Física - Ideia 14

Introdução

Antes de abordarmos a ideia principal, precisamos revisar alguns conceitos de magnetimo.

Em um circuito temos várias formas de produzir uma força eletromotriz (fem). Entre as mais famosas está o gerador. Para realizar sua tarefa, os geradores usam a fem devida ao movimento. Esse princípio aparece recorrentemente em olímpiadas de Física, por isso é muito importante que o conheça bem. O efeito surge quando um fio se movimento através de um campo magnético. Para que entenda melhor, considere o seguinte modelo simplificado de um gerador:

Na região hachurada há um campo magnético uniforme \vec{B} para dentro da página e R representa a resistência do componente onde queremos que passe a corrente. Observe que a espira é puxada com velocidade v para a direita. Dessa forma, inicialmente, os elétrons do segmento ab sentirão uma força magnética vertical devido à sua velocidade horizontal, que os impulsiona para formar a corrente (induzida) no circuito. A fem gerada será, nesse intante de tempo:

\epsilon=\int{\vec{f}_{mag}{\cdot}d{\vec{l}}}=vBh               (1)

Sendo h a largura da espira e \vec{f}_{mag} a força (magnética) por unidade de carga. Lembre que as forças magnética nunca realizam trabalho. Portanto, a energia dissipada no resistor provém, na verdade, da pessoa que puxa a espira com velocidade v. O que quero chegar com essa análise? Veja, o fluxo mágnetico através da espira é:

\Phi=Bhx                          (2)

Como a espira se move para a direita, o fluxo diminui. Sendo assim:

\frac{d\Phi}{dt}=Bh\frac{dx}{dt}=-Bhv                              (3)

Englobando (1) e (2), vemos que, nesse caso:

\frac{d\Phi}{dt}=-\epsilon                     (4)

Essa é a chamada regra do fluxo. Essa equação é de suma importância para o entendimento da ideia proposta. Não provarei aqui, mas a equação (4) é válida para qualquer tipo de espira. A espira retangular foi, então, apenas um caso particula da equação (4).

Exemplo 1: Espira Circular 1

Um anel fino e condutor de cobre de diamêtro D=2a, condutividade \sigma, secção transversal circular de diamêtro d e densidade \rho está caindo de um grande penhasco numa região com um campo magnético vertical B=B_0(1+\kappa{z}), onde\kappa é uma constante. Considere que a espira não gira em torno de si durante seu movimento. Determine a velocidade terminal da espira.

Solução:

Assim que a  espira atingir a velocidade terminal sua energia cinética não variará. Sem pensar muito sobre a força sentida sobre esse dipolo magnético, vemos que isso acontecerá quando a potência fornecida pelo peso da espira se igualar a potência dissipada no resistor por efeito Joule. Matematicamente:

mgv=Ri^2               (*)

A medida que a espira cai o fluxo nela diminui, visto que o campo diminui.

\Phi={\pi}a^2B_0(1+{\kappa}z)         \therefore          \frac{d\Phi}{dt}=-{\pi}a^2B_0{\kappa}v

Logo, pela equação (4):

\epsilon=-Ri=-{\pi}a^2B_0{\kappa}v          com       R=\frac{2{\pi}a}{\sigma\pi(\frac{d}{2})^2}

Resolvendo para i e susbstituindo em (*), obtemos a velocidade terminal:

v=\frac{\rho}g{a^2B_0^2\kappa^2\sigma}

 

 

Indução eletromagnética

Em 1831, Michael Faraday, conduziu experimentos a respeito da fem devido ao movimento. Intrigantemente, quando o mesmo movimentou a região que contém o campo magnético (naquele caso, o imã), ao invés de movimentar a espira, uma corrente passou na mesma. Da mesma forma, quando ele alterou a intensidade do campo magnético, corrente passou novamente. Esse resultado não lhe deve ser tão surpreendente, visto que apenas o movimento relativo interessa. Mas mesmo assim cabe o questionamento: no referencial do laboratório, onde a espira se encontra parada, que tipo de campo é responsável pela força que movimenta os elétrons? Esse tipo de campo, apelidado também de campo elétrico está relacionado à variação do campo magnético. Perceba que esse novo tipo de campo elétrico surge devido a fenômenos completamente distintos do que no caso eletrostático. Aqui, não há qualquer fonte (carga) para tal campo.

As equações de Maxwell nos mostram que se o fluxo magnético através da espira variar, seja qual for sua causa, uma fem de valor -\frac{d\Phi}{dt} surgirá na espira.

