Aula de Ivna Gomes
Introdução
A titulação é uma técnica analítica que visa a concentração desconhecida de uma solução por meio de uma reação cujo ponto final possa ser facilmente identificado. O princípio das reações pode ser diverso: uma precipitação, uma complexação ou uma reação ácido base. A identificação também pode ser feita de diferentes modos: analisando o potencial da solução, sua condutância, utilizando indicadores de adsorção ou de complexação. Nesta aula, no entanto, o foco são as titulações ácido-base, que utilizam indicadores ácido-base.
Técnica
As titulações envolvem a adição de uma solução de concentração conhecida, chamada titulante, colocada em uma bureta, a uma solução que contém a amostra a ser determinada, chamada analito, contida em um erlenmeyer. As duas soluções reagem estequiometricamente e, de posse do ponto estequiométrico, podemos calcular a concentração antes desconhecida da amostra.
Observe na figura abaixo o aparato de uma titulação:
Titulações ácido-base
Baseiam-se em uma reação ácido-base, onde, no ponto estequiométrico, todo o analito é neutralizado pelo titulante. Para titulações de ácidos com bases, temos:
Para titulações de bases com ácidos, temos:
O titulante pode ser uma base ou um ácido, que determinarão, respectivamente, um ácido e uma base na amostra.
Titulações ácido forte-base forte:
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Curvas de pH
Chamamos de curva de pH um gráfico do pH do analito em função do volume de titulante adicionado:
Quando um ácido forte reage com uma base forte, ocorre uma reação de neutralização, gerando sal e água. Vamos analisar o caso de uma titulação de com . A reação é a seguinte:
A curva de pH dessa titulação pode ser observada na figura abaixo. Inicialmente, o pH aumenta lentamente. Então, quando nos aproximamos do ponto estequiométrico, ocorre um aumento repentino do pH, passando pelo valor 7. Nessa faixa, o indicador ácido-base deve mudar de cor e a adição de titulante deve cessar. Entretanto, se continuarmos a titulação, veremos que o pH aumenta lentamente, em direção ao pH da base.
Usando um raciocínio análogo ao que utilizamos para a curva anterior, podemos compreender o formato da curva de uma titulação de NaOH com HCl.
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Cálculos de pH
No ponto estequiométrico das titulações ácido forte-base forte, temos que:
Assim, nesse caso, como as únicas espécies que influenciam no pH são esses dois íons, o no ponto estequiométrico. Mas e o pH antes e depois deste ponto, como podemos calcular?
Antes do ponto estequiométrico
Suponha que nosso analito é 25ml de uma solução de NaOH e o titulante é uma solução de HCl 0,340M. Sabendo que o ponto estequiométrico é atingido com adição de de 18,4ml de titulante, calcule o pH da solução original do analito e dessa solução após a adição de 5,00ml do titulante.
A concentração do analito pode ser obtida por:
Podemos calcular agora o pH da solução original do analito:
Para calcular o pH após a adição de 5ml de titulante, primeiro calculamos a quantidade de adicionada.
A quantidade de íons inicialmente presente é:
Como 1,70mmol de base foram neutralizados pelo ácido adicionado, sobrou de base .
A concentração dos íons hidroxila pode ser obtida dividindo o número de mols pelo volume total da solução:
Calculamos o pH da solução por:
Depois do ponto estequiométrico
Calcule o pH resultante da adição de 25ml do titulante à solução do analito.
Para calcular esse pH, devemos levar em conta apenas o excesso de titulante.
O número de mol de adicionado foi:
Desses, 6,25 mmol foram neutralizados pela base, restando
A concentração pode ser obtida dividindo-se o número de mols pelo volume total:
O procedimento utilizado acima pode ser empregado para o cálculo de qualquer ponto da curva de titulação, bastando saber se o ponto está antes ou depois do ponto estequiométrico.
Titulações ácido fraco-base forte ou base fraca-ácido forte
Nessas titulações, o ponto estequiométrico não ocorre em pH 7. Além disso, embora o pH mude repentinamente perto desse ponto, não o faz tão abruptamente quanto no caso das titulações ácido forte-base forte. O pH do ponto estequiométrico vai depender das propriedades do sal formado, devendo ser calculado de forma semelhante à que vimos na aula 3 desta seção. Quando o titulante é uma base forte e o analito um ácido fraco, o pH no ponto estequiométrico é menor que 7. No outro caso, é maior que 7.
