Por Lucas Shoji
Nessa aula vamos aprender a essência da espectroscopia, a área da astronomia que lida com espectros. Dividimos essa aula em duas partes: a primeira sobre a emissão de corpo negro e a segunda sobre linhas espectrais. Sem mais delongas, vamos lá!
Emissão de corpo negro
Primeiro revisaremos o conceito de espectro eletromagnético. O espectro eletromagnético é o intervalo completo de todas as frequências possíveis das ondas eletromagnéticas, indo desde frequências muito baixas (como o rádio) até frequências muito altas (raios cósmicos). Sendo uma onda, podemos relacionar a frequência e o comprimento de onda com .
Dito isso, vamos avançar para o conceito de corpo negro. O corpo negro ideal é um corpo que absorve tudo o que incide em sua superfície, sem refletir ou transmitir nada. Logo, o albedo (fração de luz refletida em relação à incidida) de um corpo negro é zero. Assim, ele é chamado de absorvedor ideal. Também, por conservação de energia, se o corpo negro estiver em equilíbrio térmico, a energia incidida tem de ir para algum lugar: ele emite toda a radiação eletromagnética incidente nele. Portanto, o corpo negro é um emissor ideal.
Quando assumimos a energia eletromagnética como composta de pequenos pacotes quânticos, fótons com energia cada um, a emissão de um corpo negro ideal ocorre segundo a lei de Planck:
Usando e :
Se não souber o conceito de intensidade, reveja a parte de conceitos fotométricos.
Se assustou com as fórmulas? Fique tranquilo, você não precisará decorar isso para olimpíadas de astronomia. Porém, algumas ideias que tiramos dessa função são importantes. Vamos plotar a lei de Planck no comprimento de onda:
Não se preocupe com a curva preta por enquanto.
Quando derivamos a lei de Planck no comprimento de onda e igualamos a zero, obtemos o comprimento de onda correspondente à máxima emissão (pico da curva):
onde é a constante de Wien. Assim, temos um ótimo instrumento para estimar a temperatura de corpos negros.
Também, integrando a função de Planck e multiplicando por (ângulo sólido total), obtemos o fluxo na superfície, conhecida como lei de Stefan-Boltzmann:
onde é a constante de Stefan-Boltzmann.
Se esférico, esse fluxo é distribuído em uma área de , e a luminosidade do corpo será dada por
Isso é uma importante ferramenta para encontrarmos o raio desses corpos.
Da lei de Planck, conseguimos obter aproximações para frequências muito altas ou muito baixas.
Quando , com a aproximação para , . Substituindo isso, chegamos em
a chamada lei de Rayleigh-Jeans, plotada com a linha preta na figura 2. Essa relação é particularmente útil em exercícios de radioastronomia, e é interessante saber para os treinamentos. A física clássica só previa essa lei para a emissão de um corpo negro, em que para comprimentos de onda pequenos a emissão vai para o infinito. Como isso claramente não faz sentido, o problema foi chamado de "catástrofe do ultravioleta" e posteriormente foi uma das causas da física quântica.
Depois de tudo isso, você pode se perguntar: o que esse monte de equações ajuda na compreensão sobre as estrelas? Simples, na verdade, estrelas são quase corpos negros. Vejamos o espectro do Sol:Figura 3: Espectro Solar comparado com corpo negro de área equivalente. Adaptado de Wikimedia Commons
Vemos que a curva corresponde muito bem ao espectro do Sol. Porém, vemos inúmeros pequenos "vales" de absorção luminosa. Na próxima seção, vamos observar porque isso ocorre.
Linhas espectrais
Leis de Kirchhoff para a radiação
Quando repetimos o experimento clássico da decomposição da luz solar por um prisma, com muita cautela, observamos pequenas linhas escuras em seu espectro, como visto no final da seção anterior. No século XIX, os químicos descobriram que, quando esquentavam um gás de determinado elemento, esse gás emitia luz em linhas bem específicas de comprimento de onda, gerando uma espécie de assinatura única dos elementos (Figura 4). Assim, nasceu a técnica da análise espectral, a identificação de substâncias por meio dos seus espectros.
