Razão Focal, Resolução e Escala de Placa

Por Fabrizio Melges Ferro

A óptica dos telescópios pode ser complexa. Um conjunto de lentes e espelhos dispostos nas mais diversas configurações está longe de ser uma descrição simplificada. Entretanto, é possível representar toda a óptica do telescópio com uma única “lente fina”. Esta “lente fina” possui a mesma abertura e comprimento focal que reproduzem as propriedades de formação de imagem do telescópio. O objetivo de introduzir esta “lente” (que também poderia ser um “espelho”) é simples: generalizar nossa análise para todos os tipos de telescópios óticos. A figura 1 mostra a representação do foco Cassegrain utilizando um diagrama de lente fina equivalente.

Figura 1: Um refletor Cassegrain (em cima) e o telescópio equivalente (em baixo)com uma única lente que possui a mesma abertura D. (Adaptado de F. Chromey, To Measure the Sky.)

Agora que esta simplificação foi introduzida, podemos analisar os principais parâmetros que caracterizam um telescópio e sua óptica de forma generalizada.

Resolução Angular

O poder de resolução de um bom sistema óptico é limitado pela natureza ondulatória das ondas eletromagnéticas. Esta limitação é uma consequência da difração da luz ao passar por uma abertura circular (como um telescópio), até mesmo para uma fonte pontual. Logo, em um telescópio que seria de outra maneira perfeito, uma porção da luz será dispersa do centro da imagem, e a imagem verdadeira não será pontual. Neste caso, também existirão efeitos de interferência, e a imagem consistirá de uma região brilhante central (Airy disk) cercada de franjas brilhantes e fracas (ver figura 2).

Figura 2: O padrão de difração de uma fonte pontual causado por uma abertura circular. Note o Airy disk no centro da imagem. (Adaptado de M. Cagner, Atlas Optischer Erscheinungen.)

Este fenômeno está fortemente ligado ao padrão de difração da luz ao passar por uma fenda. Para raios paralelos de luz de comprimento de onda \lambda, a condição para ocorrer interferência destrutiva da luz passando por uma fenda de comprimento a é dada de forma geral por:

\sin{\theta}=m\frac{\lambda}{a},\quad m=\pm 1,\ \pm 2,\ \pm 3,\ \ldots       (1)

A derivação da expressão analítica do padrão de difração produzido por uma abertura circular é similar a derivação da equação (1), porém muito mais elaborada. A solução desse problema envolve integrais nada amigáveis, algumas expansões em séries de Taylor, e o uso inevitável da Função de Bessel. O astrônomo George Biddell Airy foi o primeiro que obteve sucesso em completar a integração. Com uma pequena alteração dos valores de m, a equação (1) se torna apropriada para descrever os padrões das franjas produzidos pela abertura circular. Assim, a interferência destrutiva da luz passando por uma abertura circular de diâmetro D ocorre em valores de \theta dados por:

\sin{\theta}=m\frac{\lambda}{D},\quad m=1.220,\ 2.233,\ 3.237,\ \ldots       (2)

Se \theta \ll 1:

\theta \approx m\frac{\lambda}{D},\quad m=1.220,\ 2.233,\ 3.237,\ \ldots       (3)

Se duas fontes pontuais estiverem muito próximas, o padrão de Airy combinado pode não ser distinguível daquele de uma única fonte. Se podemos dizer que um padrão particular é o resultado de duas fontes, não uma, as fontes estão resolvidas angularmente. O Critério de Rayleigh diz que duas fontes podem ser ditas resolvidas quando o máximo de um Airy disk estiver super-imposto no primeiro mínimo da outra imagem (ver figura 3). O primeiro mínimo ocorre quando m=1.220 (correspondente ao primeiro zero da Função de Bessel).

Figura 3: Distribuição de intensidade de duas fontes pontuais super-impostas. (Adaptado de Roth, Handbook of Practical Astronomy.)

Figura 4: O padrão de difração de duas fontes pontuais bem separadas. [Cortesia de A.M. Magalhães (IAG).]

Assim, segundo o critério de Rayleigh, se a óptica do telescópio for limitada pela difração, sua resolução angular {\theta}_{min} será:

\boxed{{\theta}_{min}=1.22\frac{\lambda}{D}}       (4)

É uma medida conveniente, porém arbitrária. Observando em um comprimento de onda de 550\ nm, de acordo com a equação (4), um telescópio de abertura de 1\ m deveria ter uma resolução angular de 0.138''. Qualquer detalhe menor que esse tamanho seria perdido.

Figura 5: Detalhes aparecem em M31 com a melhora da resolução em 60 vezes.Da esquerda para a direita a resolução angular é de 1’, 5” e 1”. (Adaptado de E. Chaisson, Astronomy Today.)

Razão Focal

A razão focal é apenas uma notação muito usada ao falar das características de um telescópio. Sendo definida simplesmente como a razão entre o comprimento focal f do telescópio e o diâmetro D da objetiva (ver novamente a figura 1).

\boxed{F=\frac{f}{D}}       (5)

Por exemplo, um típico telescópio amador tem um espelho primário com 200mm de diâmetro com comprimento focal de 1200mm. Logo, a razão focal desse espelho é 6. A razão focal é comumente representada na forma f/F. Usando esta notação, nosso telescópio teria um espelho primário f/6 de 200mm.

Escala de Placa

A escala de placa de um telescópio é um parâmetro que relaciona a separação angular de objetos com a separação linear de suas imagens no plano focal. Considere dois objetos separados por um ângulo \theta, no plano focal, suas imagens vão estar separadas por uma distância física s (ver figura 6).

Figura 6: Relação entre s, \theta e f.

Se f for o comprimento focal da objetiva, a separação física s das imagens será:

s=f\tan{\theta}

Se \theta \ll 1:

s \approx f\theta

Por exemplo, dois objetos separados angularmente por 1'' possuem uma separação física de 4.85 \mu m quando projetados no plano focal de uma objetiva com 1m de comprimento focal. Dessa forma, a escala de placa p é dada por:

p=\frac{1}{f} \approx \frac{\theta}{s}

Ou na forma diferencial:

\boxed{p=\frac{1}{f}=\frac{d \theta}{d s}}       (6)

Onde p é dado em rad/m. Como muitas vezes um CCD é colocado no plano focal, é comum encontrar o valor da escala de placa expresso em ''/pixel (segundos de arco por pixel do detector). Neste caso, a seguinte variação da equação (6) pode ser útil:

\boxed{p=\frac{206265''}{f}\times l}       (7)

Onde l é o tamanho do pixel do CCD, e o número 206265 aparece ao converter radianos para segundos de arco.