Por Giulia Nóbrega
Um tipo de questão muito comum nas olimpíadas de astronomia é a mudança de um objeto de uma órbita a outra. Basicamente, podemos definir dois tipos de situação: as duas órbitas (inicial e final) possuem pontos em comum e assim a transferência se dá por uma manobra pontual; ou as órbitas não se interseccionam, e assim precisamos utilizar uma órbita de transferência para cumprir nosso objetivo. Abaixo destrincharemos melhor estas situações.
Órbitas com pontos comuns
Em geral resolver problemas deste tipo acaba sendo mais fácil, visto que basta dar o impulso certo no ponto em comum na órbita. Assim, as complicações que surgem para este tipo de questão são mais geométricas que físicas. Uma das questões que melhor ilustra isso é a seguinte:
IOAA 2011 Questão Teórica 7
Um satélite orbita a Terra em órbita circular. A quantidade de movimento incial do satélite é dada pelo vetor . Em certo instante, um burst fornece ao satélite um impulso adicional , de mesma magnitude que . Seja o ângulo entre os vetores e , e o entre o raio vetor do satélite e .
Pensando na direção do impulso adicional , considere se é possível mudar a órbita para cada um dos casos descritos abaixo. Se sim, dê valores de e de para os quais é possível.
a) uma hipérbole com perigeu no local do burst.
b) uma parábola com perigeu no local do burst.
c) uma elipse com perigeu no local do burst.
d) um círculo.
e) uma elipse com apogeu no local do burst.
Note que para e a nova órbita será um segmento de reta ao longo do qual o satélite cairá verticalmente, em direção ao centro da Terra.
Solução
Ao invés de analisar item por item, vamos resolver um caso geral e adequar às condições especificadas. A dificuldade desta questão está realmente na geometria, visto que o impulso não está no plano da órbita inicial do satélite.
Assim, seja o momento final do satélite, temos:
Decompondo :
No perigeu e apogeu temos que , logo ou .
Assim, temos que:
Agora vamos analisar caso a caso:
- Órbita circular
Para isso, precisamos que , logo e ou .
- Órbita parabólica
Para isso, temos , logo e ou .
- Órbita hiperbólica
Para isso, precisamos de velocidades maiores que a relacionada à órbita parabólica. Assim, e ou .
- Órbita elíptica
Este caso é o mais capcioso
Note que para , e o satélite cai na Terra.
Em conclusão, todas as situações são possíveis.
Órbitas de transferência
Transferência de Hohmann
Essa é a manobra orbital mais frequente em provas de astronomia. A órbita de Hohmann é uma órbita elíptica que possui pontos das duas órbitas a serem conectadas como apoastro e periastro, como podemos ver a seguir:
No caso, transferiremos um objeto em uma órbita circular de raio para uma órbita circular de raio por meio de uma órbita de simeixo maior . Utilizaremos o caso de órbitas circulares, pois é o tipo mais comum em olimpíadas.
Nota: um dos erros mais comuns dos estudantes quando lidando com questões que envolvem esta ideia é achar que existe a possibilidade de conectar as 2 órbitas a partir da menor distância entre elas, formando uma órbita elíptica onde , porém para que seja possível a formação da órbita, o corpo mais massivo da situação deve estar em um dos focos da órbita de transferência.
Partindo do ponto 2, deve-se aplicar dois bursts de velocidade para alcançar a órbita 2 - um deles é para ir da órbita 1 para a órbita de transferência e o outro é para ir da órbita de transferência para a órbita 2.
Inicialmente, o corpo estava com velocidade , uma vez que sua órbita era circular. Após a aplicação de um burst , a velocidade do corpo fica , e essa velocidade deve ser suficiente para que o corpo entre em uma órbita elíptica de semieixo maior tal que (veja a imagem para entender esta relação). Como a energia total de uma órbita fechada de semieixo maior é :
Rearrajando tudo, obtemos:
De maneira análoga, , onde é a velocidade do corpo no apoastro da órbita de transferência e é a velocidade do corpo na órbita circular de raio , ou seja, . Novamente, podemos encontrar a velocidade através da energia total da órbita:
Rearranjando tudo, obtemos:
Analisando as expressões obtidas, pode-se perceber que ou os dois são positivos, ou ambos são negativos. Ainda, um pouco de manipulação algébrica mostra que o primeiro caso ocorre quando , já o segundo ocorre caso . Evidentemente, os são nulos se , de acordo com o esperado.
Transferência por órbita bielíptica
Este tipo de transferência é bem mais raro de aparecer nas provas de astronomia, mas mesmo assim, vale a pena conhecer.
Para realizar este tipo de transferência escolhemos um ponto no espaço a uma distância r do centro de massa onde teremos um incremento de velocidade. A partir disto, temos duas órbitas elípticas de semieixos maiores e . A partir disso, os cálculos são bem parecidos com os da transferência de Hohmann e serão então deixados a cargo do leitor. Para checagem de contas recomendo a página "Bi-elliptic transfer" da Wikipedia.
Exercícios
Iniciante
Treinamento 2020 Lista 2 Ex 2
Intermediário
IOAA 2014 SQ 2
Avançado
IOAA 2014 LQ 2 (item b)
P1 Treinamentos 2021, Q10