Por Fabrizio Ferro
A evolução de uma estrela pode ser vista como um processo quase-estático, onde a composição da estrela muda devagarmente, permitindo com que a estrela permaneça em equilíbrio termodinâmico e hidrostático. Tais condições de equilíbrio são altamente estáveis, e se mantém assim durante a maior parte da vida de uma estrela. Entretanto, as reações termonucleares gradualmente mudam a composição da estrela, e as condições de estabilidade podem ser alteradas.
Para começar, vamos analisar as escalas de tempo em que ocorrem as mudanças das principais características estelares.
Escalas de Tempo da Evolução Estelar
As 3 principais alterações que as estrelas podem sofrer são: mudanças dinâmicas ou estruturais, mudanças térmicas, e mudanças de composição consequentes de processos nucleares. Cada tipo de processo possui uma escala de tempo característica , definido como a razão de uma quantidade (ou propriedade física)
, pela taxa de variação desta quantidade com o tempo, ou seja:
(1)
Processos com elevados possuem escalas de tempo características curtas, e consequentemente apresentam rápidas mudanças em suas propriedades físicas.
Tempo Dinâmico
Este é a escala de tempo em que processos dinâmicos e estruturais ocorrem. Se a pressão mudasse de repente, em quanto tempo o equilíbrio seria restabelecido? Ou de forma equivalente: se não tivesse nada para segurar a estrela, em quanto tempo ela iria colapsar por sua própria gravidade? Existem diversas formas de responder esta pergunta, mas todas levam ao mesmo resultado do tempo dinâmico (com variações da ordem de unidade). Podemos então considerar a dimensão característica da estrela como o seu raio . A taxa de variação de
com o tempo seria a velocidade característica de um campo gravitacional, a velocidade de escape
. Desta forma
, e o tempo dinâmico pode ser estimado:
Podemos substituir na equação acima e ignorar fatores da ordem de unidade:
Para o Sol, esta escala de tempo é de 1000s. Percebemos que o tempo dinâmico é extremamente pequeno quando comparado com as típicas idades estelares, a idade do Sol é aproximadamente 4.6 bilhões de anos ou . Processos dinâmicos ocorrem quando a pressão não está em balanço com a força gravitacional, neste caso o estado final pode ser catastrófico (e.g. colapso, explosão) ou o restabelecimento do equilíbrio hidrostático. Ambos os resultados ocorrem com uma duração da ordem do tempo dinâmico, o que significa que a até mesmo nossa frágil forma de matéria orgânica poderia observar a pulsação de uma estrela ou a explosão de uma supernova.
Tempo Térmico
O tempo térmico pode ser interpretado como o tempo que um objeto emitiria toda seu reservatório de energia térmica (), dado que sua luminosidade permanecesse constante (
). Mas como geralmente a energia interna está relacionada a energia gravitacional, podemos ignorar fatores próximos de unidade e estabelecer
. Assim, o tempo térmico pode ser estimado como:
Para o Sol, isto é aproximadamente , ou 30 milhões de anos. Podemos perceber que o tempo térmico é muito maior do que o tempo dinâmico, mas ainda assim, é significativamente pequeno quando comparado ao tempo de vida de uma estrela.
Antes de processos nucleares serem conhecidos, Lord Kelvin e , independentemente, Hermann von Helmholtz utilizaram o tempo térmico para argumentar que o Sol poderia ter apenas alguns anos, e que consequentemente boa parte da geologia e biologia evolucionária deveria estar errada. Por causa disso, o tempo térmico é muitas vezes referenciado como a escala de tempo de Kelvin-Helmholtz.
Tempo Nuclear
O tempo que uma estrela passa na sequência principal (i.e. a duração do combustível nuclear de uma estrela no primeiro estágio evolutivo, considerando uma luminosidade constante) é governado pelo tempo nuclear. A energia nuclear disponível é a massa “convertida” em energia por meio das reações nucleares, , onde
é a eficiência das reações nucleares. O principal processo nuclear que ocorre no primeiro estágio evolutivo de uma estrela é a cadeia próton-próton. De forma simplificada, neste processo, 4 prótons se fundem para formar um núcleo de
(partícula alfa), logo a mudança fracional de energia (i.e. eficiência da reação em “converter” massa em energia) será:
Onde é a massa do próton e
é a massa da partícula alpha. Este é um excelente número para se ter em mente: A cadeia próton-próton libera cerca de 0.7% da massa-energia disponível. A taxa de variação da energia nuclear disponível é, intuitivamente,
, e como podemos assumir equilíbrio térmico,
. Logo:
Para o Sol, isto é aproximadamente anos, muitas vezes maior do que sua idade estimada. Na verdade,
é maior do que a idade do universo. Uma consequência desta observação é que as estrelas convertem apenas uma fração da sua massa durante a sequência principal (aproximadamente 10%). Portanto, o tempo que uma estrela similar ao Sol passa na sequência principal é
, ou 10 bilhões de anos adotando
.
Hierarquia das Escalas de Tempo
Se organizarmos nosso resultado:
Logo, são os processos nucleares que comandam o passo da evolução estelar.
Evolução Estelar Esquemática
As principais propriedades observacionais de uma estrela (e.g. luminosidade e temperatura efetiva) são bem correlacionadas. Esta correlação é geralmente representada em um gráfico chamado de Diagrama de Hertzsprung-Russell, ou diagrama H-R, no qual o eixo vertical representa a luminosidade e o eixo horizontal representa a temperatura efetiva. Por razões históricas, a temperatura diminui para a direita. Quando estrelas são plotadas como um ponto com coordenadas , certas regiões são mais densamente populadas do que as outras (ver figura 1).