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Curvas de pH
As curvas de pH possuem formatos semelhantes às de titulações ácido forte-base forte, como pode ser observado nas figuras:
Como dito anteriormente, a mudança de pH nas proximidades do ponto estequiométrico não é tão abrupta quanto nas titulações ácido forte-base forte. Isso pode ser observado nos comparativos abaixo:
A mudança lenta de pH em torno da metade do percurso nos indica que a solução age como um tampão. De fato, teremos parte do composto inicialmente presente no analito (um ácido fraco ou uma base fraca) e o sal derivado dele (uma base fraca ou um ácido fraco), constituindo uma solução tampão. Nesta região, o pH pode ser calculado pela equação de Henderson-Hasselbalch, utilizando os recursos da aula 4.
,
em que o pKa é o logaritmo negativo da constante ácida do analito (no caso de o analito ser um ácido fraco) ou da constante ácida do ácido conjugado do analito (no caso de o analito ser uma base fraca), e representam o par ácido-base conjugados.
Um ponto notável desta curva é o chamado halfway point, ou ponto da metade do caminho, quando adicionamos metade da quantidade de analito necessária para atingir o ponto estequiométrico. Nesse ponto, em especial, temos:
Assim, o pH do ponto da metade do caminho é:
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Cálculos de pH
O ponto estequiométrico dessas titulações é atingido quando adicionamos uma quantidade suficiente de titulante para neutralizar o analito. Neste caso, porém, são formados ânions básicos ou cátions ácidos que também influenciam no pH da solução.
Neste caso, é necessário aprender como calcular o pH antes do P.E, no P.E, e depois deste.
pH no ponto estequiométrico
Estime o pH no ponto estequiométrico de uma titulação de 25,00ml de uma solução de ácido fórmico com uma solução 0,150M de NaOH, sabendo que o volume de titulante requerido para atingir o P.E foi de 16,7ml. Dados:
A reação ocorrida é:
Primeiro, devemos calcular a quantidade inicial de ácido fórmico.
Sabemos que a quantidade de sal no ponto estequiométrico é igual a quantidade inicial de ácido fórmico, já que todo o analito foi neutralizado para gerar sal e água, segundo a reação química supracitada. No P.E temos:
O íon formato vai dominar o pH neste ponto. Para descobrir sua concentração, dividimos o número de mols pelo volume total da solução:
A partir dessa informação, podemos proceder um cálculo de pH de solução salina análogo ao apresentado na aula 3.
Assim, encontramos:
, que corresponde às nossas expectativas de pH>7 para esse tipo de titulação.
Treine: Calcule o pH no ponto estequiométrico da titulação de 25,00ml de uma solução aquosa de com uma solução 0,015M de , sabendo que o volume de titulante adicionado para alcançar o ponto estequiométrico foi 33,3mL. Dados: Para o , . Resposta: .
pH antes do ponto estequiométrico
Como dito anteriormente, na região que precede o ponto estequiométrico temos na solução um tampão que regula o pH. Para calcular o pH nesta região, devemos usar a equação de Henserson-Hasselbalch.
Calcule o pH da solução do analito da questão anterior quando foram adicionados apenas 5ml do titulante.
Temos:
Devemos então calcular a quantidade de formato formado e de ácido fórmico remanescentes e aplicar as concentrações à equação de H-H. Para isso, procedemos com uma tabela estequiométrica:
início | 2,50mmol | 0,750 mmol | 0 mmol | --- |
variação | -0,750mmol | -0,750mmol | +0,750mmol | --- |
equilíbrio | 1,75mmol | 0 mmol | 0,750mmol | --- |
As concentrações de formato e ácido fórmico podem ser obtidas dividindo-se seus números de mols pelo volume total da solução.
Aplicando os resultados obtidos à equação de H-H, obtemos:
Obtemos, assim:
Procedendo de modo análogo, podemos calcular o pH de qualquer ponto na faixa que precede o P.E, tanto para titulações ácido fraco-base forte, quanto para titulações base fraca-ácido forte.
pH após o ponto estequiométrico
Nesse caso, procedemos de modo análogo ao que fizemos nas titulações de ácido forte-base forte, calculando o pH apenas pelo excesso de titulante adicionado.
