Aula 3 - Cálculo do pH de soluções de ácidos polipróticos e de soluções salinas

Aula de Ivna Gomes

  1. pH de soluções de ácidos polipróticos

Até agora vimos como calcular o pH de soluções de ácidos monopróticos, tanto fracos quanto fortes. Mas existem vários exemplos de ácidos com mais de 1 hidrogênio ionizável, como o H_{2}SO_{4} e o H_{3}PO_{4}. Esses ácidos sofrem hidrólises consecutivas até perder todos os seus hidrogênios ionizáveis. À cada ionização parcial está associado um Ka, que vai de Ka1 até Kan, em que n é o número total de hidrogênios ionizáveis.

Vamos analisar as ionizações do ácido fosfórico em água:

aula 3 imagem 1

Os prótons são doados pelo ácido poliprótico e a constante de acidez decresce sucessivamente, em geral por um fator de 10^{-3}. O ácido sulfúrico é o único ácido poliprótico comum para o qual a primeira desprotonação é completa e a segunda ionização aumenta significativamente a [H^{+}].

Com exceção do ácido sulfúrico, para calcular o pH de uma solução, levamos em conta apenas a primeira ionização. Em geral, essa aproximação é feita quando o Ka1 é cerca de 1000 vezes maior que o Ka2, e as mudanças de pH devidas às ionizações subsequentes são desprezíveis.

-Exemplo 1: Calcule o pH de uma solução de ácido sulfúrico 0,01 M. (pKa2=1,96)

Como na primeira ionização o H_{2}SO_{4} é forte, temos:

[H_{3}O^{+}]_{1} = [H_{2}SO_{4}]_{0} = 0,01 M (concentração de H_{3}O^{+} da primeira ionização)

A base conjugada, o bissulfato, também contribui expressivamente para o pH. Esta sofre hidrólise ácida como segue:

HSO_{4}^{-} + H_{2}O \rightleftharpoons SO_{4}^{2-} + H_{3}O^{+}  Ka2=0,012

Para encontrar a contribuição da segunda ionização, precisamos montar uma tabela de equilíbrio em que as concentrações iniciais são as da primeira desprotonação. Assim, temos:

HSO_{4}^{-} + H_{2}O \rightleftharpoons SO_{4}^{2-} + H_{3}O^{+}

início 0,01 M -- 0 0,01 M
variação -x M -- +x M +x M
equilíbrio (0,01-x) M -- x M (0,01+x) M

Substituindo na expressão do Ka, temos:

Ka = 0,012 = \frac{x\times (0,01+x)}{(0,01-x)}

Precisamos resolver a equação do segundo grau, pois a mudança de concentração não pode ser desprezada. Resolvendo para x, obtemos:

x = 4,3 \times 10^{-3}

Logo, a concentração de íons hidrônio é:

[H_{3}O^{+}] = 0,01 + x = 0,014 M

O pH é, portanto:

pH=1,9, o que é menor que o pH=2 que seria obtido apenas pela primeira ionização.

Para soluções de outros ácidos polipróticos, considere só a primeira ionização, de modo análogo ao que vimos na aula passada, sempre tomando cuidado com as aproximações.

2. pH de soluções salinas

O pH de uma solução salina depende da acidez e da basicidade relativas de seus íons. Geralmente, os cátions contribuem para tornar o meio ácido e ânions contribuem para tornar o meio básico.

2.1. Acidez de cátions

  • Os cátions conjugados de bases fracas possuem caráter ácido, como o NH_{4}^{+}.
  • Cátions de metais com alta densidade de carga tornam o meio básico. Isso ocorre pois esses metais podem atuar como ácidos de Lewis, recebendo pares eletrônicos da água. Isso enfraquece as ligações O-H das moléculas de água, que podem acabar se ionizando, fornecendo íons H^{+} para o meio.

aula 3 imagem 2

  • Cátions da família 1A, 2A e cátions com carga +1 são ditos inertes. Eles são ácidos de Lewis fracos e seus aquacompostos não atuam como ácidos.

2.2. Basicidade de ânions

  • Ânions que são bases conjugadas de ácidos fracos tem comportamento básico, como o fluoreto ou o acetato.
  • Ânions de ácidos fortes, como o cloreto ou o iodeto, são bases tão fracas que não influenciam no pH. Esses são ditos inertes.

Observação: Alguns ânions que tem hidrogênio produzem soluções ácidas, como o H_{2}PO_{4}^{-} ou o HSO_{4}^{-}.

