Por Alexandre Lima
Inicio esta aula de Radioatividade do Curso Noic de Físico-Química questionando a aula anterior - talvez você deseje revisitá-la neste momento. Sabemos, sobre fissão e fusão nucleares, que a primeira é um processo de partição de um nuclídeo em nuclídeos menores - tecnicamente, menos massivos - , enquanto a segunda consiste em um fenômeno de conversão de alguns nuclídeos em outro nuclídeo mais massivo, e que ambas as reações são intensamente exotérmicas, fato que é de grande valia para as usinas nucleares.
O questionamento é o seguinte: ao afirmar que fissões nucleares são exotérmicas e fusões nucleares também são exotérmicas, não se estaria sugerindo que uma reação nuclear poderia ocorrer espontaneamente nos dois sentidos? (OBS: perceba que estou sugerindo que uma reação nuclear exotérmica será termodinamicamente espontânea, pois as variações de entropia associadas a um fenômeno nuclear são desprezíveis diante das variações correspondentes de entalpia)
Assim, isto seria exotérmico:
E isto, segundo nossa premissa, também seria. Você já deve ter identificado um paradoxo aqui.
De fato, essa teria sido uma interpretação errada do caráter exotérmico de fissões e fusões nucleares. Para corrigir o aparente problema, é relevante ressaltar:
- Se a fusão nuclear de e é verificada como um fenômeno exotérmico, a "fissão nuclear" correspondente simplesmente não ocorre. Isso não significa que não seja possível produzir e a partir de por alguma rota, e sim que o fenômeno estritamente reverso é inconcebível. Uma verdade importante que não costuma ser explicitada é que reações nucleares não são reversíveis.
- Alguns nuclídeos tendem a sofrer fissão e outros tendem a sofrer fusão. Tais tendências podem ser racionalizadas pela percepção de que núcleos atômicos têm diferentes valores energéticos associados a si - e, conforme estudamos na aula 1, é justamente essa diferença que justifica a existência de decaimentos radioativos. Convém, portanto, definir formalmente o conceito de energia de um núcleo.
E é exatamente esse o objetivo desta aula.
A estabilidade de um núcleo, conforme vimos na aula 1, é desfavorecida pelas forças eletrostáticas repulsivas e favorecida pelas chamadas forças nucleares - em núcleos estáveis, estas sobrepujam aquelas em magnitude. Portanto, tomemos o processo de afastamento de todos os prótons e todos os nêutrons de um núcleo por uma distância infinita e denominemos a energia associada a esse fenômeno - note que, tratando-se de um núcleo estável, é esperado que tenha valor positivo.
A Energia de Ligação do referido núcleo é definida pela seguinte expressão, na qual representa o número de massa - também chamado número de núcleons - do nuclídeo.
=
Quanto maior for o valor de energia de ligação, definido acima, mais estável será o nuclídeo em questão.
Plotando-se um gráfico de por - isto é, energia de ligação por número de massa -, é possível constatar alguns fatos.
Em primeiro lugar, observe que o gráfico tem um ponto de máximo, o qual corresponde ao , cuja energia de ligação é similar às energias de ligação de núcleos de Níquel e Cobalto. Note que, aquém ou além de , o valor da energia de ligação nuclear diminui.
Logo,
- Núcleos atômicos mais massivos do que o de Ferro 56 possuem maior tendência a sofrer fissão nuclear, de modo a, assim, produzir núcleos leves e mais estáveis.
- Núcleos menos massivos do que o de Ferro 56 tendem a preferir a fusão nuclear à fusão nuclear, produzindo nuclídeos massivos de maior energia de ligação
O gráfico também sugere a razão de a fusão nuclear, envolver a emissão de um montante energético muito maior do que o emitido pela fissão nuclear. Note que a lacuna entre o Hidrogênio e o Hélio é muito mais apreciável do que aquela entre o Ferro e o Urânio..
Como calcular a energia de ligação nuclear?
O método que nos interessa para a obtenção dos valores de envolve a célebre equação de Einstein:
Convém observar que essa relação não afirma que a massa "se converte" em energia: de fato, verifica-se que massa e energia variam proporcionalmente, o que significa, do ponto de vista da teoria, que a energia tem massa.
Neste caso, estamos especificamente interessados no seguinte corolário da equação de Einstein:
(1)
Você se lembra de quando separamos os prótons e nêutrons de um núcleo e concluímos que esse processo deveria ser endotérmico? Isso significa, de acordo com a equação de Einstein, que a soma das massas dos prótons e dos nêutrons isolados supera a massa do núcleo atômico propriamente dito.
Essa diferença entre os dois valores de massa é chamado "defeito de massa". Perceba, portanto, que uma maneira de calcular é usar a equação 1 de posse do valor do defeito de massa e dividir a energia calculada pelo número de massa, .
Trabalhemos, por fim, um exemplo.
A massa de um próton isolado vale 1,007825 u e a massa de um nêutron isolado vale 1,008665 u.
Sabendo que a massa de um núcleo vale 2,014102 u, calcule a energia de ligação nuclear do Deutério em
Tomemos a formação de um mol de Deutério.
Assim, usando a equação (1),
Então, obtém-se a partir de . Este passo é frequentemente esquecido por estudantes que não se recordam com precisão da matéria.
Realmente, alguns textos até definem duas energias de ligação nucleares - uma geral e uma "específica", sendo esta igual ao valor da divisão daquela pelo número de massa do nuclídeo. A definição que usamos nesta aula, de qualquer forma, é a que se espera de um aluno olímpico - inclusive, se aquele gráfico tivesse sido baseado em em vez de , sua curva deveria ser estritamente crescente.
Pronto. Essa é a matéria de energia de ligação nuclear. 🙂
Com isso, concluímos o Curso de Radioatividade. Doravante, um bom treinamento neste assunto poderia incluir a resolução de questões do ITA e do IME de radioatividade, além de questões da Olimpíada Americana de Química - USNCO - e, definitivamente, questões da própria Olimpíada Brasileira de Química
Recomendo também a leitura do nosso Apêndice de Radioatividade. Bons estudos!