Aula 2.5 - Segunda Lei da Termodinâmica

Escrita por Antônio Ítalo

Na aula 2.4, estudamos a chamada primeira lei da termodinâmica, que enuncia o princípio da conservação de energia. Nessa aula, estudaremos a chamada segunda lei da termodinâmica que possui diversos enunciados e que de certa forma adiciona uma "seta" para o tempo. Vejamos a seguir os chamados enunciados de Kelvin e Clausius.

Enunciado de Kelvin

É impossível realizar um processo cujo único efeito no universo seja remover energia de um reservatório térmico por meio de calor e produzir uma quantidade equivalente de trabalho.

É importante ressaltar a parte do único efeito. Seria possível, por exemplo, através de uma expansão isotérmica de um gás ideal converter integralmente calor em trabalho, contudo, esse não seria o único efeito desse processo, que também mudaria o volume e a pressão do gás utilizado na expansão, ou seja, o enunciado de Kelvin proíbe um processo cuja a única alteração causada no universo seja a conversão do calor liberado pelo reservatório térmico em trabalho. A partir desse enunciado, é possível mostrar por absurdo que uma série de processos é irreversível, desde o aquecimento por atrito até a expansão livre de um gás ideal. Um outro processo irreversível é a condução térmica, que é o principal ponto no enunciado de Clausius.

Enunciado de Clausius

É impossível realizar um processo cujo único efeito no universo seja transferir energia por meio de calor de um corpo mais frio para um corpo mais quente.

Novamente a parte do único efeito deve ser ressaltada, pois um refrigerador por exemplo faz exatamente isso: Transfere energia de um corpo mais frio para um corpo mais quente, entretanto, ele necessita receber uma certa quantidade de trabalho para realizar esse processo, o que mostra sua obediência ao enunciado de Clausius da segunda lei da termodinâmica. A seguir, mostraremos que os dois enunciados são equivalentes.

Equivalência dos enunciados

Primeiramente, devemos mostrar que o Enunciado de Kelvin implica o enunciado de Clausius e, em seguida, faremos o contrário. Primeiramente, apresentarei alguns conceitos de Máquinas térmicas, refrigeradores e motores:

Motores

Um motor é uma máquina térmica que recebe energia por meio de calor e libera essa energia tanto na forma de calor quanto na forma de trabalho, um exemplo de motor é mostrado no exercício avançado dos problemas da semana 85, veja a seguir o diagrama desse motor:

Podemos perceber que esse motor recebe calor na isobárica AB e na isotérmica BC, enquanto libera calor na isocórica CD e na isobárica DE (O ciclo ocorre no sentido horário. Note que EA é uma adiabática portanto nem libera nem absorve calor. O rendimento de um motor é definido por:

\eta=\dfrac{W}{Q_{rec}}

Ou seja, é o que queremos (trabalho) dividido pelo que fornecemos (Calor), poderíamos usar a primeira lei da termodinâmica para reescrever isso como:

\eta=1+\dfrac{Q_{ced}}{Q_{rec}}

Onde Q_{ced} é convencionado a ter sinal negativo. Note que isso foi obtido via:

Q=W+\Delta U

Como U é função de estado e temos um ciclo:

Q=Q_{rec}+Q_{ced}=W

Após as provas da equivalência entre os enunciados de Clausius e Kelvin, analisaremos um motor em específico. Note que em um motor devemos ter um trabalho positivo, pois queremos que o gás realize trabalho, ou seja, o ciclo deve ocorrer no sentido Horário.

Refrigeradores

Em resumo, poderíamos afirmar que um refrigerador é um motor rodando no sentido inverso, ou seja, ele receberá um trabalho externo e, em compensação, cederá calor para uma localização e receberá calor de outra, o ar-condicionado e a geladeira são exemplos de refrigeradores. Uma grande diferença dos refrigeradores é que no seu caso será mais útil trabalhar com uma grandeza denominada eficiência, que é dada por:

e=\dfrac{Q_{rec}}{-W}

Ou seja, é o que queremos, que ele receba calor de uma localização, para resfriá-la , dividido pelo que fornecemos para que ele realize isso: O trabalho fornecido ao sistema, que é -W convencional, pois assumimos que W é positivo quando realizado pelo nosso sistema. Pela primeira lei da termodinâmica temos então:

e=-\dfrac{Q_{rec}}{Q_{rec}+Q_{ced}}

Agora que sabemos o básico sobre refrigeradores e motores, podemos provar a equivalência dos dois enunciados apresentados até aqui da segunda lei da termodinâmica.