As vezes será confuso determinar o sentido da corrente induzida que passa na corrente. Felizmente, existe uma lei útil chamada lei de Lenz que nos ajudam a eliminar esse problema:

A natureza abomina mudanças no fluxo

A corrente produzida na espira será tal que amenizará (diminuirá) a variação do fluxo magnético provocado por qualquer que seja o motivo. Atente-se ao fato que trata-se da variação do fluxo, não ao fluxo em si. Pense na espira como algo que "gosta" de um fluxo constante.

Não há mais comentários sobre esse fenômeno, é como a natureza atua e temos que trabalhar com isso!

Exemplo 2: Espira Circular 2 (Seletiva IPho 2016)

O mesmo anel (espira) do primeiro exemplo agora é posto a girar sobre um eixo perpendicular ao campo magnético uniforme B. Sua frequência inicial de rotação é \omega_0 e não há gravidade. Calcule o tempo em que sua frequência decai de \frac{1}{e} do seu valor original.

Solução:

Em um instante t, a superfície da espira faz um angulo \theta(t) com a direção vertical do campo magnético. Esse angulo é tal que:

\frac{d\theta(t)}{dt}=\omega(t)

Percebendo que somente a componente paralela ao eixo da espira do campo magnético contribui para o fluxo, podemos calcular sua derivada temporal,veja:

\Phi=\int{\vec{B}\cdot\vec{da}}=B{\pi}a^2\sin{\theta}  \therefore \frac{d\Phi}{dt}=B{\pi}a^2\cos{\theta}\frac{d\theta}{dt}

De acordo com (4), isso é igual a fem induzida no circuito:

Ri={\omega}B{\pi}a^2\cos{\theta}      com    R=\frac{2{\pi}a}{\sigma\pi(\frac{d}{2})^2}

Vemos, portanto, que a corrente variará de forma senoidal, assim como a potência dissipada no resistor. Então, é conveniente trabalhar com a potência média, que por sua vez é igual a taxa de perda de energia cinética da espira.

\frac{dE_{cin}}{dt}=\frac{d}{dt}\frac{I{\omega}^2}{2}=\frac{1}{2}ma^2{\omega}\dot{\omega}=P_{med}

Usando o fato que o valor médio de {\cos(\theta)}^2=\frac{1}{2}. Chegamos em:

\frac{{\omega}^2B^2{\pi}^2a^4}{2R}=-\frac{1}{2}ma^2{\omega}\frac{d\omega}{dt}

Computando a integral e fazendo \omega=\frac{{\omega}_0}{e} obtém-se o valor de t:

t=\frac{4\rho}{B^2\sigma}

Autoindutância e indutância mútua

Agora considere duas espiras estacionárias. Se uma corrente I_1 passa pela espira 1, linhas de campo geradas por essa corrente passarão pela segunda espira. Esse campo pode ser complicado de calcular dependendo da geometria da configuração. Mas algo é certo: esse campo é proporcional a I_1. Portanto, o fluxo magnético na espira 2 \int{\vec{B}\cdot\vec{da_2}}

também será proporcional a I_1. Dessa forma:

\Phi_2=M_{21}I_1                                           (5)

onde M_{21} é a constante de proporcionalidade chamada indultância mútua das duas espiras. Um fato interessante é que M_{21} depende apenas da geometria da configuração e

M_{21}=M_{12}                                                 (6)

Ou seja, independente do formato e posições das espiras: o fluxo na espira 1 quando passa uma corrente I na espira 2 é o mesmo que o na espira 2 quando passa a mesma corrente na primeira espira.

O ultimo fato é facilmente provado mas optei por não mostrar aqui pois lida com uma grandeza não muito trabalhada em olimpíadas (potencial vetor).

Se, por algum acaso, a corrente na espira 1 variar, surgirá uma fem na espira 2:

\epsilon=-\frac{d\Phi}{dt}=-M\frac{dI_1}{dt}                   (7)

O que é bastante surpreendente, afinal as duas espiras não têm qualquer ligação. Claro, essa variação na corrente I_1 também induzirá uma fem na própria espira 1. Nesse caso:

\Phi_1=LI_1  e  \frac{d\Phi}{dt}=L\frac{dI_1}{dt}                          (8)

A constante de proporcionalidade é chamada de autoindutância da espira.

Essas grandeza tem unidade própria no SI: são medidas em henries (H), equivalente a um volt-segundo por ampère.

