Curso Física Experimental Noic- Aula 00

Aula de Victor Ivo

Um ponto de vista empírico

A experimentação é basicamente o pilar de toda ciência empírica construída até hoje, e a física não foge disso. As primeiras ideias físicas da antiguidade não continham ainda toda a complexidade e trabalhos epistemológicos que a ciência moderna hoje tem, mas a essência da física sempre esteve em buscar explicações logicamente plausíveis pra fenômenos da natureza a partir da formulação de leis observáveis. Antigamente tínhamos ideias estranhas, por exemplo, hoje conhecemos pelo princípio da inércia que os objetos em movimento na ausência de forças externas tendem a se manter em movimento retilíneo uniforme (Ignoremos ideias de Relatividade Geral no escopo deste curso apenas introdutório) ou repouso (que pode de alguma maneira ser considerado também um MRU), contudo, o que era pensando antigamente era que os corpos tendiam a ficar em repouso na natureza, que é realmente o que parece se nós apenas observamos a natureza sem muito rigor ou conhecimento preciso de o que são forças (Aristóteles acreditava que era necessário forças para que um corpo fosse mantido em movimento), as coisas parecem que tendem a "parar", hoje sabemos que isso acontece no dia a dia devido a forças dissipativas na atmosfera ou ao nosso redor que tem como exemplo atrito, viscosidade, resistência do ar, resistência ao rolamento dentro outras. É interessante que a ideia de inércia de Aristóteles foi desbancada no renascimento, quando Galileu Galilei, que foi essencial na revolução científica devido a introdução mais precisa do método empírico(ou experimental), por um experimento de planos inclinados, citarei como foi o experimento e o aprimoramento do mesmo pois é uma análise extremamente enriquecedora.

Os antigos usavam, para medidas de tempo, batimentos cardíacos, que podiam ser sentidos por aparelhos ou simplesmente pela própria mão do experimentador, eles contavam quanto número de batimentos levava para dado evento ocorrer, e com a preposição não muito boa de que o número de batimentos era constante, no tempo, eles "contavam o tempo" dos acontecimentos, vários experimentos foram prejudicados por essa prática, pois o nervosismo ou euforia do experimentador, ou pessoa a ter seus batimentos sentidos, mudavam apreciavelmente a frequência deles.Galileu, pelo menos como a história é contada (a veracidade da mesma sequer é relevante para a ideia), percebeu, ao olhar lustres balançando nos salões, que o período de oscilação, ou seja, o tempo que ele leva pra "ir e voltar" é praticamente o mesmo durante a oscilação toda e não depende, em ótima aproximação, da amplitude (para amplitudes pequenas, como hoje sabemos), então, se ao invés de contar batimentos ele contasse períodos de um pêndulo simples? Com essa pergunta retórica, Galileu criou seu revolucionário relógio de pêndulo, e padronizando o "tempo unitário" como uma oscilação ou meia oscilação, ele poderia dizer que uma partícula percorreu um distância x em "t oscilações" ou "t meia oscilações" ou "t tempos",claramente ele não sabia quanto a oscilação valia em segundos como podemos saber hoje, pois a ideia de "segundos" ou "sistema internacional" não tinha nascido nessa época, mas ele sequer precisava, "uma oscilação de pêndulo" era seu padrão de medida e era uma coisa "absoluta" pois era praticamente constante para o mesmo pêndulo, então de fato fazia sentido dizer que certa coisa levava "t oscilações" para acontecer. Ele fez experimentos com o pêndulo variando a massa do corpo pendurado e a amplitude (não demais), e verificou que o período não dependia de nenhum desses fatores, mas do comprimento do pêndulo, que se mantido constante levaria a períodos constantes consequentemente. Dotado agora de um aparelho de medir tempo, Galileu estava preparado para diversos dos experimentos que nos levariam à cinemática do movimento retilíneo uniforme, ou do movimento retilíneo uniformemente variado.

