Escrito por Paulo Henrique
Introdução à parábola de segurança
Nessa ideia, trabalharemos com uma poderosa ferramenta para resolução de problemas que envolvem lançamentos de projéteis: a parábola de segurança. Em muitos casos, quando o problema trata de casos limites, não é necessário recorrer ao cálculo para resolvê-lo: a parábola de segurança dá conta.
Resolvendo as equações de movimento
Considere que um projétil, denominado , seja lançado a partir da origem do sistema de coordenadas sujeito somente à gravidade, suposta constante. Se definirmos um plano
tal que a velocidade inicial
de
seja paralelo a ele, evidentemente, o movimento se dá no plano
. Sendo assim, adotemos coordenadas cartesianas, conforme a figura abaixo:
Defina como a posição de
em relação à origem adotada. Como
está sujeito apenas a força
, a segunda lei de Newton nos diz que
A equação vetorial acima equivale a duas equações escalares, uma para cada eixo coordenado
Sujeita as condições iniciais
Depois de resolvidas, e aplicado as condições iniciais e
, as equações de movimento são reduzidas a:
Seja o ângulo que
faz com o eixo
. Com essa definição em mãos as velocidades inciais em
e
tornam-se, respectivamente:
e
. Isolemos
em
e substituemos em
, o resultado é
Observe que foi usada a identidade trigonométrica
E, além disso, evidenciei que é função explícita de
e
, apesar dos dois poderem ser escritos como função do tempo apenas.
Veja que representa uma equação quadrática para
. Portanto, resolvendo para
Condição subsidiária da solução da equação quadrática
Se considerarmos apenas as soluções fisicamente viáveis, o termo dentro da raiz quadrada deve ser não negativo. Isso nos remete a seguinte condição
Um fato interessante é que representa, assim como
, uma parábola.
Ánalise incial da equação da parábola de segurança
Nesse ponto, devemos nos questionar a respeito do significado de . Primeiramente, consideremos a equação
: ela representa a trajetória real do projétil
, dado o ângulo de lançamento
e a velocidade incial
. No intervalo
a equação
define uma família de trajetórias parabólicas
, que depende de
, de acordo com a figura abaixo
Todas as trajétorias da figura possuem em comum a velocidade incial , enquanto o ângulo de lançamento é variado. De acordo com
, independentemente do ângulo
, a altura de
está restrita e tem um valor máximo, dependendo da posição escolhida (x)
Onde, na nossa notação, se refere ao caso em que é tornada a identidade em
. Veja, dada uma velocidade inicial, a equação
determina a altura máxima possível para cada valor de
. Sendo assim, a equação (12) é a envoltória de
. A envoltória define o lugar geométrico dos pontos acessíveis para
: a área abaixo da curva no gráfico
versus
. Os pontos fora da parábola de segurança jamais serão atingidos, daí o nome da curva. Vale ressaltar que para obter a região de segurança no espaço tridimensional deve ser feita a rotação da parábola em torno do seu eixo de simetria, visto que
pode não ser paralelo a
, o plano escolhido para a análise. Nesse caso, o lugar geométrico dos pontos acesséveis à
é o volume varrido pela parábola de segurança numa volta completa. Antes de prosseguirmos com nossa análise, façamos uma explicação do que foi feito até aqui:
"Dado um ponto no espaço e fixada uma velocidade inicial
, com qual ângulo
deve-se lançar
de forma a atingir esse ponto?"
Essa pergunta é respondida atráves de , fornecido as coordenadas do ponto
:
Dessa forma, temos três possibilidades, dependendo da quantidade :
Se
Teremos duas soluções distintas em , de tal forma que as trajetórias descritas
estão localizadas na região de segurança.
Se
A equação não possui solução real e não há nenhum ângulo que faça a trajetória passar pelo ponto
. Isso é de se esperar. Se
é lançado com uma velocidade suficientemente pequena não há ângulo que o faça atingir
. Assim como você não consegue atingir uma pedra na lua escolhendo o ângulo certo. O ponto A, nesse caso, está fora da região de segurança.