Figura 1: Um Diagrama de Hertzsprung-Russell esquemático. (Adaptado de A. Phillips, The Physics of Stars.)
Ao analisar o diagrama H-R, é importante lembrar que a formação e evolução estelar é um processo continuo. Criar um diagrama H-R em uma certa região do espaço é mostrar estrelas em diferentes estágios do processo de evolução estelar. As estrelas passam boa parte de suas vidas "queimando" hidrogênio, logo, estrelas que estão no primeiro estagio evolucionário devem criar uma região densamente populada no diagrama H-R. Esta região é chamada de sequência principal, e contem cerca de 80% de todas as estrelas observadas (ver figura 2).
Figura 2: Diagrama H-R feito pelo satélite Hipparcos com mais de 20000 pontos. É possível ver claramente a região da sequencia principal. (Adaptado de S. McMillan, Astronomy Today.)
O diagrama H-R é de grande importância histórica e prática na astronomia. Diagramas H-R de diferentes tipos de aglomerados estelares fornecem informações sobre o processo de evolução estelar, e servem como uma ferramenta para testar nossos modelos teóricos.
Agora, estamos na posição de juntar um conhecimento básico de física estelar para descrever (brevemente) como diferentes estrelas evoluem. Ou de forma equivalente, como as condições internas de pressão, temperatura, densidade e composição se alteram para estrelas de diferentes massas.
Colapso. Regiões mais densas e frias de nuvens poeira e gás interestelar tendem a colapsar, neste processo a massa é praticamente conservada, logo a densidade deve aumentar. Pelo teorema do virial, conforme a nuvem colapsa parte da sua energia potencial gravitacional é liberada na forma de radiação, e a outra parte é “utilizada” para aumentar a energia interna (e consequentemente a temperatura). Nesta fase, as chamadas protoestrelas seguem o caminho ilustrado na figura 3 no diagrama H-R, até chegarem na sequencia principal.
Figura 3: Caminho evolucionário de uma protoestrela no diagrama H-R até a sequencia principal. (Adaptado de B. Carroll, An Introduction to Modern Astrophysics.)
Fusão. Eventualmente, as condições centrais da protoestrela devem ser suficientes para que processos nucleares comecem a ocorrer. Neste instante a massa da estrela vai ser o determinante de seu caminho evolutivo, e a estrela vai permanecer aproximadamente estável por .
Contrair, Fundir e Repetir. Quando o combustível nuclear for exausto, o núcleo estelar não vai estar em equilíbrio hidrostático, e ele começará a contrair, aumentando a densidade e temperatura central. Se as condições forem suficientes para a ocorrência de reações nucleares mais complexas, o “equilíbrio” será retomado, e por causa da sensível dependência das reações nucleares com a temperatura, a produção de energia da camada externa ao núcleo aumentará rapidamente, resultando na expansão da estrela. Este processo se repete por períodos cada vez menores, até que uma zona de instabilidade ou degeneração seja alcançada. Nesta etapa, o raio da estrela aumentará e sua temperatura irá diminuir (devido à expansão das camadas externas). Portanto, a estrela começará a se dirigir ao ramo das gigantes vermelhas. A figura 4 mostra o caminho evolucionário de estrelas de diferentes massas, identificando alguns processos nucleares, até o ramo das gigantes vermelhas.
Figura 4: Caminho evolucionário de estrelas de 1, 4 e 10 massas solares (mostrado até a ignição da "queima" de hélio no caso da estrela de 1 massa solar). (Adaptado de S. McMillan, Astronomy Today.)
Núcleo Degenerado. A queima nuclear é termicamente instável em gases degenerados, relativísticos ou não. Quando qualquer fusão residual no centro for completa, e o gás for degenerado, o mecanismo de estabilidade para gases ideais descrito na seção de interiores estelares não ocorrerá. Desta forma, a temperatura no núcleo não será suficiente para realizar reações nucleares mais avançadas.
Um importante resultado de modelos politrópicos é a relação entre a pressão central, , e a densidade central,
(2)
A pressão, densidade e temperatura são relacionados por uma equação de estado. De forma geral:
(3)
Onde e
são coeficientes positivos. Para gases ideais, é fácil de perceber que
. Combinando as equações (2) e (3), obtemos:
(4)
Então enquanto e
, os dois lados da equação (4) vão possuir o mesmo sinal. Consequentemente, a contração do núcleo (aumento de
) será acompanhada por um aumento da temperatura, enquanto a expansão (diminuição de
) será acompanhada por uma diminuição da temperatura, e a estabilidade térmica é assegurada. No caso do material degenerado,
e
, uma situação que é obviamente instável.
Estágio Final. Estrelas de diferentes massas possuem diferentes destinos. Estrelas de baixas massas “queimam” por bilhares de anos, terminando como anãs brancas de hélio. Estrelas de massas médias produzem
e depois passam pelo processo triplo-alfa, terminando como anãs brancas de oxigênio/carbono (ver figura 5).
Figura 5: Caminho de uma estrela parecida com o Sol no diagrama H-R. (Adaptado de S. McMillan, Astronomy Today.)
As estrelas mais massivas passam por vários estágios de fusão (até ), até atingirem o limite da fotodissociação, terminando suas vidas com uma explosão de supernova (ver figura 6). Devido as extremas condições dos remanescentes de supernovas, não é possível mostrar o caminho "completo" de estrelas massivas em um diagrama H-R comum.