Razão Sinal Ruído

Por Fabrizio M. Ferro

Os CCDs (Charge Coupled Device) possuem amplas aplicações na Astrofísica Observacional. Por sua alta eficiência quântica (habilidade de converter fótons incidentes em elétrons) e fácil utilização, Os CCDs são os detectores mais usados em pesquisa e na astronomia amadora. A relação entre o sinal recebido pelo detector e o ruído causadas por diversas fontes—expressa pela razão sinal ruído—é fundamental na coleta de dados fotométricos. Ruídos são inevitáveis, e geralmente são a maior limitação na performance de detecção.

1 Distribuição de Poisson

A distribuição de Poisson descreve resultados de experimentos em que a contagem de eventos ocorre de forma aleatória, mas com uma taxa média definida. Exemplos de eventos que podem ser modelados por essa distribuição são: O número nascimentos em um hospital em um período de alguns dias; a contagem de decaimentos de uma amostra radioativa; o número de raios cósmicos incidindo em uma dada área em um intervalo tempo e o número de fótons incidindo em um detector em um intervalo de tempo.

Pela simplicidade, vamos supor que seja fornecido um material radioativo e que seja usado um detector para contar o número \nu de partículas ejetadas em um intervalo de 1 minuto. Se o experimento for repetido, o valor de \nu provavelmente será diferente. Essa variação de \nu é consequência da característica intrínseca aleatória do processo considerado, e não do processo de contagem.

A probabilidade de \nu contagens em qualquer intervalo de tempo é representada por {P}_{\mu}(\nu). E é dada por:

{{P}_{\mu}(\nu)={e}^{-\mu}\frac{{\mu}^{\nu}}{\nu !}}       (1)

A equação (1) é a Distribuição de Poisson, e o parâmetro \mu=\bar{\nu} é o número esperado de contagens no intervalo de tempo considerado.

Nesse caso , desvio padrão {\sigma}_{\nu} de (1) será simplesmente:

{{\sigma}_{\nu}=\sqrt{\mu}}       (2)

Esse resultado é de extrema utilidade, e justifica o uso da raiz quadrada da taxa média de contagens como o desvio padrão das contagens. Se por exemplo, em média 64 partículas alfa sejam emitidas por um material radioativo em um intervalo de tempo, é esperado que o número de partículas detectadas flutue em \pm\ \sqrt{64}=\pm\ 8

2 Sinal

De forma geral, o Sinal S é o número de fótons detectados de uma fonte que se pretende analisar (e.g estrela). A eficiência quântica típica de um CCD é de 5090\% e depende do comprimento de onda do fóton. Isso significa que se {N}_{s} fótons da fonte incidirem no detector, talvez apenas 0.7\times {N}_{s} elétrons sejam emitidos. Nesse exemplo, S seria os 0.7\times {N}_{s} elétrons.

O Sinal total S depende do número de elétrons detectados por segundo {\eta}_{s} (emitidos pelos fótons provenientes da fonte) e do tempo de exposição total T.

{S={\eta}_{s} T}       (3)

Os raios cósmicos podem produzir pontos e traços brilhantes nas imagens do CCD. A maioria é limitada a alguns pixeis e de fácil identificação (ver figura 1). Uma exposição curta típica possui alguns traços de raios cósmicos.

É mais conveniente dividir o tempo total T em várias exposições curtas de tempo {t}_{e}. As imagens podem ser posteriormente limpas de raios cósmicos, e adicionadas em um computador.

 

Figura 1: Corte de 556×463 pixels mostrando a imagem original (esquerda) com raios cósmicos, e a imagem após remoção artificial dos raios cósmicos (direita). (Figura adaptada de Desai [1].)

 

No caso de {n}_{e} curtas exposições de mesmo tempo {t}_{e}, o tempo Total T usado na equação (3) será:

T={t}_{e}{n}_{e}

3 Ruído

Existem vários tipos de ruídos que podem ser considerados no imageamento fotométrico, mas os de maior importância são:

  • O Ruído do Objeto, causado pela flutuação da contagem de elétrons do objeto alvo.
  • O Ruído do Céu ou de Fundo, causado pela flutuação da contagem de elétrons do céu.
  • O Ruído Térmico, causado pela radiação térmica do próprio detector.
  • O Ruído de Leitura, causado pelos componentes eletrônicos do equipamento.

Vamos avaliar cada um individualmente.

3.1 Ruído do Objeto

O número de fótons do objeto que incidem no CCD varia aleatoriamente de acordo com a Distribuição de Poisson, consequentemente, o Ruído do Objeto {R}_{ob} será o tamanho dessas variações. Utilizando a equação (3) e o resultado (2), Temos:

{R}_{ob}=\sqrt{S}

{R}_{ob}=\sqrt{{\eta}_{s} T}

3.2 Ruído do Céu

A fonte alvo de observações geralmente será superimposta sobre um sinal do céu devido a fontes de luz terrestres, luz estelar espalhada, emissão galáctica difusa, luz zodiacal, CMB, etc. Assim como o objeto, o número de fótons do céu está sujeito a variações aleatórias. O Ruído do Céu causado por essas variações será:

{R}_{sky}=\sqrt{{S}_{sky}}

{R}_{sky}=\sqrt{{\eta}_{sky} T}

Onde {S}_{sky} é o sinal provindo do céu e {\eta}_{sky} é o número de elétrons detectados por segundo (emitidos pelos fótons provenientes do céu).