Se
As duas soluções em são iguais, portanto, apenas um ângulo deve ser escolhido a fim de atingir
. Nesse caso, o ponto
está sobre a parábola de segurança, como deveria estar, visto que a parábola de segurança é definida tomando
.
Obtendo as coordenadas do ponto 
Conforme vimos, as coordenadas do ponto , no caso em que
são obtidas por meio de
A equação é comumente chamada de equação da parábola de segurança. Observe que ela nos fornece os pontos limites que podem ser atingidos por
. A palavra limite no sentido que, para um mesmo ângulo de lançamento
uma velocidade um pouco maior
faria
ultrapassar a zona de segurança.
O angulo de lançamento 
Notação: A partir de agora, o ângulo de lançamento se refere somente aos caso limite em que
. Portanto, se algum poblema trata de otmização de ângulo, é nele em que devemos focar.
Na análise das duas seções anteriores, focamos na determinação das coordenadas do ponto , e quanto ao ângulo, como calcular explicitamente? Ora, dado que
(correspondendo aos casos limites), temos, de acordo com
Ideia 1
A equação acima junto com a equação da parábola de segurança formam uma poderosa ferramenta, que serão usadas para exemplicar o poderio dessa ideia
Exemplo 1
Você joga uma bola com velocidade em uma parede vertical, a uma distância
. Qual deve ser o ângulo de lançamento tal que a bola atinge a parede o mais alto possível?
Solução:
Aplicação direta de , visto que, no caso limite o ponto atingido pertence à parábola de segurança.
Observe que, como o alcance máximo do projétil é , devemos ter
Caso contrário, a bola nem chegaria na parde.
Velocidade mínima
Talvez o caso de mais interesse em problemas de olímpiadas seja esse: determinar a velocidade mínima que um projétil deve ser lançado a fim de atingir certa região. Observe o seguinte fato
Ideia 2 "Se um projétil é lançado com velocidade inicial mínima (necessária para atingir o ponto ), a trajetória é tangente à parábola de segurança no ponto
"
Para mostrar que isso é verdade considere que você almeje atingir um dado ponto do espaço. Para atingir tal meta, você estipula uma velocidade inicial
. Essa velocidade define uma família de trajetórias
. Suponha que o ponto
está fora da região de segurança. Sendo assim, você precisa aumentar sua região de segurança. Como fazer isso? Ora, basta aumentar a velocidade de
para um certo valor
, que define outra familía de trajetórias
mais abrangente. Suponha que o ponto
ainda esteja fora dessa nova região de segurança. Novamente, você aumenta a velocidade incial de
até
, e assim sucessivamente, o processo se repete
vezes até que a velocidade inicial
seja tal que a região de segurança definida por
englobe o ponto
. Dessa forma, fica claro que o ponto
tangencia a parábola de segurança correspondente a
, onde
, visto que gradativamente aumentamos a região até que a envoltória (a parábola de segurança) apenas toque o ponto
.
Exemplo 2
Você deseja lançar uma bola por cima de uma parde vertical de altura , a uma distância
. Qual a velocidade mínima requerida?
Solução:
Analogamente ao argumento que justificou a ideia 2, afirmo que para a velocidade mínima a trajetória física tangencia o ponto mais alto da parede, por onde a bola deve passar. Se não tangenciasse e passase um pouco acima de
, você poderia diminuir a velocidade gradativamente até que tangenciasse. Utilizando a ideia 2 vemos que a trajetória física tangencia a parábola de segurança de
no ponto
, logo, aplicando
Resolvendo a equação biquadrática para , obtemos
Ideia 3 "Se um projétil é lançado com velocidade mínima para atingir um dado ponto , a velocidade em
é perpendicular a velocidade inicial."
Prova: Por hipótese a velocidade é mínima, logo:
Seja a velocidade em
do movimento, que é constante. Dessa forma
Onde é o tempo de voo (até o ponto
). Combinando
e
, temos
Multiplicando os dois lados de por
, obtemos
Observe que é o módulo da componente vertical da velocidade do ponto
. Logo
Pela definição de produto escalar
Se o produto escalar de dois vetores é zero, eles são perpendiculares entre si.
