Dinâmica Relativística

Por Fabrizio Ferro

Existem poucas interações físicas mais simples do que a colisão. Seja a colisão de dois carros, duas bolinhas de gude ou duas partículas elementares, a simplicidade das interações é “garantida” pela conservação de duas quantidades: Energia e Momento. Uma série de acidentes históricos fez com que enxergássemos momento e energia como duas identidades separadas, assim como se fazia com espaço e tempo.  A invariância do intervalo do espaço-tempo requer que o momento e a energia sejam combinados de forma a produzir uma quantidade invariante: Momento-Energia. Mas preste atenção no que eu não estou dizendo: Eu não estou dizendo que energia e momento são idênticos, apenas que a união deles, Momento-Energia, fornece uma unificação poderosa da física, assim como o Espaço-Tempo.

Momento-Energia

Observações simples vão revelar que o Momento-Energia de uma partícula é na verdade um quadrivetor no espaço-tempo que tem magnitude proporcional a massa da partícula. Nossa experiência com a união do espaço-tempo nos faz esperar que a “seta” do momento-energia vai possuir três componentes, correspondendo às três dimensões espaciais, e um quarto componente correspondendo ao tempo. Os seus três “componentes espaciais” representam o momento da partícula. O “componente espacial” representa a energia.

A direção do quadrivetor do momento-energia de uma partícula é tangente a sua Weltline (i.e. “linha de mundo”, “Worldline” ou qualquer variação linguística do mesmo conceito). Não existe nenhuma outra direção que ele poderia naturalmente apontar. O espaço-tempo é isotrópico, ele não possui nenhuma direção de preferência, só o movimento de uma partícula oferece uma direção natural. O deslocamento no espaço-tempo de uma partícula possui quatro componentes, e também é um quadrivetor.

Em resumo, o momento-energia de uma partícula é um quadrivetor tangente a sua Weltline e com magnitude proporcional a sua massa. Vamos agora considerar uma partícula se movendo com velocidade V em relação a um referencial \mathcal{K}. Se E representa a energia, e p o momento de uma partícula no referencial \mathcal{K}, a combinação invariante dessas duas quantidades é:

\frac{E^2}{c^2}-{p}^{2}=m^2c^2       (1)

Definimos E como:

E=\frac{mc^2}{\sqrt{1-\frac{V^2}{c^2}}}=\gamma\ mc^2       (2)

E p como:

p=\frac{mV}{\sqrt{1-\frac{V^2}{c^2}}}=\gamma\ mV       (3)

Para obter V em função de E e p, dividimos (2) por (3), obtendo:

V=\frac{p}{E}c^2      (4)

É fácil de perceber que p é reduzido a expressão clássica (i.e. mV) no regime não-relativístico (V\ll c). Mas isto não é tão evidente para E. Vamos expandir a expressão de E em uma série de Taylor:

E=mc^2+\frac{1}{2}mV^2+\frac{3}{8}m\frac{V^4}{c^2}+\cdots       (5)

O primeiro termo da expressão (5) é chamado de energia de repouso, {E}_{0}, pois é independente da velocidade.

{E}_{0}=mc^2       (6)

A energia cinética K é a soma dos termos restantes, ou seja:

K=\frac{1}{2}mV^2+\frac{3}{8}m\frac{V^4}{c^2}+\cdots

É possível perceber que para V\ll c a energia cinética é reduzida à expressão clássica (i.e. \frac{1}{2}mV^2). Podemos reescrever E como:

E={E}_{0}+K       (7)

Podemos obter uma expressão mais concisa de K substituindo (2) e (6) em (7):

\gamma\ mc^2=mc^2+K

K=mc^2(\gamma - 1)       (8)

Uma observação interessante—na verdade mais uma curiosidade matemática, que não deve ser levada muito a sério—das equações (2) e (3) é que, aparentemente, assim como na mecânica clássica, partículas sem massa seriam “fantasmas dinâmicos” (i.e. E=0 e p=0). Mas existe uma brecha, Se m=0 e V=c, tanto os numeradores quanto os denominadores serão 0 (i.e. \frac{0}{0}), e a expressão é indeterminada. Geralmente quando você encontra \frac{0}{0} é hora de parar, mas vamos nos divertir mais um pouco. \frac{a}{b} busca um número n que satisfaz n\times b=a, mas no caso que a=b=0, n pode assumir qualquer valor; analogamente, quando m=0 e V=c, E pode assumir qualquer valor e deve ser determinado de outra maneira. Isto pareceria uma piada se não fosse verdade. Fótons podem assumir diversos valores de E,que são determinados por outra equação (E=h\nu).

