Física - Ideia 19

Escrito por Paulo Henrique

Introdução

Nessa ideia serão mostrados dois problemas relacionados com interferência, mais especificamente, com a fenda dupla. Porém, antes de propô-los façamos uma grande revisão teórica a respeito desse assunto. Esse resumo contém algumas informações não usuais em livro de ensino médio. Portanto, ele, por si só, deverá ser de grande ajuda.

Interferência

O que acontece se ondas de diferentes fontes existem no mesmo ponto espaço? Elas interferem.  Dependendo da fase dessas ondas, elas podem interferir construtivamente ou destrutivamente (ou algo intermediário). Pelo princípio da superposição, a onda resultante é a soma de todas as ondas que coeexistem naquele ponto. Portanto, nosso objetivo é saber como computar essa soma de ondas de diferentes fases.

Qualquer tipo de onda sofre interferência. Porém, nessa análise, trabalharemos em termos de ondas eletromagnéticas, que representam o comportamento ondulatório da luz. A matemática utilizada na descrição desse fenômeno é complicada em certos pontos, por isso, utilizarei duas derivações diferentes: a analítica (mais rigorosa matematicamente) e a geométrica (mais intuitiva). De qualquer forma, para os dois métodos, o leitor deve ser familiarizado com os conceitos de onda, interfência construtiva e destrutiva, comprimento de onda, etc. Essa aula tem como foco a interfência da luz e não ondas em geral.

Antes de começar, se atente aos seguintes fatos. Quando lidamos com um certo problema de ondas, é necessário observar o que, de fato, ondula. No caso de ondas eletromagnéticas, é o campo elétrico (e magnético também, mas isso não é importante aqui), sendo assim, é comum representar a "soma das ondas" descrita acima pela soma dos campos elétricos gerados por cada onda. Então, na derivação analítica, os \vec{E}_i serão somados. Outro ponto importante é que devemos saber a forma da solução da onda (que nesse caso é representada pelo campo elétrico), ou seja, a função que representa a mesma. No caso eletromagnético, a solução é obtida através das equações de Maxwell, mas isso não é relevante. O que você precisa saber é que essa solução toma a forma (ondas planas)

E=E_0\cos{\left(kr-{\omega}t \right)}

          (1)

Onde k é o número de onda, definido por k=\dfrac{2\pi}{\lambda}, sendo \lambda o comprimento de onda, r é a distância na direção de propagação da onda. E \omega é a frequência angular. Caso você esteja confuso e não seja familiarizado com esses conceitos de ondas eletromagnéticas e campo elétrico, basta pensar que estamos somando várias "amplitudes", que podem ser chamadas de A, o nome em si não é importante. O que é importante é a solução dada por (1), que inevitavelmente deve ser levada em conta na soma para achar a onda resultante.

Depois de introduzido esses conceitos, podemos começar. Mas para descrever esse fenômeno quantitativamente precisamos de uma situação específica. O caso inicial, geralmente mais recorrente em olimpiadas é o problema da fenda dupla, que será tratado aqui.

 

Fenda dupla

Considere a configuração da figura abaixo.

Uma onda plana se move em direção a uma parede. Considere que há duas pequenas fendas nessa parede. (a abertura deve ser muito menos que o comprimento de onda para podermos desprezar os efeitos de difração). Pelo princípio de Huygens, a medida que a luz atinge a parede, as duas fendas funcionam como fontes de ondas secundárias, como mostra a figura. Atenção, as fendas são aberturas que se estendem indefinidamente na direção perpendicular ao plano da página, não são "pontos". Imagine que sejam retângulos infinitesimalmente espessos. Dessa forma, cada fenda se comporta como fonte de onda cilíndricas, justamente por essa indepêndencia na direção perpendicular à página.

Agora, considere que uma tela é posta (para a direita na imagem) a uma distância D da parede, paralela a parede. Nosso objetivo é saber como se comporta a onda resultante de acordo com a posição em que é observada na tela. Mais especificamente, queremos descobrir a intensidade da onda resultante em função da posição. A priori, isso parece uma missão bem difícil. Porém, é comum trabalharmos com o limite de Fraunhofer, que facilita muito as coisas. Nesse limite, é feita a consideração D\gg{d}, ou seja, a tela está muito distante da parede. Isso gera duas simplificações

1- Como a tela está muito distante de ambas as fendas, os feixes de luz que emergem das mesmas são essencialmente paralelos no ponto de observação. Dessa forma, não precisamos nos preocupar com a direção dos campos elétricos: a soma pode ser feita escalarmente, já que têm a mesma direção. Daí conclui-se que os ângulo que cada feixe de luz (cada um emergente de uma fenda) fazem com a horizontal são iguais, esse ângulo comum será chamado de \theta.