Gustav Kirchoff, um dos participantes da descoberta, sugeriu 3 leis para explicar o fenômeno:
- Um corpo opaco quente, sólido, líquido ou gasoso, emite um espectro contínuo.
- Um gás transparente produz um espectro de linhas brilhantes (de emissão). O número e a posição destas linhas depende dos elementos químicos presentes no gás.
- Se um espectro contínuo passar por um gás à temperatura mais baixa, o gás frio causa a presença de linhas escuras (absorção). O número e a posição destas linhas depende dos elementos químicos presentes no gás.
A luz das estrelas passa por toda a sua composição antes de emitida para o universo, gerando um espectro de absorção. Assim, conseguimos uma técnica eficiente para obtermos a composição de estrelas! Demorou até o início do século XX para explicar, parcialmente, a origem dessas linhas espectrais.
Átomo de Bohr
Muitos modelos atômicos foram feitos antes e depois do de Bohr, mas vamos explorar somente esse, pois é a mais usada quando o contexto é olimpíadas de astronomia, embora só funcione para o hidrogênio. O passo mais inovador dado por Bohr foi quantizar o momentum angular dos elétrons em , onde é a constante de planck reduzida. Mas o que significa quantizar? Quantizar, na física, significa definir que uma variável só aparece em múltiplos de uma outra, chamados de quanta (plural de quantum). Nada de muito místico nesse contexto. Assim, o momento angular é múltiplo de .
O momentum angular é dado por:
Como as órbitas eletrônicas são assumidas circulares, podemos calcular a resultante centrípeta, igualá-la à força eletrônica e substituir a velocidade:
Calculando a energia de cada órbita:
Suponha um elétron que vai da camada exterior , mais energética, para , menos energética. A diferença de energia resulta num fóton de energia . Vamos calcular o valor do comprimento de onda do fóton:
onde é a constante de Ryldberg.
Descobrimos que esses comprimentos de onda são exatamente aqueles observados nos espectros de absorção (o elétron vai para camada mais energética) e emissão (elétron vai para camada menos energética) do hidrogênio!
Assim, podemos observar séries de linhas devido aos níveis eletrônicos. Os mais famosos são a série de Lyman, que compreende as transições para , e a série de Balmer, que por sua vez engloba as transições para . As linhas Balmer também são chamadas de (para ), (para ) e assim por diante.
Analisando espectros
Agora que sabemos a origem das linhas espectrais, podemos começar a analisar o espectro para obtermos ainda mais informações da estrela. Quando um emissor de luz tem uma velocidade radial em relação a um observador, observa-se um desvio no comprimento de onda em relação ao comprimento de onda de repouso , dada pelo efeito Doppler:
onde é o famoso redshift. Note que essa é uma aproximação não relativística, e vale para velocidades muito pequenas em relação à velocidade da luz, . Uma regra prática é considerar para .
Como as estrelas têm uma velocidade radial em relação à nós, podemos comparar o comprimento de onda para uma certa banda numa estrela com o observado em um laboratório (com velocidade radial zero). Assim, conseguimos obter a velocidade radial das estrelas! Podemos usar isso em incontáveis formas: detectar exoplanetas, medir a velocidade de rotação de galáxias, e até mesmo descobrir a expansão do universo.
Uma outra consequência importante do efeito Doppler é o alargamento Doppler. Como os átomos possuem velocidades próprias aleatórias devidas à temperatura, isso causa um alargamento da linha espectral, gerando uma banda. Esse efeito atualmente não é cobrado quantitativamente em olimpíadas.
Por fim, conseguimos descobrir muitas características das estrelas, só pelo espectro delas: temperatura, raio, composição química e velocidade radial. Isso indica o quão importante esse método é para a astronomia.