Elipse

Por Bruno Makoto

Elipse, o círculo 2.0. Essa figura geométrica é um dos primeiros conceitos que são ensinados em livros e cursos de astronomia, tanto devido à sua beleza quanto à sua relevância na astronomia. A primeira Lei de Kepler enuncia que todas as órbitas são cônicas, que por sua vez são divididas entre: círculo, elipse, parábola e hipérbole. O círculo é uma elipse de excentricidade nula, enquanto a parábola é uma hipérbole de energia total nula (em um contexto matemático, a parábola é definida de outras maneiras, mas por ora você pode ficar somente com essa definição em mente)

Onde encontramos esses diversos tipos de órbitas? Os exemplos mais clássicos de órbitas elípticas são os próprios corpos que orbitam o Sol com um período determinado, como os planetas, os asteroides (cinturão de asteroides e cinturão de Kuiper, p.ex) e os cometas periódicos (Hubble, Encke, etc). Já para órbitas hiperbólicas, temos como principais exemplos os cometas não periódicos e os extintos (que passam pelas proximidades do sistema solar, mas nunca mais retornam. F). Nessa aula, focaremos somente na elipse, que é a mais cobrada, juntamente da órbita circular, nas seletivas online.

Definições

  1. Círculo com eixos "esticados" ou "comprimidos". Caso você pegue um círculo e multiplique as coordenadas de cada um dos pontos de sua circunferência por um um valor para a coordenada x e por outro para a coordenada y, a figura resultante é uma elipse;
  2. Lugar geométrico dos pontos cuja soma das distâncias até dois pontos definidos, os focos, é constante. Esse é um dos jeitos mais clássicos de desenhar uma elipse, basta ter dois alfinetes e um cordão. Esse vídeo ilustra bem o processo. Como o barbante está esticado, seu comprimento não muda, fazendo com que a soma das distâncias dos alfinetes até certos pontos seja constante. Esses pontos delimitam a elipse;
  3. Corte de cone. Que fique claro que essa definição não costuma ser cobrada nas Seletivas Online, mas irei falar um pouco a mais dela pois ela cai nas próximas fases e, por mim, é a mais bela. Basicamente, se você fizer um corte em um cone dentro de um intervalo de ângulos, você obtém uma elipse. Isso se observa na figura abaixo:

Consequência linda dessa definição

Uma consequência muito especial dessa definição está relacionada às fases da Lua. Se você pegar uma lanterna e iluminar uma parede, você obterá uma superfície cônica, pois a parede não está fazendo nada além de "cortar" o cone de luz de sua lanterna. Para obter uma elipse, ajuste o ângulo de incidência de forma a obter uma situação parecida com a da figura: (faça isso na sua casa!)

Repare agora que, quando o Sol ilumina a Lua, uma situação análoga ocorre. A Lua é a nova "parede" e o Sol é a nova "lanterna". Assim, a região que delimita a parte escura da Lua (pontos ABC na figura) é uma elipse! Aí está uma curiosidade um tanto quanto bela para se contar em um encontro s2. Questões mais quantitativas disso só são cobradas mais à frente, então, pelo menos por enquanto, apenas aprecie a beleza do desenho:

Sol iluminando a Lua / Lua vista da Terra

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Geometria

Todas as elipses possuem certos parâmetros que as diferenciam umas das outras, tal como círculos diferentes possuem raios distintos. Na figura acima estão indicados os principais parâmetros de uma elipse:

  • F_1 e F_2: focos da elipse. Em órbitas, o corpo muito mais massivo (Sol quando comparado com a Terra, p.ex) ocupa um dos focos, chamado de foco primário. O outro foco é chamado de foco secundário.
  • a: semieixo maior. O segmento AC (2a) é chamado de eixo maior
  • b: semieixo menor. O segmento BD (2b) é chamado de eixo menor
  • c: metade da distância focal. O segmento F1F2 é chamado de distância focal

Note que a elipse é simétrica através de seus dois eixos (AC e BD), ou seja, AO também vale a, OF2 também vale c e OD também vale b, apesar de eu não ter indicado esses comprimentos na figura, para que ela não ficasse tão poluída.