2.3. Cálculo do pH das soluções

Nos cálculos de pH, um cátion ácido é tratado como ácido fraco e um ânion básico é tratado como base fraca. Em geral, temos um íon inerte e outro influenciando o pH, como é o caso dos dois próximos exemplos:

-Exemplo 2: Calcule o pH de uma solução 0,15 M de cloreto de amônio. (Dado: Kb da amônia = 1,8\times10^{-5}) . 

Como o íon cloreto tem comportamento inerte e o íons amônio tem comportamento ácido, o pH da solução ddeve ser menor que 7.

Devemos levar em conta a hidrólise ácida o íons amônio. Procedendo com uma tabela estequiométrica, temos:

NH_{4}^{+} + H_{2}O \rightleftharpoons NH_{3} + H_{3}O^{+}

início 0,15  -- 0 0
variação -x -- +x +x
equilíbrio (0,15-x) M -- x M x M

Temos que:

Ka = \frac{Kw}{Kb} = \frac{10^{-14}}{1,8\times10^{-5}} = 5,6\times10^{-10}

Substituindo as concentrações na expressão do Ka:

5,6\times10^{-10}=\frac{x^{2}}{0,15-x}

Como Ka\times100<<[NH_{4}^{+}]_{0}, 0,15-x\sim 0,15.

Resolvendo para x, obtemos:

[H_{3}O^{+}] = 9,2\times10^{-6}

Logo, pH=5,04

-Treine: Calcule o pH de uma solução 0,15 M de acetato de cálcio. Dado: pKa do ácido acético = 4,74. Resposta: 9,11.

Há casos, porém, que precisamos considerar tanto a hidrólise ácida do cátion, quanto a ácida do ânion, como é o caso do cianeto de amônio. Nesse caso, podemos demonstrar que:

[H_{3}O^{+}]^{2} = \frac{Kw\times Ka}{Kb}, em que Ka é a constante ácida do HCN e Kb é a constante básica do NH_{3}.

Essa equação vale para os casos de ácidos do tipo ML, em que o Ka é a constante de ionização do ácido conjugado do ânions L^{-} e Kb é a base conjugada do cátion M^{+}

2.4. Cálculo do pH de soluções de sais de ácidos polipróticos. 

A base conjugada de um ácido poliprótico é anfiprótica, isto é, pode agir como ácido ou como base. Por exemplo, o carbonato sofre hidrólise ácida e básica, simultaneamente:

HCO_{3}^{-} + H_{2}O \rightleftharpoons CO_{3}^{2-} + H_{3}O^{+} K=Ka2
HCO_{3}^{-} + H_{2}O \rightleftharpoons H_{2}CO_{3} + OH^{-}  K=Kb1

O pH de uma solução do tipo é dado por:

pH = \frac{pKa1+pKa2}{2}, pois o bicarbonato é intermediário entre a primeira e a segunda ionização.

Se tivéssemos, por exemplo, uma solução de Na_{2}HPO_{4}, o pH seria dado por:

pH = \frac{pKa2+pKa3}{2}, pois o HPO_{4}^{-} é intermediário entre a 2° e a 3° ionização.

Se tivéssemos o ânion de um ácido poliprótico totalmente desprotonado, como o sulfato, o pH seria dado pela hidrólise básica desse ânion, tratado como base fraca. O pH seria calculado como já vimos anteriormente.

3. Composição e pH

Considere uma solução de ácido poliprótico com o pH fixo. Podemos encontrar as frações das várias espécies em solução em função da concentração de íons hidrônio e das constantes de ionização. Fazendo isso por meio do gráfico alfa.

Considere uma solução de ácido carbônico de molaridade total M. Temos que a concentração da espécie i é \alpha _{i}^{} \times M.

As diferentes frações são dadas por:

aula 3 imagem 3

O gráfico das concentrações das diferentes especies em solução (carbonato, bicarbonato e ácido carbônico) é da seguinte forma:

aula 3 imagem 4

Temos que a forma totalmente protonada predomina em pH<pKa1. A espécie anfiprótica  predomina em pKa1<pH<pKa2. A forma totalmente desprotonada predomina em pH data-recalc-dims=pKa2" />.

Cálculos semelhantes podem ser feitos para achar as concentrações de ácidos tripróticos em água, como é o caso do ácido fosfórico.

aula 3 imagem 5

O gráfico das concentrações em função do pH é:

aula 3 imagem 6

De modo análogo ao anterior, podemos prever em quais faixas de pH cada espécie predomina.

Nesta aula aprendemos a calcular o pH de soluções de ácidos polipróticos e de seus sais, assim como calcular as concentrações de suas diferentes espécies em um pH fixo. Aprendemos como calcular e prever o pH de soluções salinas pela acidez e basicidade relativa de seus íons.