Dado todo o contexto e aprimoramento da aparelhagem, podemos agora ir para o experimento tão importante, mas infelizmente pouco citado e pouco conhecido na literatura didática, isso pode ser devido a certas dúvidas sobre a veracidade de alguns experimentos devido à antiguidade dos relatos históricos e etc, mas os experimentos de plano inclinado são de fato muito prováveis de terem ocorrido, o que existe é a dúvida se Galileu se inspirou no seu trabalho teórico para fazer os experimentos ou se fez os experimentos para desenvolver a teoria. Enfim, Galileu com o material suficiente (o plano inclinado foi estudado com relógio d'água e não com o relógio de pêndulo), partiu para a experimentação e achou os resultados interessantes conhecidos hoje em dia, como que a distância percorrida no plano inclinado a partir do repouso é proporcional ao quadrado do tempo demorado no trajeto, para um dado ângulo, e fez isso em condição de repetitividade para cada ângulo, vendo que isto valia para todos os ângulos trabalhados, e supondo a aceleração de queda livre constante (e consequentemente aceleração de queda num dado ângulo), ele comprovou experimentalmente a previsão da dependência quadrática do tempo:

S=\frac{at^2}{2}

Outro experimento feito por ele usou um segundo plano inclinado,posto em frente ao outro, tal que o corpo descia a partir do repouso do primeiro plano e com isso chegava até o outro plano e o subia. Ele procurava padrões em sua experimentação, e sagazmente percebeu que a altura que o corpo era abandonado era a mesma que ele subia no outro plano, razoavelmente pelo experimento, e assim ele cria o primeiro indício da conservação de energia, que de fato relaciona a energia potencial de um corpo com sua altura em relação "ao chão", contudo não desenvolveu a ideia de energia ainda com isso, mas ele a partir de seu resultado extrapolou-o para uma região bem "curiosa". Imagine o seguinte "experimento mental", você coloca um corpo a uma altura h num plano inclinado e o deixa descer até que ele chega em outro plano inclinado e devido a isso o sobe, sabemos pela nossa lei que ele chegará na mesma altura h, podendo percorrer várias distâncias diferentes se variarmos os ângulos, contudo, imagine que fazemos o ângulo de abertura do nosso plano diminuir, com isso a distância aumenta, pois ele precisa percorrer uma maior distância para uma mesma altura, agora imagine que fazemos esse ângulo de abertura infinitesimalmente pequeno, tal que o plano é praticamente horizontal, a partícula deve percorrer uma distância infinita para conseguir subir até a mesma altura h, o que levaria um tempo infinito, e ela pode ficar com praticamente a mesma velocidade se fizermos o plano horizontal o suficiente, ou seja , nossa partícula nunca para e fica com a mesma velocidade para sempre se não existir outra força externa agindo sobre ela, que é o princípio da inércia. Ou seja, brilhantemente Galileu consegue nos induzir ao princípio da inércia, que seria usado mais tarde para construir a mecânica Newtoniana, apenas a partir de seus resultados empíricos e seu raciocínio, o que então dá uma justificativa plausível para recusar a hipótese de Aristóteles e nos permite chegar enfim à nova era científica de experimentação e axiomatização de teorias.

Pontos relevantes abordados na história:

-Importância do experimento na pesquisa científica

-Importância da construção de material preciso para medição

-Repetitividade do experimento como fator de precisão

-Extrapolação de leis empíricas a partir de experimentação

-A história evidencia a ideia de extrapolação de padrões ou princípios a partir de resultados, que podem mais tarde ser axiomatizados numa teoria científica de fato (Resultados ajudaram a gerar a mecânica Newtoniana).

-Os sentidos humanos algumas vezes são equipamentos sensoriais ou de medida falhos.

-O senso comum muitas vezes pode ser usado para extrapolação de princípios falhos sobre a natureza, evidenciando que ao estudarmos a natureza não podemos nos limitar apenas ao que nos parece "normal" ou "intuitivo".

Mais tarde, após tudo isso, a ciência no que se refere à Física teve uma renovação na experimentação, que fez o conhecimento científico crescer continuamente. Hoje em dia, o experimento em geral se vê mais "poderoso" cada vez que o tempo passa, por técnicas de análise de erro experimental ou etc, que estudaremos posteriormente no nosso curso. Voltando ao foco deste curso, que é a capacitação do estudante a realizar os testes experimentais das olimpíadas científicas, abordaremos, nunca fugindo das ideias desta introdução, os métodos de análise de erro de medidas, construção de um relatório científico, envolvendo gráficos e tabelas, e a estimativa do "erro" associado a quantidades medidas experimentalmente nas próximas aulas.