Definimos também a excentricidade e da elipse. Ela é uma medida de seu "achatamento" (ou esticamento, de acordo com a primeira definição da elipse) e, para uma elipse, está no intervalo 0\leq e < 1. Por exemplo, uma elipse de excentricidade 0 é um círculo, enquanto uma elipse de excentricidade alta (próxima de 1) é muito esticada. Quantitativamente, ela é definida por:

  • \boxed{\large{e=\dfrac{c}{a}}}

A segunda definição da elipse pode ser escrita de acordo com a nossa figura através de: PF_1 + PF_2 = cte. Na verdade, essa constante pode ser escrita somente em função do semieixo maior da elipse, como está enunciado abaixo. Clique na caixa de texto para ver a dedução dessa fórmula

  • \boxed{PF_1 + PF_2 = 2a}

 

Dedução

A partir da relação PF_1 + PF_2 = cte, válida para qualquer ponto da elipse, podemos achar o valor exato dessa constante. Peguemos um ponto P tal que ele está sobre o ponto A (ou C, já que a elipse é simétrica). Note que PF_1=AF_1=a-c e que PF_2=AF_2=a+c. Somando esses valores temos que PF_1 + PF_2 =2a, c.q.d

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Outra relação de extrema importância para a elipse é a da soma pitagórica dos semieixos. Novamente, veja a dedução clicando na caixa de texto. A relação é:

  • \boxed{a^2=b^2+c^2}

 

Dedução

Para deduzir essa expressão, precisamos utilizar a última relação (PF_1 + PF_2 =2a). Peguemos um ponto P tal que ele está sobre o ponto (ou D, já que a elipse é simétrica). Note que, devido à simetria da elipse em torno do eixo menor, PF_1=BF_1=PF_2=BF_2=a. Agora, observe a figura representando isso:

Por teorema de Pitágoras no triângulo \Delta BOF_1, já que o ângulo entre os eixos da elipse é reto, vemos que a^2=b^2+c^2, c.q.d

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Ainda, é importante conhecer a expressão da área da elipse. Infelizmente (ou não), sua dedução está fora do nosso escopo. Por isso, tenha ela em mente enquanto você estiver fazendo a prova, seja de cabeça ou com ela escrita uma folha de fórmulas ou ainda vendo na internet (aqui, p.ex.). A área A de uma elipse de semieixo maior a e semieixo menor b é:

  • \boxed{A=\pi ab}

Por fim, a última expressão pertinente para as seletivas com respeito à elipse se trata da sua expressão na forma polar. É comum aprendermos no ensino médio a expressão da elipse em coordenadas cartesianas, que descreve a posição de cada ponto através de coordenadas (x, y). A expressão na forma polar apresenta a mesma essência - a única diferença é que os pontos são definidos pelas coordenadas (r, \theta), onde r é a distância de um ponto até um dos focos e \theta o ângulo que esse ponto faz com o eixo maior. Por exemplo, veja as representações cartesiana e polar de um círculo:

Note que r=2=\text{constante}, ou seja, não depende de \theta. Isso faz sentido, uma vez que para todo \theta, a distância de um ponto do círculo ao centro é sempre 2. Agora, veja a expressão da elipse em coordenadas polares, bem como uma imagem representativa:

\boxed{r=\dfrac{a(1-e^2)}{1-e \cos \theta}}

Vale a pena olharmos para alguns limites.

  • Para \theta=0, o ponto está no apoastro (continue na aula para aprender o que é isso), assim:

r(0)=\dfrac{a(1-e^2)}{1-e \cos(0)}=\dfrac{a(1-e^2)}{1-e}=a(1+e), o que está de acordo com o resultado esperado!

  • Já para \theta=180^{\circ}, o ponto está no periastro, logo:

r(180^{\circ})=\dfrac{a(1-e^2)}{1-e \cos(180^{\circ})}=\dfrac{a(1-e^2)}{1+e}=a(1-e), o que também está correto.