Exemplo 3: Sólenoides concêntricos

Um solenoide curto (de comprimento l e raio a, com n_1 voltas por unidade de comprimento) está no eixo de um solenoide muito longo (de raio b, n_2 voltas por unidade de comprimento) como mostra a figura abaixo. Uma corrente I passa pelo solenoide curto. Qual é o fluxo através do longo solenoide?

Solução:

Nesta questão exploraremos a igualdade da indultância mútua M entre os dois solenoides. Calcular o campo magnético gerado pelo solenoide curto é uma tarefa difícil, então deixe de lado essa ideia. Suponha que uma corrente I_2 passe pelo longo solenoide. Observe que o campo gerado pelo longo solenoide {\mu_0}n_2I_2 é constante dentro dele. Logo:

\Phi_1={\pi}a^2{\mu_0}n_2I_2n_1l=MI_2  \therefore   M={\pi}a^2{\mu_0}n_2n_1l

Como as indultâncias mútuas são iguais, podemos escrever:

\Phi_2=MI={\pi}a^2{\mu_0}n_1n_2Il

Exemplo 4: Espiras concêntricas

Duas espiras circulares de raios R e r (r\ll{R}), são concêntricas e estão no mesmo plano (veja a figura). A corrente elétrica na menor espira é aumentada uniformemente de 0 a I_0 durante um intrvalo de tempo t_0. Qual a fem induzida na espira grande?

Solução:

Assim como no exemplo passado, usaremos o fato das indultâncias mútuas entre as duas epiras serem iguais. Novamente, suponha que uma corrente desconhecida I_2 passe pela espira externa. Como a espira menor é muito menor que a maior, a densidade de linhas de campo magnético que atravessam ela é praticamente constante, ou seja, o fluxo magnético é

\frac{{\mu_0}I_2{\pi}r^2}{2R}=MI_2   \therefore      M=\frac{{\pi}r^2{\mu_0}}{2R}

De acordo com os dados do enunciado, a corrente I(t) na espira menor é:

I(t)=\frac{I_0t}{t_0}

Logo, o fluxo magnético na espira maior será:

\Phi_2=MI(t)=\frac{{\pi}r^2{\mu_0}}{2R}{\frac{I_0t}{t_0}}

Sabemos que a taxa de aumento do fluxo é a fem induzida. Portanto:

V=\frac{{\mu_0}{\pi}r^2I_0}{2Rt_0}

Energia em indutores

Na nossa discussão acima sobre indutores, deixei passar o real sentido físico da indutância. Dado um circuito operante alterar a corrente que nele passa requer alguma energia? Sim, conforme vimos, sempre que uma variação na corrente (no fluxo magnético na verdade) surge uma fem induzida que agirá contra essa variação. Portanto, é de esperar que, para estabelecer esse novo circuito, com essa nova corrente, você deve realizar algum trabalho a fim de "vencer" a ação da fem induzida. Vimos também que quanto maior a indutância L maior é essa fem. Percebemos, então, que a indutância representa, de certa forma, a "inércia" do circuito. Em outras palavras, um L grande requer uma energia maior para alguma variação \delta{I} da corrente. Esse papel é análogo ao da massa de uma partícula em mecânica.

Observe que esse tipo de energia é totalmente recuperável, ao contrário do que é na dissipação de energia em um resistor. Se queremos montar uma configuração de corrente a partir do zero é necessário um trabalho. De fato, há uma variação de corrente: antes não havia corrente e agora tem-se, digamos, I. Dessa forma, surge a pergunta: como calcular explicitamente essa energia?

Pense nos elétrons que constituem a corrente no circuito. O trabalho necessário para o elétron dar uma volta no circuito vencendo a força eletromotriz induzida é -\epsilon, negativo pois é o trabalho realizado por você e não pela fem. A quantidade de carga que passa por unidade de tempo é I, logo:

\frac{dU}{dt}=-{\epsilon}I=LI\frac{dI}{dt}

A energia total será:

U=L\int{IdI}

Se a configuração for montada do zero, ou seja, I_0=0:

U=\frac{LI^2}{2}

Observe que esse resultado independe de como essa corrente foi estabelecida, algo parecido com as funções de estado em Termodinâmica, depende apenas da geometria da configuração (L) e da corrente final I. Perceba também que essa energia, de forma alguma, surge devido a forças magnéticas: elas nunca realizam trabalho. Conforme disse na discussão sobre indução eletromagnética, uma variação de fluxo faz surgir um campo elétrico induzido. É contra a ação desse campo que deve ser realizado o trabalho. É por esse motivo que não há energia armazenada em campos magnetostáticos, afinal, em nenhum momento houve campo elétrico induzido.