2-A amplitude da onda eletromagnética (a amplitude do campo elétrico) decresce com a distância a partir da fonte. Apesar das distâncias das fendas até a tela serem diferentes (r_1 e r_2 na figura), consideremos as amplitudes das ondas iguais (apenas a fase das ondas diferem entre si).

É necessário perceber a sutileza desses argumentos para entender o próximo passo: Como os valores de r_1 e r_2 são próximos, gerarão ondas de amplitudes essencialmente iguais. Agora, perceba que a diferença r_2-r_1 pode ser da mesma ordem do comprimento de onda da luz, e portanto, deve ser levada em conta no cálculo da diferença de fase entre as duas ondas. De fato, essa diferença é muito pequena quando comparada com D, logo, para a amplitude não fará diferença.

Lembre que a diferença de fase entre as duas ondas é gerada somente pela diferença de caminho óptico \Delta{s}, visto que possuem a mesma frequência (todos os pontos da frente de onda da onda incidente possuem mesma fase, logo as fontes são coerentes). Para calcular essa diferença de fase \phi, façamos

\dfrac{2\pi}{\phi}=\dfrac{\lambda}{\Delta{s}}

Similarmente

\phi=k\Delta{s}

Agora, observe a imagem abaixo.

Como os feixes são praticamente paralelos, temos que

\Delta{s}=dsin{\theta}

Logo

\phi=kdsin{\theta}

Nesse ponto, faremos as duas derivações citadas no começo da aula.

Derivação analítica

Nesse método, a soma para obter a onda resultante no ponto de observação na tela será feita na mão, utilizando (1). Para facilitar, usaremos exponenciais complexas (se não estiver familiarizado com esse formalismo, pule essa derivação) da seguinte forma: em (1) a solução é dada por uma amplitude (E_0) vezes o cosseno da fase. Esse é o valor real do campo elétrico. Agora, se fizermos as contas utilizando um campo elétrico complexo (as equações de Maxwell são perfeitamente válidas para campos complexos) E=E_0e^{i(kr-{\omega}t)} e no final tirarmos a parte real, obteremos o mesmo resultado. Isso é feito simplesmente para simplificar as contas, já que é mais fácil lidar com exponenciais do que com cossenos e senos. Em um ponto de observação, representado pelo um certo ângulo \theta, temos que o campo elétrico resultante é dado por

E_{tot}=E(\theta)e^{i(kr_1-{\omega}t)}+E(\theta)e^{i(kr_2-{\omega}t)}

E_{tot}=E(\theta)e^{-i{\omega}t}(e^{ikr_1}+e^{ikr_2})

E_{tot}=E(\theta)(e^{i(kr_1-kr_2)/2}+e^{-i(kr_1-kr_2)/2})e^{i(kr_1+kr_2)/2-{\omega}t}

A amplitude resultante é o fator que acompanha a exponencial. Utilizando a relação de Euler e^{ix}=cos{x}+isin{x}, obtemos

A_{tot}(\theta)=2E(\theta)cos(\dfrac{kdsin{\theta}}{2})

Observe que a amplitude para \theta=0 é dada por 2E(0). Logo

A_{tot}(\theta)=A_{tot}(0)\dfrac{E(\theta)}{E(0)}cos(\frac{kdsin{\theta}}{2})

Pela teoria ondulatória, a intensidade é proporcional ao quadrado da amplitude. Portanto

I_{tot}(\theta)=I_{tot}(0)\dfrac{E(\theta)^{2}}{E(0)^{2}}\cos^{2} \left( \dfrac{kd \sin \left( \theta \right)}{2} \right)

Podemos ainda expressar \dfrac{E(\theta)}{E(0)} em termos do ângulo \theta. Para isso, consideremos que as ondas geradas por cada frente se propagam cilindricamente, isso gera \dfrac{E(\theta)}{E(0)}=\sqrt{cos{\theta}}. A prova desse fato não é cabível aqui, mas não se preocupe, esse fator não será levado em conta em breve. A intensidade também pode ser expressa em função da distância x a partir do ponto médio entre as fendas na tela. Usando que

cos{\theta}=D/{\sqrt{x^2+D^2}}

Temos

I_{tot}(x)/I_{tot}(0)=D/{\sqrt{x^2+D^2}}{\cos{(\dfrac{x{\pi}d}{{\lambda}\sqrt{x^2+D^2}})}}^2

 

Por enquanto, se considerarmos o fator que surge devido o quociente das amplitudes, podemos plotar o gráfico de {I_{tot}(x)}/I_{tot}(0) para diferentes d.