3.3 Ruído Térmico

Qualquer material com uma temperatura razoavelmente acima do zero absoluto produzirá Ruído Térmico. Para o silício nos CCDs, se a agitação térmica for elevada o suficiente, os elétrons da camada de valência serão liberados e coletados no potencial do pixel (também conhecido como “dark current”). Na leitura do sinal, esses elétrons serão indistinguíveis de fótons astronômicos.

As câmeras CCDs astronômicas geralmente são resfriadas com nitrogênio líquido, fato que remove a maior parte da “dark current”. A temperatura do equipamento deve se manter constante para obter dados consistentes. Uma forma de medir a “dark current” é fazer exposições com o obturador fechado.

O número desses elétrons também segue a Distribuição de Poisson. Portanto, o Ruído Térmico será:

{R}_{dark}=\sqrt{{S}_{dark}}

{R}_{dark}=\sqrt{{\eta}_{dark} T}

Onde {S}_{dark} é o sinal provindo da “dark current” e {\eta}_{dark} é o número de elétrons detectados por segundo (provenientes da “dark current”).

3.4 Ruído de Leitura

Os componentes eletrônicos do CCD não medem perfeitamente a quantidade de carga em cada pacote de elétrons, adicionando um pouco de ruído ao realizar o processo de medição.

Sendo {R}_{pr} o Ruído de Leitura por leitura por pixel, {n}_{pix} o número de pixels e {n}_{read} o número de leituras. O Ruído de Leitura Total será:

{R}_{readout}=\sqrt{{R}_{pr}^2{n}_{pix}{n}_{read}}

O parâmetro {R}_{pr} foi elevado ao quadrado para ser o sinal de leitura por leitura por pixel.
Note que esse ruído pode ser ignorado para longas exposições.

3.5 Ruído Total

Ruídos aleatórios e não correlacionados somam em quadratura. Portanto, a fórmula do Ruído Total é:

{R=\sqrt{{R}_{ob}^2+{R}_{sky}^2+{R}_{dark}^2+{R}_{readout}^2}}       (4)

Expandindo os termos:

{R=\sqrt{{\eta}_{s} T+{\eta}_{sky} T+{\eta}_{dark} T+{R}_{readout}^2}}       (5)

4 Razão Sinal Ruído

Finalmente chegamos a parte mais importante dessa discussão, a Razão Sinal Ruído (S/R). Dividindo (3) por (5) obtemos:

{\frac{S}{R}=\frac{{\eta}_{s} T}{\sqrt{{\eta}_{s} T+{\eta}_{sky} T+{\eta}_{dark} T+{R}_{readout}^2}}}       (6)

A equação (6) é muitas vezes citada como A Equação do CCD, e possui diversas versões. De forma geral, S/R mede a qualidade da observação de um objeto.

Como R é a flutuação na medição, ({S/R})^{-1} será o erro relativo na medição. A maioria das pesquisas requer um S/R de pelo menos 10 (erro relativo de 10\%) e preferencialmente 100 (erro relativo de 1\%).

Se {\eta}_{s} T+{\eta}_{sky} T+{\eta}_{dark} T\gg {R}_{readout}^2, obtemos:

\frac{S}{R}=\frac{{\eta}_{s} T}{\sqrt{{\eta}_{s} T+{\eta}_{sky} T+{\eta}_{dark} T}}

\frac{S}{R}=\frac{{\eta}_{s}}{\sqrt{{\eta}_{s} +{\eta}_{sky} +{\eta}_{dark}}}\times\sqrt{T}

 

Figura 2: Integrações crescentes de 1, 10, 100 e 1000 segundos de uma galáxia. [Cortesia de A.M. Magalhães (IAG).]

 

\frac{S}{R}\propto \sqrt{T}

Logo, a Razão Sinal Ruído e consequentemente a qualidade da observação aumentam com a raiz quadrada do tempo total de exposição (ver figura 2).

Se um realizar curtas exposições de uma fonte fraca com um CCD barato, a maior fonte de ruído será o ruído de leitura do amplificador do CCD e S/R aumentará quase linearmente.

Questões Recomendadas

  • IOAA 2017, Theoretical Examination, T10
  • Terceiro Treinamento 2019, Análise de Dados
  • Problemas da Semana, 47, Avançado
  • IOAA 2018, Theoretical Examination, T9

Referências

[1] S. Desai et al. Detection and removal of artifacts in astronomical images. arXiv [astro-ph.IM], 2016.

[2] S.B. Howell. Handbook of CCD Astronomy. Cambridge University Press, 2nd edition, 2006.

[3] H. Karttunen. Fundamental Astronomy. Springer, 6th edition, 2017.

[4] C.R. Kitchin. Astrophysical Techniques. CRC Press, 6th edition, 2013.

[5] S. Léna et al. Observational Astrophysics. Springer, 3rd edition, 2012.

[6] J.R. Taylor. An Introduction to Error Analysis. University Science Books, 2nd edition, 1997.

[7] A.E. Roy and D. Clarke. Astronomy Principles and Practice. CRC Press, 4th edition, 2003.