O enunciado de Clausius implica o enunciado de Kelvin

Para provar isso devemos mostrar que se o enunciado de Kelvin fosse violado o de Clausius também seria, sendo assim, suponhamos um motor K capaz de violar o enunciado de Kelvin, convertendo todo o calor que recebe em trabalho, podemos realizar o seguinte arranjo com um refrigerador R comum:

Note que T_{f}<T_{Q}

Na prática, o que essa associação faz é retirar energia Q_{f}=Q_{Q}-Q'_{Q} do reservatório térmico à temperatura T_{f} e entregá-la ao reservatório à temperatura T_{Q}. Sendo esse o único efeito, já que não há nenhuma interação com algo externo por exemplo teríamos um violador do enunciado de Clausius. Ou seja, se o enunciado de Clausius é verdade o enunciado de Kelvin necessariamente também é verdade.

O enunciado de Kelvin implica o enunciado de Clausius

Para provar isso devemos mostrar que se o enunciado de Clausius fosse violado o de Kelvin também seria, sendo assim, suponhamos um refrigerador C capaz de violar o enunciado de Clausius associado com um motor M comum:

Novamente temos T_{f}<T_{Q}

Analisemos o caso especial em que nosso violador de Clausius é ajustado de tal forma que Q_{f}=Q'_{f}, claro, temos também Q_{Q}=Q_{f}

Na prática, essa configuração simplesmente retira energia Q'_{Q}-Q_{Q} do reservatório térmico à temperatura T_{Q} e fornece isso em forma de trabalho, violando o enunciado de Kelvin da segunda lei da termodinâmica. Sendo assim, provamos que se o enunciado de Kelvin é verdade, então o enunciado de Clausius deve necessariamente ser verdade também. Demonstramos então a completa equivalência entre os dois enunciados.

Ciclo de Carnot

Devemos estudar agora um dos ciclos mais cobrados em provas de olimpíadas e vestibulares. Esse ciclo (no caso de um motor) é composto conforme as etapas a seguir:

  1. Uma expansão isotérmica AB à uma temperatura T_{Q}
  2. Uma expansão adiabática BC
  3. Uma compressão isoterma CD à uma temperatura T_{F}<T_{Q}
  4. Uma compressão adiabática DA fechando o ciclo.

Calcularemos agora o rendimento desse motor. Sabemos que o motor absorverá calor somente na etapa 1, dado por:

Q_{rec}=nRT_{Q}ln\left(\dfrac{V_{B}}{V_{A}} \right)

Calculemos agora o calor cedido pelo motor na etapa CD:

Q_{ced}=nRT_{F}ln \left( \dfrac{V_{D}}{V_{C}} \right)

Note que sempre utilizamos a convenção de que Q data-recalc-dims=0" /> se recebido pelo nosso sistema. Sendo assim, o rendimento é dado por:

\eta=1+\dfrac{Q_{ced}}{Q_{rec}}

\eta=1+\dfrac{T_{F}}{T_{Q}} \dfrac{ln \left( \dfrac{V_{D}}{V_{C}} \right)}{ln \left( \dfrac{V_{B}}{V_{A}} \right)}

Devemos então achar uma relação entre V_{A}, V_{B}, V_{C} e V_{D}. Faremos isso a partir da equação da adiabática e da isoterma:

P_{A}V_{A}^{\gamma}=P_{D}V_{D}^{\gamma}

P_{C}V_{C}^{\gamma}=P_{B}V_{B}^{\gamma}

P_{A}V_{A}=P_{B}V_{B}

P_{C}V_{C}=P_{D}V_{D}

Sendo assim, temos, ao dividir a primeira pela terceira e a segunda pela quarta:

V_{A}^{\gamma-1}=\dfrac{P_{D}}{P_{B}}V_{D}^{\gamma}V_{B}^{-1}

V_{C}^{\gamma-1}=\dfrac{P_{B}}{P_{D}}V_{B}^{\gamma}V_{D}^{-1}

Multiplicando então às duas equações:

\left( V_{A}V_{C} \right) ^{\gamma-1}=\left( V_{D}V_{B} \right) ^{\gamma-1}

Logo:

\dfrac{V_{D}}{V_{C}}=\dfrac{V_{A}}{V_{B}}

Sendo assim:

ln \left( \dfrac{V_{D}}{V_{C}} \right)=-ln \left( \dfrac{V_{B}}{V_{A}} \right)

Temos então:

\eta=1-\dfrac{T_{F}}{T_{Q}}

Note então que para haver um rendimento de 100% seria necessária T_{F}=0 K, o que seria então impossível de se atingir. Analogamente, poderia-se chegar que a eficiência de um refrigerador de Carnot é dada por:

e=\dfrac{T_{F}}{T_{Q}-T_{F}}

O chamado Teorema de Carnot afirma que toda máquina térmica que atua entre duas temperaturas tem rendimento menor ou igual ao rendimento de Carnot entre essas mesmas duas temperaturas. Esse teorema pode ser provado de maneira semelhante à equivalência entre os enunciados de Kelvin e Clausius da segunda lei da Termodinâmica e será deixado como exercício para o leitor.

Entropia e a desigualdade de Clausius

O conteúdo abordado a partir daqui é mais avançado e requer um certo conhecimento de cálculo.

Talvez esteja se perguntando o porquê do ciclo de Carnot ser tão importante no contexto da segunda lei da Termodinâmica. O principal motivo para isso tem relação com a desigualdade de Clausius e o conceito de entropia. Ao provar o rendimento do ciclo de Carnot nós demonstramos que, para esse ciclo, temos:

\dfrac{Q_{Q}}{T_{Q}}+\dfrac{Q_{F}}{T_{F}}=0

Onde passamos agora à utilizar Q_{Q} e Q_{F} ao invés de Q_{rec} e Q_{ced}. Acontece que existe um resultado mais geral que esse denominado de desigualdade de Clausius. Para um ciclo qualquer que possa ser dividido em diversas etapas à temperatura constante, temos que:

\sum \dfrac{Q_{i}}{T_{i}}\leq 0

Se tivermos um processo contínuo, devemos trocar o somatório por uma integral:

{\displaystyle \oint \dfrac{d'Q}{T}}\leq 0

Lembrando que d'Q se refere simplesmente à uma quantidade infinitesimal de calor, por isso o '. Para processos reversíveis, recaímos num caso particular igual ao do ciclo de Carnot:

{\displaystyle \oint \dfrac{d'Q_{rev}}{T}} = 0

Isso significa que podemos associar uma função de estado S que chamaremos de entropia tal que:

S_{B}-S_{A}={\displaystyle \int \limits_{A}^{B} \dfrac{d'Q_{rev}}{T}}

Note que a variação de entropia entre dois pontos independe do caminho, sendo assim, tomemos um ciclo composto de duas etapas de formato qualquer, uma reversível, de B para A e outra irreversível, de A para B. A desigualdade de Clausius afirma então que:

{\displaystyle \int \limits_{A}^{B} \dfrac{d'Q}{T}} + {\displaystyle \int \limits_{B}^{A} \dfrac{d'Q_{rev}}{T}}\leq 0

Logo, temos:

{\displaystyle \int \limits_{A}^{B} \dfrac{d'Q}{T}}\leq{\displaystyle \int \limits_{A}^{B} \dfrac{d'Q_{rev}}{T}}

O que implica:

dS=\dfrac{d'Q_{rev}}{T}\geq\dfrac{d'Q}{T}

Ou seja:

dS\geq \dfrac{d'Q}{T}

Note que isso vale para qualquer processo, pois S é função de estado. Para um sistema isolado, o universo, por exemplo, vale então:

dS \geq 0

Que é uma outra possibilidade para enunciar a segunda lei da termodinâmica e afirma que a entropia de um sistema fechado nunca diminui.

A seguir, verificaremos a segunda lei da termodinâmica ao calcular a variação de entropia em alguns processos.

Expansão Livre

Um mol de um gás ideal está contido em um recipiente de volume V_{0} que possui uma parede o ligando até outro recipiente igual de mesmo volume e vazio. Em um instante, a parede é removida e o gás passa a ocupar um volume 2V_{0}. Determine:

a) A variação de entropia do gás nesse processo

b) A variação de entropia da vizinhança nesse processo

c) A variação de entropia do universo (gás + vizinhança) nesse processo.