Observe que no primeiro gráfico a distância entre as fendas é menor que o comprimento de onda. Portanto, como a maior diferença de caminho é d (para \theta=\pi/2), não haverão zeros de intensidade, exceto para x tentendo a infinito. Lá a amplitude das ondas cai a zero, assim como a intensidade. Como disse antes, outra simplificação pode ser feita a respeito do fator \dfrac{E(\theta)}{E(0)}. Essa simplificação surge quando lidamos com ângulos pequenos. Nessa aproximação

cos{\theta}=1

e

sin{\theta}=\theta

Com essas aproximações

I_{tot}(x)/I_{tot}(0)={\cos^{2}{\left(\dfrac{x{\pi}d}{{\lambda}D}\right)}}

Essa é a forma que mais aparece em problemas de olimpíadas. Veja o gráfico dessa função abaixo.

Os máximos ocorrem para x múltiplo de {\lambda}D/d. Matematicamente, essa condição é

x=m{\lambda}D/d

Ou, equivalentemente

m{\lambda}=d{\theta}

De qualquer forma, sem fazer aproximações de ângulos pequenos, os máximos locais são dados quando a diferença de caminho é um múltiplo do comprimento de onda

dsin{\theta}=m\lambda

Derivação geométrica: caso geral

Nessa derivação, consideraremos o caso geral onde há N fendas em vez de apenas duas. O limite de Fraunhofer ainda é utilizado. Evidentemente, devemos obter o caso da fenda dupla se fizermos N=2 no nosso resultado final. Esse método consiste em computar a soma de todas as ondas somente com argumentos gemétricos

Agora, cada fenda tem um caminho maior por dsin{\theta} em relação a de baixo, conforme a figura abaixo.

Se o feixe que passa pela fenda mais acima está a uma distância r_1  do ponto de observação na tela, o enésimo estará a uma distância

r_n=r_1-(n-1)dsin{\theta}

Novamente, nosso objetivo é calcular a soma (agora N vezes)

E_{tot}=E(\theta)e^{i(kr_1-{\omega}t)}+E(\theta)e^{i(kr_2-{\omega}t)}+...+E(\theta)e^{i(kr_n-{\omega}t)}

Defina kdsin{\theta}=\alpha. O somatório vira

\sum_{n=1}^{n=N} e^{i{\alpha}(n-1)}

Cada termo da soma é um número complexo de módulo unitário. Podemos representar esse números no plano complexo como vetores, onde o eixo vertical é a parte imaginária e o eixo horizontal a parte real. Esse vetores fazem ângulos respectivamente iguais a 0, \alpha, 2\alpha, etc com o eixo horizontal.

Podemos somar esses vetores colocando o começo de um com a ponta do seguinte. O vetor que liga o começo do primeiro vetor a ponta do último gera o vetor resultante, que nesse caso é a amplitude resultante. A figura abaixo representa tal esquema para N=4.

O vetor mais espesso da figura é a amplitude resultante procurada. Ele é a base do triângulo isóceles de ângulo do vértice 4\alpha, evidentemente esse ângulo vale N\alpha no caso geral. Para descobrir o valor de r (veja a figura acima) façamos

R=2r\sin(N\alpha/2)

Agora, utilizando qualquer um dos triâgulos isóceles menores (como representam números complexos, seu módulo é 1)

1=2r\sin(\alpha/2)

Divindo uma equação pela a outra, chegamos no resultado da amplitude resultante

R=\dfrac{\sin \left(N\alpha/2 \right)}{\sin \left(\alpha/2 \right)}

Perceba que para ser mais rigoroso, o R encontrado acima deve ser multiplicado por E(\theta), assim como foi feito na derivação analítica. A medida que o tempo passa todos esses vetores giram com frequência angular \omega. Sendo assim, a figura se comporta como um corpo rígido e o valor de R permanece constante. De qualquer forma, R ainda representa a amplitude do campo elétrico complexo resultante (depois que multiplicamos por E(\theta)) e não a parte real, que é a componente horizontal. Essa última, portanto, oscila a medida que a figura gira, representando o valor real do campo.

Com o resultado para R acima, impomos N=2 para checar se bate com o valor para a fenda dupla já calculado (aqui, devemos elevar a amplitude ao quadrado a fim de obter a relação entre as intensidades).

R=\dfrac{\sin(\alpha)}{\sin(\alpha/2)}

Usando a relação trigonométrica do arco duplo e considerando, assim como foi feito na derivação análitica, E(\theta)=constante (lembre que isso é uma aproximação para pequenos ângulos), chegamos no resultado esperado

I(\theta)=I_0{\cos(\alpha/2)}^2

Onde I_0=I(\theta=0). Que recai no caso da fenda dupla já calculado.

