Aula 2.3 - Gases Perfeitos

Escrita por Antônio Ítalo

Nessa aula, trataremos sobre os chamados gases perfeitos, que são um modelo teórico idealista utilizado para tratar de maneira aproximada de gases reais sobre determinadas circunstâncias. A seguir, definiremos algumas propriedades necessárias para tratar desse tema.

Temperatura

Temperatura é um conceito conhecido cotidianamente, entretanto, é necessário defini-lo fisicamente antes de prosseguirmos. Em aulas passadas, estudamos como converter temperaturas em diferentes escalas e também como diferenças de temperatura geram um fluxo de energia térmica, entretanto, exatamente o quê é temperatura? Se perguntarmos para alguém na rua, provavelmente essa pessoa responderá que é o quão quente um objeto está, entretanto, quente e frio são somente sensações que nosso corpo gera baseado no fluxo de calor na nossa pele, dependendo portanto da diferença de temperatura do nosso corpo com o material em que está em contato e da condutividade térmica desse material. Sendo assim, definiremos temperatura a partir da chamada Lei zero da Termodinâmica que afirma que se um corpo A está em equilíbrio térmico com B e B está em equilíbrio térmico com C, A também está em equilíbrio térmico com C. Sendo assim, deve haver uma propriedade em comum entre todos esses corpos, essa propriedade é o que chamaremos de temperatura e ela será quantizada de forma que cresça conforme a agitação das moléculas desses corpos crescem. Podemos então dizer também que temperatura é uma medida do grau de agitação das moléculas de um corpo.

Pressão

No curso de mecânica já foi definido o que é força, entretanto, na termodinâmica o conceito de pressão será bem mais útil. Pressão é simplesmente a força por unidade de área em uma superfície. No caso de um gás, definiremos sua pressão como a força por unidade de área exercida por ele nas paredes do recipiente em que está contido.

Volume

O volume de um gás é definido como o volume de seu recipiente.

Número de mols

Ao trabalhar com um gás uma característica importante será sua quantidade que pode em geral ser caracterizada por sua massa ou ainda pelo número de partículas do gás, entretanto, é mais convencional utilizar o número de mols desse gás para indicar sua quantidade. Por definição, o número de mols de uma substância é dado por: n=\frac{N}{N_{a}} partículas desse gás, sendo N_{a}\approx 6,02.10^{23} mol^{-1} o número de Avogadro e N o número de moléculas desse gás. Temos que mol é a unidade do sistema internacional para medir quantidade de matéria.

Gás Perfeito

Um gás perfeito é um gás teórico que segue as seguintes condições:

  • Suas moléculas devem ter dimensões pequenas tais que possam ser consideradas pontos materiais.
  • As colisões entre as moléculas do gás e também entre as moléculas e o recipiente em que o gás está contido devem ser perfeitamente elásticas.
  • O tempo de cada colisão deve ser curto tal que seja desprezível quando comparado com o tempo entre duas colisões.
  • As moléculas devem se mover em linha reta até colidirem com outra molécula ou com as paredes do recipiente.

Macroscopicamente, essas condições equivalem à afirmar que gases perfeitos estão à altas temperaturas e baixas pressões. Na prática, gases perfeitos não existem, entretanto esse modelo simplificado pode ser bem preciso quando aplicado à gases que estejam nessas condições.

Funções de Estado

Ao tratar de um gás, costumamos dizer que n,P,V e T são as variáveis de estado do sistema, ou sejam, são caracterizadas inteiramente pelo estado atual do gás, podemos também dizer que são elas que determinam esse estado. Essas quatro variáveis são relacionadas por uma equação de estado do tipo:

f(P,V,T,n)=0

Essa equação toma uma forma muito simples para um gás perfeito, a chamada equação de Clapeyron, que será estudada mais adiante.

Lei de Boyle

A lei de Boyle foi determinada experimentalmente pelo físico inglês Robert Boyle ao analisar a relação entre o volume e a pressão de um gás à temperatura constante e afirma que, para uma transformação isotérmica, que acontece à temperatura constante, a pressão e o volume desse gás são inversamente proporcionais, ou seja:

PV=cte

Lei de Charles

Após o estudo de P e V variando à temperatura constante, é necessário estudar como essas grandezas variam com a temperatura, então,  o físico francês  Jacques Charles observou que à pressão constante o volume de um gás ideal é diretamente proporcional à sua temperatura absoluta, ou seja, numa transformação isobárica, que ocorre à pressão constante, um gás ideal obedece a lei de Charles:

\frac{V}{T}=cte

Equação de Clapeyron

Unindo as leis de Boyle e de Charles, pode-se afirmar que, para um gás perfeito:

\frac{PV}{T}=cte

Onde a constante é dependente somente da quantidade de gás, logo, definimos que para um mol de gás, essa será a constante dos gaseis ideais:

R\approx 8,31 \frac{J}{mol.K}

Sendo seu valor obtido experimentalmente. Para um mol de gás, então:

PV=RT

Como o volume sob às mesmas condições de temperatura e pressão é proporcional ao número de mols, temos a equação de Clapeyron:

PV=nRT

Energia interna de um gás perfeito

Sabemos que um gás perfeito é composto de uma grande quantidade de moléculas que se movem em linha reta até colidir com as paredes do recipiente ou com outras moléculas, analisemos agora a colisão dessas moléculas com a parede do recipiente. A partir de agora, utilizaremos \eta para o número total de moléculas por volume. Sabemos que cada uma das moléculas possui uma velocidade ligeiramente diferente da outra, então, vamos primeiramente analisar a colisão de uma molécula com a parede (Olharemos somente uma das direções). Sabemos que a variação de momento da molécula será, em módulo:

