Aula 04 - Plano Projetivo e Razão Cruzado

Aula por Brendon Borck

Como uma “extensão” à Geometria Euclidiana, a Projetiva oferta ferramentas ideais para atacarmos problemas com muitas intersecções, linhas paralelas e círculos tangentes. Aliados a conceitos usuais as técnicas que serão mostradas neste artigo podem demonstrar-se eficientes em soluções, não somente criando novas saídas para finalizar problemas, mas também para terminá-los de forma mais rápida, um segundo ponto crucial de preocupação durante a realização de provas ou competições. Para maior compreensão é sugerido um conhecimento básico sobre assuntos significativos como Inversão e teoremas relacionados a cevianas e quadriláteros completos. Porém, caso o leitor não esteja familiarizado com nenhum desses tópicos, não se preocupe: o artigo foi escrito de forma especial para máxima aprendizagem do que for apresentado, com detalhes e dicas de estudo essenciais. Agora, vamos ao mais interessante:

 

  1. Introdução à Projetiva

Refutando algumas premissas determinadas pelo senso comum, o plano projetivo surge em adição ao já conhecido plano euclidiano generalizando de forma principal a idéia de que duas retas se cruzam, são introduzidos os chamados pontos do infinito, tentando responder, assim, ao fato de que até mesmo retas paralelas se encontram, nem que sua intersecção ocorra o mais longe possível (“no infinito”), mas ainda assim dentro do plano. Como isso acontece? É simples: a partir de agora qualquer par de retas paralelas possui uma intersecção, o chamado ponto do infinito e com isso podemos afirmar com segurança que ao escolhermos duas retas quaisquer elas sempre se encontram.

O problema das paralelas foi resolvido, mas e esses novos pontos? Eles não podem ser simplesmente jogados no plano, sem alguma determinação o poder gerado por eles torna-se inútil. Por isso, outro conceito precisa ser gerado: adicionamos uma reta a mais aos nossos conhecimentos e assim, surge a reta do infinito, que é simplesmente a conjunção de todos esses novos pontos, finalizando o que precisamos saber a mais para trabalhar o plano Projetivo. Em breve, veremos que aliado aos conceitos de inversão, podemos ainda determinar essa reta de forma mais precisa e resolver o problema da polar do centro da transformação. Porém, por enquanto mantemos a calma e vamos ao essencial:

 

  1. Razão Cruzada

Dados quatro pontos A, B, C, D numa mesma reta, definimos a razão cruzada (A, B; C, D) como:

\dfrac{CA}{CB} \div \dfrac{DA}{DB} = \dfrac{CA}{CB} \cdot \dfrac{DB}{DA}

 

É importante salientar que a definição acima é dada a partir de segmentos orientados (direções opostas apresentam sinal negativo, enquanto direções iguais o sinal positivo), entretanto, na prática, o módulo da razão é mais considerado.

Agora, como a existência de tal fato pode ser útil na solução de problemas? O fator mais relevante da razão cruzada está no seu caráter invariante, já que ela por essência pode ser associada a um feixe de retas, que quando cortado por uma reta qualquer tem a razão como imutável. Tome como referência os quatro pontos já dados no início dessa sessão e chame de a, b, c, d as retas que passam pelos respectivos pontos, agora suponha que esse feixe concorra num determinado ponto P. Mais do que podemos afirmar que essas retas também apresentam uma razão cruzada, dada por:

 

(a, b; c, d) = \pm \dfrac{\sin\angle(c, a)}{\sin\angle(c, b)} \div \dfrac{\sin\angle(d, a)}{\sin\angle(d, b)}

 

Podemos associá-la à já encontrada anteriormente através dos pontos colineares que cortam o feixe com perspectiva em P:

 

 (A, B; C, D) = P(A, B; C, D) = (a, b; c, d)

 

figura1-proj

 

 

Observação: o P na frente da segunda notação indica o feixe de retas com razão cruzada (A, B; C, D) que se encontra em P. (colocar no rodapé)

 

Na verdade, obter novas razões por perspectiva em feixes é uma ferramenta poderosa na Projetiva, já que razões cruzadas não são somente imutáveis considerando quatro pontos colineares: e se eles fossem concíclicos o que aconteceria? É o que teorema a seguir nos responde:

 

Teorema: Sejam A, B, C, D pontos concíclicos. Se P é um ponto qualquer sobre a circunferência, então P(A, B; C, D) não depende de P. Teoricamente:

 

P(A, B; C, D) = \pm \dfrac{CA}{CB} \div \dfrac{DA}{DB}

 

Através da aplicação da lei dos senos podemos concluir o fato acima, que quando aliado ao conceito de perspectiva por feixe de retas aumenta nosso leque de operações que preservam a razão cruzada:

 

 (A, B; C, D) = P(A, B; C, D) = P(A?, B?; C?, D?) = (A?, B?; C?, D?)

figura2-proj

 

Finalizando a sessão, segue uma prova que utiliza essas técnicas e que ainda serve como um novo artifício a ser utilizado:

 

Teorema da Borboleta:

Seja M o ponto médio de uma corda PQ num círculo. A partir disso, trace AB e CD, também cordas e que se intersectam em M (com A e C no mesmo semi-plano definido por PQ). Chame de X a interseção de PQ com AD e Y a interseção com BC. Então, MX = MY.

 

figura3-proj

 

Prova: Considere a razão cruzada (P, Q; X, M). Vamos mostrar que ela é igual à (P, Q; M, Y) e assim concluir o problema com definição, mas como fazer isso? Usaremos perspectiva:

 

Tome o feixe de retas com a razão cruzada considerada e que corta o círculo no ponto B, a partir disso podemos afirmar que:

 

(P, Q; X, M) = D(P, Q; A, C)

 

Como a razão também é válida para quadriláteros inscritíveis, não há problema! Agora basta fazer o mesmo, mas “voltando” com perspectiva em D:

 

(P, Q; A, C) = B(P, Q; M, Y)

 

Chegamos que (P, Q; X, M) = (P, Q; M, Y) e utilizando a definição:

 

\dfrac{PX}{QX} \div \dfrac{PM}{QM} = \dfrac{PM}{QM} \div \dfrac{PY}{QY}

Como M é ponto médio de PQ, então PM=QM:

 

\dfrac{PX}{QX} = \dfrac{QY}{PY} \Rightarrow \dfrac{PQ}{QX} = \dfrac{PQ}{PY} \Rightarrow QX = PY \Rightarrow QM + MX = PM + MY \Rightarrow MX=MY

 

Como queríamos demonstrar.