Obs: O produto escalar entre dois vetores é definido da seguinte forma:
Mas existe ainda outra definição que é:
Onde é o ângulo entre os dois vetores. Da primeira definição podemos notar o motivo de termos reescrito a nossa expressão como um produto escalar. Da segunda definição notamos o porquê de o produto escalar ser zero indicar a perpendicularidade dos vetores. Prove você mesmo que as duas definições são coincidentes!
Ideia 4 Em muito problemas não é suficiente usar as ideias 2 e 3. Alguns aspectos da trajetória física devem ser levados em conta, utilizando o fato que: para achar o mínimo (ou o máximo) de uma certa quantidade , devemos variar parâmetros livres (como por exemplo o ângulo de lançamento/posição de lançamento) por quantidades infinitesimais e ver o que acontece com a quantia de interesse. Se
cresce para todas as variações possíveis, a configuração inicial do sistema impõe um mínimo para
.
Ideia 5 Algumas vezes podemos inferir que a trajetória parabólica de projéteis pode ser revertida. De fato, dado que a energia mecânica se conserva, cada ponto do espaço, definido pela a altura admite apenas um valor de velocidade vertical
Se cada ponto do espaço está bem representado por um vetor velocidade específico (a velocidade em x é a mesma), a trajetória também está bem definida, e podemos lançar de qualquer ponto: a trajetória, em sua totalidade, não sofrerá alterações. Reverter a trajetória de um ponto a outro pode, apenas, alterar o sentido em que ocorre: imagine gravar o lançamento real do projétil, reverter a trajetória corresponderia a passar o filme ao contrário.
As ideia 4 e 5 serão úteis para analisar pontos de tangência em problema de velocidade mínima. Para exemplificar, considere os dois exemplos abaixo.
Exemplo 3 (Esse exemplo é um pouco mais complicado, estudantes do nível 1 podem omitir esse exemplo em um primeira leitura)
Um gafanhoto deseja saltar por cima de um tronco de árvore cilíndrico que encontra-se apoiado no solo. Se a gravidade local vale e o raio da secção transversal circular vale R, qual a velocidade mínima para o salto do gafanhoto lhe permitirá galgar o tronco de árvore?
Solução:
Diante a ideia 4, sabemos que haverá um ponto de tangência. Se não houvesse, poderíamos manter o mesmo ângulo de lançamento e diminuir gradativamente a velocidade até que tangenciasse, correspondendo ao caso limite. Mas, pela simetria do problema, haverão, na verdade, dois pontos de tangência, simétricos em relação à reta vertical que passa pelo centro do tronco: a velocidade mínima é a mesma se lançarmos de qualquer um dos lados do tronco, isso corresponde a um ponto de lançamento e um ângulo de lançamento específicos. Se revertemos a trajetória entre os pontos final e inicial, a trajetória será a mesma, porém refletida, por isso a simetria dos pontos. Seja um ponto de tangência, sabemos que o lançamento, a partir de
, com velocidade inicial
e um certo ângulo de lançamento
deverá passar pelo seu simétrico
. O caso limite, de acordo com a ideia 2, será aquele em que a parábola de segurança de
tangenciar o ponto
. Logo, adotando um sistema de coordenadas com origem no ponto
.
Como queremos a velocidade mínima
Substituindo em
, obtemos
Observe que essa é a velocidade no ponto , para obter a velocidade mínima requerida conservemos a energia
Como é um ponto de tangência, o ângulo de lançamento a partir de
é o mesmo que o arco descrito do topo do tronco até esse ponto. Sendo assim, a altura do ponto
, a partir do solo é:
Resolvendo para
Exemplo 4 (Esse exemplo é um pouco mais complicado, estudantes do nível 1 podem omitir esse exemplo em um primeira leitura)
Mesma situação do exemplo 3, só que agora determine a velocidade mínima necessária para atingir o ponto mais alto do tronco.