É importante ressaltar que o suplemento de \theta, ou seja, 180^{\circ}-\theta, é chamado de anomalia verdadeira. Por fim, dê uma brincada com este gráfico interativo de uma elipse.

 

Dedução

Seja PF_2 = r', temos, pela segunda propriedade vista nessa aula: r+r'=2a. Ainda, e=\dfrac{c}{a} \Rightarrow c=ea. Assim, o triângulo PF_1F_2 é possui lados (r), (2a-r) e (2ea). Pela Lei dos Cossenos (dê uma olhada no google caso você ainda não conheça essa importantíssima lei):

r'^2=r^2+(2ea)^2-2 \cdot (r) \cdot (2ea) \cos \theta

 \Rightarrow (2a-r)^2=r^2+4e^2a^2-4ear \cos \theta

 \Rightarrow 4a^2-4ar+r^2=r^2+4e^2a^2-4ear \cos \theta

Manipulando, obtemos:

r=\dfrac{a(1-e^2)}{1-e \cos \theta}

c.q.d

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Aplicações

Apoastro e Periastro:

Podemos encontrar a distância do corpo central ao corpo orbitante quando este está no periastro (máxima aproximação, ponto A ou C dependendo de qual foco é o primário, chamado de periélio no caso da Terra), R_p, e quando ele está no apoastro (máximo afastamento, ponto A ou C dependendo de qual foco é o primário, chamado de afélio no caso da Terra), R_a. Assumindo que F_1 corresponde ao foco primário, temos:

Assim, podemos escrever R_p e R_a em função somente do semieixo maior e da excentricidade. Basta lembrar que e=\frac{c}{a}\Rightarrow c=e\cdot a:

  • R_p=a-c=a(1-e)
  • R_a=a+c=a(1+e)

Note também que:

  • 2a=R_p + R_a

Segunda Lei de Kepler:

Também conhecida como Lei das Áreas, a segunda lei de Kepler diz que corpos em órbitar elípticas "varrem" áreas iguais em tempos iguais. Portanto, a taxa de área varrida por unidade de tempo é constante, e é chamada de velocidade areal. Isso justifica, por exemplo, o porquê dos corpos possuírem uma maior velocidade no periélio do que no afélio. Veja a figura:

Se soubermos a área A da elipse e seu período P, podemos portanto encontrar a velocidade areal do corpo, já que ela é constante. Temos:

  • V_{areal}=\dfrac{A}{P}=\dfrac{\pi a b}{P}

Exercícios

Olhe no Catálogo de Astronomia, nas questões de mecânica celeste, questões de seletivas passadas que cobram os conteúdos dessa aula. Note que você também precisa saber conceitos como energia, resultante centrípeta, etc para resolver a maioria das questões. A geometria do problema costuma ser somente algumas passagens de uma questão, dificilmente você resolverá o problema somente com elas. No drive do Tiago você encontra um guia completo, onde pode encontrar materiais para estudar esses conceitos. Entre também no grupo de telegram do Virgílio para mais informações e para tirar dúvidas.

Para finalizar com chave de ouro, irei propor um problema:

O semi-latus rectum é definido tal como mostrado na figura abaixo, traçando uma reta perpendicular passando por um dos focos e pegando a intersecção dessa reta com a elipse. Em uma elipse de semieixo maior a e excentricidade e, calcule:

a) O valor do semi-latus rectum, p.
b) O módulo da velocidade de um pequeno corpo nesse ponto, sabendo da massa M da estrela a qual o corpo orbita

Se você conseguir resolver essa questão, nos avise no grupo livre do Telegram (veja as mensagens do grupo geral)! Estamos tirando todas as dúvidas do pessoal por lá e podemos ajudá-lo com essa questão 😀

Bons Estudos!

 

Gabarito

a) p=a(1-e^2)
b) v=\sqrt{\frac{GM}{a}\frac{1+e^2}{1-e^2}}

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