundamentos excepcionais para seu tempo.
Leucipo, como forma de defender o constante movimento dos átomos, teve também de defender a existência do vazio, pois não se acreditava na possibilidade de movimento em um pleno — espaço totalmente preenchido. Hoje em dia sabe-se que movimentos cíclicos podem se dar em um pleno, mas, na época, isso não parecia evidente aos gregos. Desta forma, necessitava-se de um espaço por onde os átomos poderiam se mover, sendo este espaço não constituído de átomos. Todavia, pensando como Parmênides, este vazio não seria ser, pois não teria átomos, e, não sendo ser, teria de não-ser, mas se assim o fosse, não seria, portanto, o vazio não poderia existir. Os atomistas, para solucionar esse problema, assumiram que o não-ser era, porém, de forma imperceptível e incorpórea, servindo apenas de espaço.
O único pleno que existiria seria o conjunto dos átomos, que não seria uma unidade, mas uma multiplicidade, pois esta se manteria constante já que os átomos são indestrutíveis. Esta multiplicidade seria, pois, infinita e invisível — aqui vemos que não se pode distinguir o todo da parte — e circularia dentro do não-ser, isto é, o vazio, que existiria. Quando esta multiplicidade se encontrava, eliminando o vazio entre si e tornando-se contínuo, produzia um vir a ser, pois agora seria devido à ausência do vazio; por outro lado, quando se separava, ao estabelecer novamente uma descontinuidade, produzia-se um passar, ou um deixar de ser. Consequentemente, um átomo sozinho não constituiria ser, mas apenas o seu contato com os outros átomos.
Aristóteles, a partir dessa problemática, diferencia, em sua obra Física, a matéria do espaço. O espaço não é nada além de um lugar onde a matéria vai existir, ou ocorrer. Em meio ao surgimento da física moderna, Isaac Newton definirá a existência de um espaço absoluto, onde os movimentos não necessitariam de um referencial externo. Evidentemente a ideia de um movimento absoluto nos parece contra intuitiva, já que todos os movimentos que experienciamos são relativos. A questão do vazio permanece até os dias de hoje, tendo passado por Descartes, Leibniz e muitas figuras da física moderna. A conclusão da ciência, pode-se dizer, é a de que o vazio não existe, embora não necessariamente substancial, sempre teremos energia pairando por todas as partes do nosso universo. Vale ressaltar, contudo, que essa desconsideração possa ser meramente heurística, isto é, que apenas sirva para possibilitar que a ciência tenha resultados.
No que se refere à percepção, Demócrito defendia que o pensamento era um processo físico e que mesmo a inteligência estava subordinada aos nossos sentidos, podendo assim ser enganadora. Acreditava também que algumas qualidades dos objetos não estavam neles, mas eram consequência dos nossos órgãos sensoriais, como gosto, calor e cor; diferentemente de qualidades como tamanho, dureza e densidade, que eram devidas ao próprio objeto.
Demócrito foi um pensador diferente de todos os outros que o precederam, pois guardava em suas ideias o caráter materialista que só viria emergir em meio à comunidade filosófica muito tempo depois. Não acreditava nas religiões comuns, nem em nada que não fosse regido por leis naturais. A própria alma em sua concepção seria formada de átomos e o pensamento nada mais que um processo físico. Influenciando os ideais éticos epicuristas, acreditava que o sentido da vida estava na felicidade e na moderação, assim como na cultura.
RECAPITULAÇÃO
- A filosofia surge na colônia grega de Mileto no séc. VI A.C. com Tales, que afirmava ser a água o principio de tudo.
- A busca pela arque continua com os sucessores de Tales: Anaximandro e Anaxímenes, que afirmavam que o principio primordial eram o apeíron e o ar, respectivamente.
- Xenófanes, precursor do pensamento eleático, distanciou-se do cientificismo da escola milesiana e afirmou serem a água e a terra os elementos primeiros.
- No sul da Itália, surge uma corrente mística de influência filosófica conhecida como Pitagorismo cuja busca do fundamento se dá na matemática através do número.
- O paradigma monista-mobilista surge como um antagonismo entre as filosofias de Heráclito de Éfeso e de Parmênides de Eléia, um defendendo que tudo estava em constante mudança e outro defendo que a mudança sequer existiria, respectivamente.
- Os sucessores de Parmênides, representantes da escola de Eléia, Melisso e Zenão desenvolvem a tese de seu mestre por meio de inúmeros argumentos contra a mudança.
- Um conjunto de pensadores, como forma de superar a dualidade criada entre o monismo e o mobilismo, criaram teorias que explicavam a realidade como sendo plural e dinâmica.
- Empédocles baseou-se na doutrina dos quatro elementos: fogo, água, terra e ar, que sintetizavam teorias anteriores; assim como no Amor, que unia, e na Luta, que separava.
- Anaxágoras acreditava no espírito, motor de todas as mudanças, e nas homeomerias, sementes infinitamente pequenas que eram compostas por um pouco de todas as coisas, mas apenas as coisas vivas tinham espírito, que não se misturava com mais nada.
- O pensamento atomista, representado por Leucipo e Demócrito, distinguia-se de todos os outros por sua concepção materialista da realidade, defendendo que esta podia ser decomposta em partículas indivisíveis e indestrutíveis, chamadas de átomos.
FONTES E LIVROS PARA APROFUNDAMENTO
- Bailey, Cyrill. The Greek Atomists and Epicurus. (capítulos I, II, III – Parte I).
- Burnet, John. O Despertar da Filosofia Grega. (capítulos I a IX).
- Heath, Sir Thomas. A history of Greek Mathematics. (capítulos I, III, IV, V, VIII).
- Laércio, Diógenes. Vida e Obra dos Filósofos Ilustres. (livros I, II, VIII, IX).
- Marcondes, Danilo. Iniciação a História da Filosofia dos Pré-Socráticos a Wittgenstein. (capítulos 1 e 2).
- Russel, Bertrand. História da Filosofia Ocidental, vol.1. (capítulos I a IX).
- Vernant, Jean-Pierre. As Origens do Pensamento Grego.
QUESTÕES
- Quais os fatores que influenciaram o surgimento da filosofia na Grécia?
- Explique a importância da escravidão para o desenvolvimento da filosofia.
- Em relação a postura dos, assim chamados, físicos da Grécia antiga, o que os diferencia dos demais pensadores pré-socráticos? Sua influência ainda existe nos dias de hoje, se sim, quais são elas?
- O que é o orfismo e como ele influenciou o pensamento pitagórico?
- Em que sentido os representantes da escola eleática foram responsáveis pelo desenvolvimento da lógica e, sobretudo, da metafísica?
- O que é metafísica e qual sua relação com a ontologia?*
- Comparando-os com a lógica moderna, porque podemos classificar os argumentos de Parmênides como falaciosos?*
- Quanto aos paradoxos de Zenão, eles poderiam ser simplesmente relevados por contradizerem o óbvio?
- Compare a noção de mudança heraclítica com a de Empédocles e a de Anaxágoras.
- O paradigma monista-mobilista persiste no pensamento contemporâneo?
- Por que se classifica Demócrito como pré-socrático?
- Em que sentido as ideias de Demócrito iam na contramão das ideias platônicas?*
- A tradição filosófica, tal como foi concebida, ainda está presente no mundo contemporâneo?
- Aula escrita por Cauan Marques
Próximo: Aula 2.1 - O Nascimento do Pensamento Clássico.
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