Solução:

a) Sabemos que o estado inicial do gás e o estado final estão à uma mesma temperatura (Ver aula de primeira lei da termodinâmica). Como a entropia é uma função de estado, ou seja, não depende do caminho que o gás faz entre os estados inicial e final. Sendo assim, a variação de entropia será a mesma de um gás se expandindo em uma isotérmica reversível do volume V_{0} até 2V_{0}, dado por:

\Delta S_{gas}={\displaystyle \int \limits_{V_{0}}^{2V_{0}}\dfrac{d'Q_{rev}}{T}}

\Delta S_{gas}={\displaystyle \int \limits_{V_{0}}^{2V_{0}}\dfrac{\frac{RT}{V}dV}{T}}

\Delta S_{gas}=R \ln 2

b) A vizinhança simplesmente não muda de estado pois não interage com nosso gás, logo, temos:

\Delta S_{viz}=0

c) A entropia é aditiva, ou seja:

S_{univ}=S_{gas}+S_{viz}

Logo:

\Delta S_{univ}=Rln2

Note que ln 2 data-recalc-dims=0" />, logo, a segunda lei da Termodinâmica é verificada.

Corpos em contato

Dois corpos de massas iguais a m e calor específico igual a c estão à duas temperaturas diferentes T_{1} e T_{2}, colocados em contato térmico, entrarão em equilíbrio. Encontre a variação de entropia do sistema nesse processo. Verifique a segunda lei da termodinâmica.

Solução:

Calculemos primeiro a variação de entropia do corpo que está a temperatura T_{1}, consideraremos um processo reversível em que a temperatura varia gradualmente, mas mesmo que não ocorresse dessa forma a resposta seria a mesma pois S é uma função de estado. Antes, lembre-se que:

T_{f}=\dfrac{T_{1}+T_{2}}{2}

Note que:

d'Q_{rev}=mc\,dT

Logo:

\Delta S_{1}={\displaystyle \int \limits_{T_{1}}^{T_{f}} \dfrac{mc\,dT}{T}}

Integrando, temos:

\Delta S_{1}=mc \ln \left( \dfrac{T_{f}}{T_{1}} \right)

Analogamente:

\Delta S_{2}=mc \ln \left( \dfrac{T_{f}}{T_{2}}\right)

Somando e usando uma propriedade dos logaritmos, temos:

\Delta S=mc\ln \left( \dfrac{T_{f}^{2}}{T_{1}T_{2}}\right)

\Delta S=\dfrac{mc}{2}\ln \left( \dfrac{T_{1}+T_{2}}{2\sqrt{T_{1}T_{2}}} \right)

Para \Delta S ser maior que zero, devemos ter então:

\dfrac{T_{1}+T_{2}}{2}\geq \sqrt{T_{1}T_{2}}

Que é a desigualdade das médias M.A. \geq M.G. para dois termos.

Tipos de problemas

Nesta aula vimos diversos conceitos que envolvem muitas aplicações na termodinâmica. No entanto, para a utilização destes conceitos é necessário, muitas vezes, o uso de técnicas matemáticas fora do escopo do Ensino Médio. Por conta disso, esses conceitos são muito pouco cobrados na OBF, mas , por conta da grande importância teórica destes, elencaremos os problemas mais comuns. Você pode praticar com os exercícios da lista.

1- Cálculo de eficiências de máquinas térmicas/refrigeradores

Como vimos, máquinas térmicas são ciclos que envolvem a produção de trabalho utilizando-se de energia térmica(calor). Pela segunda lei, a eficiência destes processos é limitada, logo é interessante saber o quão bem essas máquinas funcionam. Para este tipo de problema, além de recorrermos às fórmulas padrão de transformações e a primeira lei da termodinâmica, utilizaremos uma das expressões à seguir:

\eta=\dfrac{W}{Q_{rec}}

\eta=1+\dfrac{Q_{ced}}{Q_{rec}}

2- Problemas de maximização

Muitas vezes nos interessa saber qual a temperatura máxima que um sistema pode atingir. Nesse caso utilizaremos a ideia de entropia e, para a maximização, iremos minimizar a entropia. Ou seja, utilizaremos:

dS=0

 

3- Problemas envolvendo a espontaneidade de um processo

A segunda lei nos permite afirmar se um certo processo acontece de forma espontânea ou não. Por exemplo, a expansão livre é um processo espontâneo, pois maximiza a entropia. A passagem de calor de um corpo mais frio para um mais quente não é espontânea, pois a variação de entropia do universo diminuiria.