Titulações ácido fraco-base fraca
Nesse caso, o ponto estequiométrico é muito pouco claro, e quase sempre não é possível determiná-lo. Por esta razão, tais titulações não são estudadas a fundo.
Indicadores ácido-base
A forma mais comum de detectar o ponto final de uma titulação é usar indicadores ácido-base. Esses indicadores são corantes solúveis em água, cuja cor depende do pH do meio. A mudança rápida de pH ocorrida na região do P.E faz com que o indicador mude de cor e indique o fim da titulação. Essa mudança ocorre porque o indicador é um ácido fraco que tem uma for na forma protonada, , e uma cor na forma desprotonada, . Entre essas formas existem diferenças estruturais que fazem com que a cor emitida seja diferente. Por exemplo, podemos observar a diferença estrutural entre as duas formas da fenolftaleína:
Como o indicador é um ácido fraco, participa de um equilíbrio em água como segue:
O ponto final deste indicador ocorre quando:
, portanto, quando , em que K_{In} é a constante ácida do indicador. A cor de uma forma predomina sobre a outra quando as concentrações diferem por aproximadamente 10 vezes. Assim, a cor começa a mudar perceptivelmente quando e se completa efetivamente quando .
Podemos concluir que o ponto final é propriedade do indicador, enquanto o ponto estequiométrico é propriedade das soluções e da reação que ocorre entre elas. É importante escolher um indicador que mude de cor próximo ao ponto estequiométrico da titulação, como mostra a figura abaixo:
Na prática, o deve estar ma faixa de .
Segue uma tabela com as faixas de viragem e as cores de diferentes indicadores ácido-base:
Titulações de ácidos polipróticos
Neste último tópico, vamos analisar as titulações de ácidos polipróticos com bases fortes. Estas são muito semelhantes à de um ácido monoprótico, exceto que existem tantos pontos estequiométricos quanto o número de hidrogênios ionizáveis.
Suponha a titulação de uma solução de ácido fosfórico com NaOH. A curva de pH tem o formato que segue:
Podemos observar que existem 3 pontos estequiométricos, assim como existem 3 prótons ionizáveis. Antes do primeiro ponto estequiométrico, o NaOH reage com todo o para formar , e as reações sucessivas ocorrem até todos os hidrogênios ionizáveis serem neutralizados.
(antes do 1º P.E)
(entre o 1º e o segundo P.E)
(entre o 2º e o 3º P.E)
Entre os pontos, podemos identificar regiões tampão análogas às regiões tampão das titulações de ácidos monopróticos. Aqui também valem as considerações feitas sobre o halfway point, bastando apenas atentar se o equilíbrio é quantificado pela 1ª, 2ª ou 3ª constante de ionização.
Aqui, porém, merece atenção especial o cálculo do pH nos pontos estequiométricos. Neles, a espécie que domina o pH é um ânion anfiprótico: o no primeiro P.E e no no segundo P.E. Assim, o pH deve ser calculado como explicado na seção 2.4 da aula 3. No terceiro P.E, como podemos observar pela curva de pH, a mudança de pH é muito pouco clara, e, portanto, ele não é detectado por titulações.
Para calcular o pH nas regiões de tampão, precisamos atentar para qual o par ácido/base conjugados e aplicar um procedimento análogo ao aplicado no cálculo do pH antes do ponto estequiométrico das titulações de ácidos fracos monopróticos. Os pares que dominam em cada região podem ser observados na curva de pH acima. Note que é preciso usar duas vezes mais base para atingir o segundo P.E do que para atingir o primeiro e três vezes mais para atingir o terceiro P.E.
A curva de pH abaixo se refere à titulação do ácido oxálico, . Podemos observar também que existem 2 pontos estequiométricos, já que a titulação é de um ácido diprótico. Note também que é preciso usar duas vezes mais base para atingir o segundo P.E do que para atingir o primeiro.
Assim, podemos prever o pH de qualquer ponto da titulação de um ácido poliprótico, atentando para a estequiometria da titulação e identificando corretamente em qual estágio nos encontramos. Devemos, portanto, identificar quais espécies dominam o pH e utilizar os procedimentos adequados.