Agora, surge a dúvida em onde está armazenada essa energia. Essa é uma pergunta difícil. Inicialmente, a resposta mais óbvia seria que está armazenada na distribuição da corrente, ou seja, na espira, solenoide, etc. Pórem, para aonde iria essa energia se desligassemos a corrente? A convenção atual é que toda essa energia magnética fica armazenada nos campos magnéticos. Isso realmente parece um tanto quanto abstrato. Mas há um motivo para isso: é possível mostrar que a mesma energia calculada acima pode ser escrita da forma:

U=\int{\frac{1}{2{\mu_0}}B^2d\tau}

onde d\tau é o elemento de volume. Isso nos motiva a pensar que, de fato, a energia está armazenada nos campos, com uma densidade de \frac{1}{2{}\mu_0}B^2. Mas não se preocupe tanto com "onde está", afinal estamos interassados na quantia em si.

 

Exercícios

1- Autoindutâncias (Introduction to Electrodynamics - David J. Griffiths)

a) Calcule a autoindutância de um solenoide, de N voltas, de área A cada uma, e comprimento l.

b) Em seguida, calcule a autoindutância de uma bobina toroidal com corte transversal retangular (raio interno a, raio externo b, altura H) com o total de N voltas.

Dica: Use a lei de ampere para mostrar que o campo magnético no plano do toroide é B(r)=\frac{{\mu_0}NI}{2{\pi}r} onde r é a distância até o eixo de simetria.

2- Indutância equivalente (Seletiva de Física)

Considere duas bobinas com autoindutâncias iguais a L_1 e L_2 e indutância mútua M. Calcule a indutância equivalente, se as bobinas estão conectadas:

a) em série

b) em paralelo.

3- Trilhos (200 More Puzzling Physics Problems)

Um longo fio reto sem resistência é dobrado e é fixado em forma de V como na figura abaixo. A dobra faz um ângulo \alpha e está em uma região com um campo magnético uniforme B vertical. Uma barra de massa m e resistência por unidade de comprimento r, é colocada na fio em forma de V a uma distância x_0 do vértice A e perpendicutar a bissetriz do ângulo \alpha. É fornecida uma velocidade v_0 a barra na direção indicada na figura. Desconsidere qualquer tipo de atrito e considere que o contato elétrico entre a barra e fio é bom.

Onde a barra para?

4- Cabo coaxial (Introduction to Electrodynamics - David J. Griffiths)

Por um longo cabo coaxial (veja a figura abaixo) passa uma corrente I (a corrente flui pela superfície do cilindro interno de raio a, e retorna ao longo do cilindro externo, de raio b). Encontre a energia magnética armazenada em um trecho de comprimento l de duas formas diferentes:

a) Utilizando o fato que a densidade de energia magnética é \frac{1}{2{\mu_0}}{B^2}

b) Utilizando o resultado do exercício 1 e substituindo na expressão da energia em um indutor

 

5- Dipolo caindo (200 More Puzzling Physics Problems)

Uma espira circular de raio r é feita com um fio de resistência R e um diodo ideal. A espira é fixada em um plano horizontal e um longo tubo vertical passa pelo seu centro. Ache a carga que passa pelo diodo se um pequeno imã de momento magnético m cai pelo tubo.

Dica: o diodo ideal é um elemento sem resistência que só permite passar corrente no sentido que a seta no esquema representativo aponta. Logo, você pode mostrar que quando o diodo passa pelo centro da espira, a corrente mudaria de sentido, mas o diodo não permite. Lembre-se também da definição de momento magnético: m=IA onde I é a corrente e A é a área da espira por onde passa a corrente.

Gabarito dos exercícios

1: a) L=\frac{{\mu_0}N^2A}{l}

b)L=\frac{{\mu_0}N^2H}{2{\pi}}ln{\frac{b}{a}}

2: a)L_{eq}=L_1+L_2+2M

b)L_{eq}=\frac{L_1L_2-M^2}{L_1+L_2-2M}

3: x=\sqrt{x_0^2+\frac{mv_0r}{B^2\tan{\frac{\alpha}{2}}}}

4: U=\frac{{\mu_0}l}{2\pi}ln{\frac{b}{a}}

5: Q=\frac{{\mu_0}m}{2rR}