Por Fabrizio Melges Ferro
Por milênios os humanos puderam apenas coletar informação dos corpos celestes em uma restrita faixa do espectro eletromagnético, a faixa da luz visível. Durante o século passado, figuras como Karl Jansky e Grote Reber contribuíram para o nascimento de uma nova ciência, a Radioastronomia, que estuda a emissão de radiação dos objetos celestes em uma longa faixa do espectro electromagnético (generalmente definida entre 10 MHz e 1 THz).
Quase tudo emite ondas de rádio, através dos mais variados mecanismos. Poucas fontes astronômicas de rádio são obscurecidas, pois devido ao seu longo comprimento de onda, ondas de rádio penetram facilmente nuvens de poeira e gás interestelar. Permitindo assim—com o uso de técnicas e instrumentos como a interferometria e os radiotelescópios—a análise de várias fontes “peculiares”.
Distância de Fraunhofer
Geralmente é assumido que as ondas eletromagnéticas de fontes astronômicas incidem paralelamente umas às outras em uma superfície refletora. A distância mínima que uma fonte pontual deve estar para satisfazer esta aproximação é definida (um tanto quanto arbitrariamente) como a Distância de Fraunhofer, e depende tanto do comprimento de onda quanto no diâmetro do refletor
. Vamos considerar uma fonte pontual a uma distância finita
de uma abertura circular de diâmetro
. É possível perceber (ver figura 1) que o maior desvio
de uma onda plana ocorre nos extremos da abertura.
Figura 1: Desvio da aproximação de uma onda plana.
A distância de Fraunhofer é então arbitrariamente definido requerendo que . Dessa forma, temos:
Expandindo a expressão, temos:
Se , temos:
Utilizando o critério , distância de Fraunhofer é dada por:
(1)
Nos casos em que , o desvio
causará uma diferença de fase significativa. Para fontes astronômicas portanto, é fácil de perceber que
e que as ondas incidirão paralelamente umas às outras.
Refletor Paraboloidal
A superfície do elemento refletor dos radiotelescópios deve ser paraboloidal (uma parábola de revolução). Por causa das propriedades geométricas das parábolas raios de luz paralelos, em fase, que incidem perpendicularmente à superfície refletora são focalizados, em fase, em um único foco. A prova será deixada como um exercício para o leitor.
Uma vantagem de observar em longos comprimentos de onda é que as irregularidades na superfície do elemento refletor podem ser maiores, tornando possível a utilização de “pratos” metálicos como refletores.
Antenas dos Radiotelescópios
Uma antena pode ser definida como um dispositivo que converte ondas eletromagnéticas em correntes elétricas ou vice e versa. A antena de um radiotelescópio atua como um coletor de ondas de rádio.
A resposta da antena em função da direção é dada pelo padrão da antena. O padrão comumente consiste de um número de lóbulos (ver figura 2). O lóbulo com o maior máximo é chamado de lóbulo principal, já os menores são chamados de lóbulos laterais. O padrão pode ser expresso em termos de intensidade de campo (padrões de campo) ou em termos de intensidade de radiação (padrões de intensidade). É possível representar o padrão de intensidade em coordenadas polares, mas para mostrar a estrutura dos lóbulos laterais em maiores detalhes, o padrão pode ser representado em uma escala logarítmica (ver figura 2).
Figura 2: Padrão de uma antena representado em coordenadas polares e escala linear (em cima), e padrão da mesma antena representado em coordenadas retangulares e escala logarítmica (em baixo). (Adaptado de B. Carroll, An Introduction to Modern Astrophysics e J. Kraus, Radio Astronomy.)
Análogo aos telescópios ópticos, existe um limite para a resolução angular de um radiotelescópio. Para uma abertura de diâmetro , em um comprimento de onda
, a resolução angular é dada por:
(2)
Para um radiotelescópio conseguir sozinho uma resolução angular de 1 segundo de arco em um comprimento de onda de 21 cm, é necessário uma abertura de 42 km.
Interferometria
Por mais que seja nada prático construir antenas individuais com tamanhos o suficiente para produzir resoluções no rádio comparáveis as resoluções obtidas na faixa do visível, é possível obter resoluções em imagens de rádio melhores que 0.001 segundos de arco. Tal conquista é realizada através da técnica de interferometria, similar, mas muito mais elaborada do que o experimento de Young.
Vamos considerar duas antenas separadas por uma distância (geralmente referenciada como linha de base), detectando a emissão de rádio de uma fonte muito distante, em uma direção
. Para simplificar ainda mais, vamos desconsiderar a rotação da Terra e considerar instrumentos ideais. Neste caso, é possível perceber que existe um atraso no recebimento das ondas em uma das antenas (ver figura 3).
Figura 3: Interferômetro de dois elementos mostrando o atraso geométrico , os amplificadores
e
, o atraso instrumental
, e multiplicador e integrador do sinal. Observe que a figura utiliza
como a linha de base. (Adaptado de A. Thompson, Interferometry and Synthesis in Radio Astronomy.)
Este atraso é geralmente chamado de atraso geométrico, e é dado por:
Sendo a velocidade de propagação das ondas eletromagnéticas. A diferença de tempo entre a recepção das ondas gera uma diferença de fase, e consequentemente, um padrão de interferência. Daí o nome interferometria. Este processo depende fortemente da Transformada de Fourier, que relaciona o padrão de interferência com a intensidade de rádio no céu.
Para a simples configuração anterior, a resolução angular obtida é da ordem de:
(3)
Note que a relação (3) é uma estimativa da ordem de grandeza da resolução. Para duas fontes pontuais por exemplo, uma relação mais precisa é:
Considerando agora um conjunto de radiotelescópios, sendo
a maior separação entre dois elementos, a maior resolução angular obtida é da ordem de:
(4)
As figuras a seguir mostram diferentes padrões de interferência (ou franjas) para diferentes linhas de base e orientações.
Figura 4: Diferentes padrões de interferência para diferentes linhas de base. Da esquerda para a direita: 250 m, 1000 m e 5000 m. (Crédito: NRAO.)
Figura 5: Diferentes padrões de interferência para diferentes orientações da mesma linha de base. Da esquerda para a direita: linha de base orientada Leste-Oeste, Norte-Sul e Rotacionada. (Crédito: NRAO.)
A figura 6 mostra o fluxo recebido de Cygnus A, e como o interferômetro de linha de base de 5 km “realmente vê” ele.
Figura 6: Fluxo recebido de Cygnus A. Os painéis da direita mostram o padrão de interferência das linhas de base em diferentes orientações, o painel da esquerda mostra o produto dos sinais. (Crédito: NRAO.)
A teoria e aplicação da interferometria é muito mais elaborada do que isso, e pode ser considerada um campo relativamente novo e com muito ainda a oferecer.