Solução
Primeiramente, devido a reversibilidade da trajetória, a pergunta equivale a determinar qual a velocidade mínima que o projétil deve ser lançado, a partir do ponto mais alto do tronco, a fim de atingir o solo, evidentemente sem tocar (apenas tangenciar) a superfície do tronco. Da mesma forma que no exemplo anterior, a trajetória deverá tangenciar a superfície. Caso contrário, com o mesmo ângulo de lançamento, poderíamos reduzir a velocidade gradativamente até que apenas tocasse o tronco. A trajetória física será algo do tipo
Não apenas a trajetória, mas a parábola de segurança também tangenciará o ponto na figura. De fato, se a região de segurança fosse mais abrangente, seria possível atingir um ponto logo acima do ponto de contato: nessa trajetória, o projétil não tocaria nenhum ponto do tronco. Isso configuraria uma contradição direta do parágrafo anterior, que afirma que se a trajetória é ótima, haverá um ponto de tangência. Conforme dito acima, imaginemos o processo reverso, onde o projétil é lançado do topo da esfera. Adotando sistema de coordenadas cartesianas com origem no ponto de lançamento, acha-se os pontos de intersecção entre a parábola de segurança e a trajetória física da seguinte forma
com
Dessa forma, obtemos uma equação biquadrática para
Como de costume, a situação crítica é obtida fazendo o delta da equação ser identicamente igual a zero.
Observe que essa é a velocidade no ponto mais alto, para obter a velocidade a partir do solo, conservemos a energia mecânica
Exercícios
1- Qual a velocidade mínima necessária para que uma pedra atinga o outro lado do prédio da figura abaixo?
Como proceder: Para mostrar que a trajetória física tangencia os dois pontos do prédio (de alturas e
) observe que: só há três possibilidades para a trajetória da pedra: (1) tangenciar um ponto, (2) tangenciar dois pontos ou (3) não tangenciar nenhum. (3) é claramente incorreta: poderíamos, mantendo um ângulo de lançamento fixo, diminuir a velocidade gradativamente, a pedra ainda galgaria o prédio. (1) Suponha que esse ponto seja o direito (sem perda de generalidade: depois só é reverter a trajetória). Imagine o ponto de lançamento sendo deslocado infinitesimalmente para a direita. Nessa configuração, a pedra ainda galgaria o prédio, evidentemente sem tangenciar nenhum ponto. Ou seja, (1) e (3) são equivalentes, correspondendo apenas a um deslocamento no ponto de lançamento. Logo, a única possibilidade é (2): tangenciar os dois pontos. Como a velocidade no ponto de altura
é função crescente de
devido a conservação de energia (
é constante), vemos que a velocidade mínima
corresponde a velocidade mínima
. Logo, temos a seguinte configuração: pedra lançada em
com velocidade mínima com a condição de passar em
. Portanto, aplique a ideia 2 para obter o resultado.
RESPOSTA:
2- Esse problema não trata de parábola de segurança, mas otimização de trajetórias em geral.
Um garoto corre em um grande lago congelado com velocidade de módulo em direção ao norte. O coeficiente de atrito entre seu pé e o gelo é
. Assuma que a força de contato entre o pé do garoto e o solo permanece constante (isso não é verdade, em geral, pois enquanto o garoto pisa no solo, a força será maior).
a) Qual o menor tempo possível para que o garoto passe da situação inicial para a situação final onde está caminhando para o leste com o velocidade de módulo ?
b) Qual a trajetória descrita pelo garoto?
RESPOSTA: ;
3- Determinar a velocidade mínima para galgar as seguintes figuras.
4- Um cilindro de raio é posicionado com seu eixo paralelo ao solo, a uma altura
. Qual a velocidade mínima (a partir do solo) necessária para que uma bola possa galgar o cilindro? Considere os dois casos:
a) A bola pode tocar o cilindro
b) A bola não pode tocar o cilindro
Desafio: Sabendo que a zona de segurança é obtida através de uma equação quadrática. Mostre que o canhão de onde se lança o projétil (origem do sistema de coordenadas) está localizado no foco da parábola.