Quadrivetor do Momento-Energia

Como já foi mencionado, o quadrivetor do momento-energia possui quatro componentes, três relacionados ao momento (pois o momento em si é um “trivetor”) e um relacionado a energia. Durante o resto de nossa análise, um quadrivetor qualquer será representado da seguinte maneira:

\vec{A}=({a}^{0}, {a}^{1}, {a}^{2}, {a}^{3})

Já um vetor tridimensional qualquer será representado da seguinte maneira:

\vec{b}=({b}^{0}, {b}^{1}, {b}^{2})

Os quadrivetores sempre serão representados por uma letra maiúscula, para evitar confusão. Assim, o quadrivetor do momento-energia em um referencial \mathcal{K} será representado por:

\vec{P}=(\frac{E}{c}, {p}_{x}, {p}_{y}, {p}_{z})

Onde E representa a energia, e {p}_{x}, {p}_{y}, {p}_{z} representam, respectivamente, os componentes do vetor do momento \vec{p}.

Conservação e Invariância

O quadrivetor do momento-energia de um sistema de partículas é conservado. Oque isso significa? Suponha um sistema de partículas isolado, em um determinado instante ({t}_{1}), em um sistema de referência \mathcal{K}. Este sistema pode ser constituído por uma partícula elementar, várias partículas elementares ou uma pessoa. Não importa. Agora espere um pouco, veja as particula interagirem (ou não) até outro instante ({t}_{2}). Se \vec{{P}_{1}} for o quadrivetor do momento-energia no instante {t}_{1} no sistema de referência \mathcal{K}, e \vec{{P}_{2}}  o quadrivetor do momento-energia no instante {t}_{2} no sistema de referência \mathcal{K}. Então a conservação do quadrivetor do momento-energia implica que:

\vec{{P}_{1}}=\vec{{P}_{2}}=\vec{P}

Supondo que o mesmo sistema (e suas interações) foi observado em um sistema de referência \mathcal{K'}, se movendo com velocidade V em relação a \mathcal{K}. Se \vec{{P'}_{1}} for o quadrivetor do momento-energia no instante {t'}_{1} no sistema de referência \mathcal{K'}, e \vec{{P'}_{2}}  o quadrivetor do momento-energia no instante {t'}_{2} no sistema de referência \mathcal{K'}. Então a conservação do quadrivetor do momento-energia implica que:

\vec{{P'}_{1}}=\vec{{P'}_{2}}=\vec{P'}

Além disso, o módulo do quadrivetor do momento-energia de um sistema de partículas é invariante. Oque isso significa? Ainda considerando o sistema anterior, a invariância do módulo do quadrivetor do momento-energia implica que:

P=P'

Note a palavra “módulo”, pois no geral (tirando o caso trivial em que V=0 ou V=c) \vec{P}\neq \vec{P'}. Consequentemente, a energia e o momento de um sistema não serão necessariamente os mesmos em todos os referenciais. Em outras palavras, energia e momento são quantidades que se conservam em um referencial, mas não são invariantes a uma troca de referencial. Reforçando que, como o espaço-tempo é um espaço pseudo-euclidiano quadridimensional, o módulo do momento energia P é dado por:

P^2=\frac{E^2}{c^2}-{p}^{2}=m^2c^2

ou:

P^2=\frac{E^2}{c^2}-{{p}_{x}}^{2}-{{p}_{y}}^{2}-{{p}_{z}}^{2}=m^2c^2