\Delta P_{i}=2m_{p}v_{x_{i}}

Sendo assim, façamos a seguinte consideração, dividiremos o intervalo de possíveis velocidades para a partícula no eixo x de forma que todas as moléculas com velocidade (em módulo) entre v_{x_{i}} e v_{x_{i}}+\Delta v_{x} sejam consideradas com velocidade v_{x_{i}}. Essa consideração se torna exata no limite em que \Delta v_{x} vai à zero. Sendo assim, agora teremos vários grupos de moléculas com diferentes distribuições por unidade de volume. Consideremos a colisão de um desse grupos com um pequeno pedaço de área \Delta A:

F_{i}\Delta t=2m n_{p_{i}} v_{x_{i}}

Sendo n_{p_{i}} o número de moléculas do grupo i que colidiram com essa área nesse intervalo de tempo \Delta t, podemos calcular esse fator por:

n_{p_{i}}=\frac{1}{2}\eta_{i}\Delta A v_{x_{i}}\Delta t

Essa fórmula é obtida considerando o paralelepípedo de comprimento v_{x_{i}}\Delta t que contém todas as moléculas do grupo i que podem colidir com essa área no intervalo de tempo \Delta t, o número de moléculas que colidiram será então metade desse número, pois a outra metade estará indo no sentido oposto ao da área \Delta A. Sendo assim, calculemos a força média \overline{F_{i}} exercida nessa área \Delta A pelo teorema do impulso:

\overline{F_{i}} \Delta t=2m_{p}\frac{1}{2} \eta_{i} \Delta A v_{x_{i}}\Delta t

\overline{F_{i}}=m_{p}\eta_{i} \Delta A v_{x_{i}}^{2}

Para obter a força total então:

\overline{F}=m_{p} \Delta A \sum \eta_{i} v_{x_{i}}^{2}

Definimos então a velocidade quadrática média no eixo x por:

\overline{v_{x}^{2}}=\frac{\sum \eta_{i}v_{x_{i}}^{2}}{\eta}

Que é simplesmente a média aritmética de todas as velocidades quadradas. Sendo assim:

P=\eta m_{p} \overline{v_{x}^{2}}

Sendo todos os eixos iguais, temos que:

\overline{v_{x}^{2}}=\overline{v_{y}^{2}}=\overline{v_{z}^{2}}=\frac{\overline{v^{2}}}{3}

Logo:

P=\frac{1}{3} \eta m_{p} \overline{v^{2}}

Sabemos que:

\overline{E_{cin}}=\frac{m_{p}\overline{v^{2}}}{2}

Então:

P=\frac{2}{3}\frac{N}{V}\overline{E_{cin}}

Definimos então a energia interna U de um gás perfeito como a soma da energia cinética de cada molécula do gás:

U=\sum E_{cin}

U=N\overline{E_{cin}}

Sendo assim:

U=\frac{3}{2}PV

Pela equação de Clapeyron:

U=\frac{3}{2}nRT

Note que esse resultado é válido para um gás monoatômico, ou seja, que cada molécula é composta de um átomo. Se estivermos tratando de um gás diatômico, teremos que recorrer ao chamado Teorema da Equipartição que afirma que cada grau de liberdade do sistema possuirá a mesma energia média. No caso de um gás monoatômico temos 3 graus energéticos e então a energia média por grau energético será:

\overline{E_{grau}}=\frac{U}{3N}=\frac{RT}{2 N_{A}}=\frac{1}{2}k_{b}T

Sendo k_{b} a constante de Boltzmann, definida por R/N_{a}. Sendo assim, cada grau de liberdade deve ter sempre uma energia média de \frac{1}{2}k_{b}T, logo, no caso de um gás diatômico poderemos encontrar a nova energia média por molécula.

Para um gás diatômico devemos realizar algumas considerações. Até uma certa temperatura cada molécula pode ser considerada como um corpo rígido, ou seja, terá três graus energéticos relacionados ao movimento do centro de massa e dois relacionados ao movimento de rotação em torno do centro de massa, sendo assim:

\overline{E_{molecula}}=\frac{5}{2}k_{b}T

U=n N_{a} \overline{E_{molecula}}=\frac{5}{2}nRT

Entretanto, acima de uma certa temperatura, além dos graus energéticos citados anteriormente teremos também dois graus vibracionais, ou seja, as moléculas se afastarão e se aproximarão. Desse movimento há dois graus energéticos pois um deles é devido à energia cinética das partículas nesse movimento vibracional e outro devido à energia potencial entre essas partículas que será aproximadamente a de uma mola que obedece à lei de Hooke. Sendo assim, teremos:

\overline{E_{molecula}}=\frac{7}{2}k_{b}T

U=n N_{a} \overline{E_{molecula}}=\frac{7}{2}nRT

Deve-se ressaltar que em geral quando uma questão simplesmente menciona que o gás é diatômico, é considerado o primeiro caso, ou seja, que os graus energéticos vibracionais não estão ativos. Note que nesse caso a energia interna do gás é somente a soma das energias cinéticas individuais de cada molécula pois as condições para que um gás seja considerado perfeito é que todas as partículas se movam em linha reta enquanto não colidindo, ou seja, as forças intermoleculares e, consequentemente, as energias de interação intermoleculares são desprezíveis, sendo assim, no caso de um gás não perfeito, seria necessário somar essas energias de interação intermoleculares. Na próxima aula, estudaremos a primeira lei da termodinâmica, na qual a energia interna terá um papel essencial.