Voltemos para o caso geral (N é um número qualquer). Com essa análise geométrica vemos o porquê dos máximos de interferência (pontos onde a intensidade é máxima) serem dados pela relação

d\sin{\theta}=m\lambda

Quando \alpha é um múltiplo de 2\pi, todos os vetores apontam para a direita (adotando esse como sendo a direção do primeiro vetor), o que faz aumentar a amplitude resultante para seu valor máximo. Esse é o resultado mais conhecido da fenda dupla. Em termos de Física, essa relação nos diz que a diferença de caminho entre duas fendas consecutivas é um número inteiro de comprimento de ondas, ou seja, todas as ondas geradas por cada fenda estão em fase e interferem construtivamente.

Já os mínimos de interferência (quando a intensidade é nula) ocorrem quando o ângulo \alpha é tal que o conjunto de vetores de cada onda formam um polígono fechado. Nesse caso, o módulo da amplitude resultante é nula, assim como a intensidade (que depende da amplitude ao quadrado). Isso ocorre quando N\alpha=2\pi. Quando a condição de máximo e mínima são satisfeitas simultaneamente você pode provar, fazendo o limite, que isso representa um máximo.

Fonte imagem atuando como fontes

Com os resultados obtidos, trabalhemos nesse exemplo.

Em alguns casos, é possível que tenhamos um padrão de interferência em arranjos com uma fonte de luz apenas. Isso acontece quando imagens virtuais atuam como fontes de luz junto com a verdadeira fonte. Essas imagens ocorrem devido a refração ou reflexão.

Espelho de Lloyd

Observe a configuração abaixo, conhecida como espelho de Lloyd. Nesse aparato, a imagem do ponto S, gerada por reflexão no espelho horizontal, funciona como fonte de luz. Essas duas fontes defasadas por pi fazem com que um padrão de interferência exatamente contrário ao de uma fenda dupla (devido a diferença de fase pi obtida pelos raios que refletem no espelho) se forme numa tela a uma distância D.

Podemos calcular a posição y do m-ésimo máximo de interferência usando a condição de máximo

d\sin{\theta}=\left(m-\dfrac{1}{2} \right)\lambda

O fator de \dfrac{1}{2} é adicionado em relação a fenda dupla convencional pois se a condição normal da fenda dupla for atingida teremos um mínimo, que dista \dfrac{\lambda}{2} de um máximo.

Nesse caso, d é a distância a representada na figura acima. Utilizando a aproximação para pequenos ângulos \sin{\theta}=\tan{\theta}=y_m/L, temos

y_m=\dfrac{\left(m-\dfrac{1}{2} \right){\lambda}L}{a}

Perceba que se o ponto M´ do espelho estivesse em contato com a tela, lá teríamos um mínimo de interferência. Isso se deve ao fato que, apesar da diferença de caminho ser nula (as dus fontes estão postas simetricamente em relação a esse ponto), o raio de luz que é refletido pelo espelho e atinge a tela inverte sua fase na reflexão. Sendo assim, a diferença de fase \pi entre as fontes geram um mínimo.

Biprisma de Fresnel

Outro exemplo importante de imagens virtuais atuando como fontes de luz é o da configuração abaixo, o arranjo é denominado biprisma de Fresnel. Quando a luz vinda da fonte real sofre refração devido ao prisma, ela aparenta estar sendo emanada por duas fontes virtuais de luz S_1 e S_2.

Geralmente, o ângulo de abertura do prisma \alpha é pequeno. Nesse regime, é conhecido o resultado da óptica geométrica que o ângulo de desvio {\delta}_m é igual a (n-1){\alpha}. Sendo assim, a distância entre as fontes virtuais (fenda dupla) é

a=2d{\delta}_m=2d{\alpha}(n-1)

Com a distância entre as fendas em mãos conseguimos extrair a posição dos máximos de interferência numa tela a uma distância a+s das fendas (veja na figura).

A seguir, veja alguns problemas para aplicar as ideias mostradas aqui.

Problemas

1 - Encontre a fenda dupla

Dois espelhos planos formam um ângulo muito próximo de 180^{\circ}, conforme a figura. A distância b dos espelhos se encontra uma fonte luminosa S. Um anteparo está situado a uma distância a da interseção dos espelhos, determine a distância entre as franjas luminosas nesse anteparo sabendo que a luz que sai diretamente de S é bloqueada por C. Use \lambda, \alpha, a eb.

2 - Muitas Fendas

Um número muito grande N de fendas igualmente espaçadas é iluminada com luz monocromático cujo comprimento de onda é 510 nm. Em um grande anteparo, capaz de refletir toda a luz que atravessa a fenda, são observados apenas cinco mínimos de intensidade de cada lado do máximo central. Sabendo que um dos mínimos encontra-se em \theta, tal que \sin \left( \theta \right)=\dfrac{3}{4} , determine a distância entre as duas fendas mais distantes. Considere que o anteparo está muito distante. Dica: Tente buscar condições de existência no seno do ângulo.