Aula 05 - Quádruplas Harmônicas

Aula por Brendon Borck

Agora que já sabemos razão cruzada, vamos ao principal: o que aconteceria se ela fosse constante? Melhor: se ela tivesse módulo 1? Dizemos que $(A, B; C, D) é uma quádrupla harmônica quando (A, B; C, D) = -1 e as propriedades que vimos anteriormente conseguem ser aplicadas com maior facilidade, já que podemos encontrar elas naturalmente em várias configurações (as bissetrizes interna e externa com seus lados adjacentes é um dos maiores exemplos). Analisando a razão em si obtemos uma igualdade de segmentos, que podemos usufruir da mesma forma:

 

\dfrac{AC}{BC} = \dfrac{AD}{BD}

 

Por questão de nomenclatura, utilizando o exemplo acima, dizemos que A é conjugado harmônico de B em relação ao segmento \overline(CD) e agora estamos prontos para alguns lemas e conceitos importantes.

O feixe harmônico, também chamado de lápis, acontece de maneira análoga ao apresentado anteriormente (uma quádrupla harmônica não deixa de ser uma razão cruzada), ou seja, qualquer reta que o corta gera quatro pontos com a razão em questão. Porém, a construção dele com régua é o mais interessante e conveniente para muitas questões:

 

figura4-proj

 

Podemos encontrar o conjugado harmônico do ponto X em relação ao segmento \overline(BC) da seguinte maneira: traçamos três retas a partir desses pontos com encontro em A, depois basta traçarmos dois segmentos BY e CZ com interseção em AX. Pronto: Chame de X? o ponto que YZ corta a reta BC e temos que (X, X?; B, C) = -1.

A prova pode ser feita aplicando diretamente o teorema de Ceva e Menelaus, que caso não seja de conhecimento do leitor segue abaixo:

 

Teorema de Ceva:

Dado um triângulo ABC, construa as cevianas AD, BE e CF, a partir disso é possível afirmar que elas se encontram num ponto P se, e somente se:

 

\dfrac{AF}{BF} \cdot \dfrac{BD}{CD} \cdot \dfrac{CE}{AE} = 1

 

figura5-proj

Prova: Utilize as áreas dos triângulos formados.

 

Teorema de Menelaus:

Dados um triângulo ABC e uma reta r, chame de D, E e F os pontos que ela corta os lados BC, AC e AB, respectivamente. a partir disso é possível afirmar que:

 

\dfrac{AF}{BF} \cdot \dfrac{BD}{CD} \cdot \dfrac{CE}{AE} = 1

 

figura6-proj

 

Prova: Utilize semelhança de triângulos em relação a reta r.

 

Essa construção já nos permite associar cevianas diretamente com quádruplas harmônicas e consequentemente alguns pontos notáveis, mas há uma exceção que não podemos deixar de comentar e serve para testarmos os conceitos ensinados na introdução deste artigo: e se o ponto X do exemplo fosse ponto médio de BC? O leitor familiarizado com a geometria deve ter conseguido notar que não há opção: a reta YZ será paralela à BC, uma maneira mais didática de vermos isso seria aplicando diretamente o teorema de Ceva seguido do teorema de Tales. Como estamos no plano projetivo não há motivo para desespero: duas retas paralelas encontram-se num dos pontos do infinito (o específico a esse feixe de paralelas) e este será o conjugado harmônico de X, digamos que P_{\infty}. Por convenção: (B, C; X, P_{\infty}) = -1 nesse caso.

Para finalizar as técnicas, já vimos as associações entre triângulos e quádruplas harmônicas, mas através de quadriláteros elas manifestam-se também? Sim e a resposta ainda é de extrema utilidade. Assim como abordado no tópico sobre razão cruzada não são somente pontos colineares que a geram, no caso em questão seremos introduzidos aos quadriláteros harmônicos.

A definição pode ser feita da seguinte maneira: Dados quatro pontos concíclicos A, B, C, D, chamamos sua união de quadrilátero harmônico caso haja a seguinte razão:

\dfrac{BC}{DC} = \dfrac{BA}{DA}

 

Visto isso, podemos introduzir nosso primeiro lema:

 

Lema: Seja P um ponto fora de uma circunferência \Gamma e PA, PC tangentes a ela. Chame de B e D dois pontos que pertencem à \Gamma e que são colineares com P. A partir disso podemos afirmar que ABCD é um quadrilátero harmônico e se X = \overline(BD) \cap \overline(AC), então (B, D; P, X) = -1.

 

figura7-proj

 

Prova: Iremos utilizar alguns conceitos elementares da Geometria, precisamente semelhança de triângulos:

 

triangle BPC \sim \triangle CPD (caso A.A): \dfrac{BC}{DC} = \dfrac{PC}{PD}

 

triangle BPA \sim \triangle APD (caso A.A): \dfrac{BA}{DA} = \dfrac{PA}{PD}

 

Como PA e PC são tangentes à \Gamma, pelo teorema do Bico PA=PC e temos o que precisávamos:

 

\dfrac{BC}{DC} = \dfrac{BA}{DA}

 

Para finalizarmos a prova basta utilizarmos perspectiva em A, já que sabemos agora que ABCD é quadrilátero harmônico:

 

(B, D; A, C) = A(B, D; P, X) = -1

 

Note que ao tomarmos perspectiva em A precisamos considerar a reta AA, nesse caso determinamos que ela representa a tangente de A em relação à \Gamma. Lembre-se disso em problemas que envolvem feixes e circunferências.

 

Por fim, vamos a um problema técnico para testar o que foi aprendido na sessão e mostrar como quádruplas harmônicas aliadas ao conceito de perspectiva podem ser destruidoras:

 

Problema: Sejam A, B, C, D, E pontos num círculo \omega e P um ponto fora do círculo. Considere que PB e PD são tangentes à \omega, que os pontos P, A, C são colineares e \overline(DE) \parallel \overline(AC). Prove que \overline(BE) bissecta \overline(AC).

 

figura8-proj

 

Solução: Chame de M o ponto que \overline(BE) corta \overline(AC). Pelo lema o quadrilátero ABCD é harmônico, a partir disso use perspectiva em E:

 

(A, C; B, D) = E(A, C; M, P_{\infty}) = (A, C; M, P_{\infty}) = -1

 

Aparece o ponto do infinito na razão já que \overline(DE) \parallel \overline(AC) e sabemos que seu conjugado harmônico é o ponto médio do segmento em questão, então AM=MC e \overline(BE) bissecta \overline(AC).