Interiores Estelares

Por Fabrizio Ferro

Antes de analisar o conjunto de princípios e equações que governam a estrutura e evolução estelar, seria interessante saber: O que é uma estrela? Talvez a definição mais simples de uma estrela seria a de um corpo limitado por sua própria gravidade que libera energia, em forma de radiação, suplantada por fontes internas (necessariamente incluindo reações termonucleares). Uma definição alternativa seria a de um conjunto de plasma ionizado auto-gravitante governado por forças magneto-hidrodinâmicas que mantém o equilíbrio hidrostático devido a sua fonte interna de energia gerada por meio de reações termonucleares. A última definição foi apresentada na hipotética situação do leitor querer impressionar alguém, e deve ser ignorada de outra forma.

Uma interessante consequência da definição de estrelas é que elas devem evoluir. Conforme elas liberam a energia produzida internamente, mudanças em sua estrutura ou composição devem ocorrer. Podemos também inferir que as estrelas podem “morrer”, ou pela violação da condição de auto-gravidade (e.g. o material é dispersado) ou pela violação da energia de radiação proveniente de uma fonte interna (e.g. exaustão do “combustível” nuclear da estrela).

Nesta seção, vamos analisar o conjunto de equações que governam a estrutura e evolução estelar. Por mais que o modelo adotado seja simplificado, ele será suficientemente completo para nos oferecer intuição sobre a estrutura das estrelas. Como em qualquer fenômeno físico complexo, vamos começar nossa análise com aquilo que se conserva.

Equação da Energia

Se a distância média que uma partícula percorre entre colisões (caminho médio livre) for menor do que as dimensões do sistema, equilíbrio termodinâmico ocorre localmente. Se, além disso, o tempo médio entre colisões (tempo médio livre) for muito menor do que a escala de tempo envolvida nas mudanças das propriedades macroscópicas do sistema, o equilíbrio termodinâmico é assegurado, mas a distribuição de temperatura pode variar com o tempo. Nos interiores estelares, ambas as condições são satisfeitas.

Vamos agora considerar um elemento de massa entre uma distância r e r+dr do centro da estrela, podemos considerar sua temperatura, densidade e composição aproximadamente como constantes. A partir da suposição da simetria esférica da estrela, sendo \rho a densidade, o elemento de massa dm será dado por:

dm=4\pi {r}^{2}\rho\ dr       (1)

Vamos adotar u como a energia interna por unidade de massa e P como a pressão. Será denotado por \delta f uma mudança no valor de uma quantidade f, característica do elemento de massa, em um curto período de tempo. Neste caso a descrição Lagrangiana (que lida com as propriedades de uma massa controlada), ao invés da Euleriana (que lida com as propriedades de um volume controlado), do fluido foi utilizada. Logo, se \delta Q for a energia absorvida (\delta Q data-recalc-dims=0" />) ou emitida (\delta Q<0) pelo elemento de massa, e \delta W for o trabalho realizado no elemento de massa em um intervalo \delta t, então pela primeira lei da termodinâmica:

\delta (udm)=\delta Q+\delta W

dm\delta u=\delta Q+\delta W       (2)

Onde foi assumido que a massa do elemento de massa permaneceu constante. \delta W pode ser expressado por:

\delta W=\delta(-PdV)

\delta W=-P\delta(dV)

\delta W=-P\delta \left( \frac{dV}{dm}dm \right)

\delta W = -P\delta \left( \frac{1}{\rho} \right) dm

Agora, considere a energia fluindo pela superfície esférica (de massa m) como F(m). Note que a dimensão de F é energia por unidade de tempo, não energia por unidade de tempo por unidade de área, consequentemente F(M)=L (ver figura f).

Figura 1:  Energia fluindo pelo elemento de massa.

Sendo q a energia nuclear liberada por unidade de massa, \delta Q será dado por:

\delta Q=q\ dm\delta t+F(m)\delta t - F(m+dm) \delta t

Mas F(m+dm)=F(m)+\left( \frac{\partial F}{\partial m} \right) dm, logo:

\delta Q=\left( q\ dm\delta t-\frac{\partial F}{\partial m} \right) dm\delta t

\delta Q=\left( q-\frac{\partial F}{\partial m} \right) dm\delta t

Substituindo as expressões encontradas de \delta Q e \delta W na equação (2) e rearranjando os termos:

dm\delta u+P\delta \left( \frac{1}{\rho} \right) dm=\left( q-\frac{\partial F}{\partial m} \right) dm\delta t

Considerando o limite em que \delta t\rightarrow 0, obtemos:

\boxed{\dot{u}+P \dot { \left( \frac { 1 }{ \rho } \right) }=q-\frac{\partial F}{\partial m}}       (3)

Na condição de equilíbrio térmico:

dm\delta u=\delta W;

F(m+dm)=q\ dm+F(m);

\delta Q=0;

E qualquer outro argumento similar. Logo:

q=\frac{dF}{dm}

Integrando a expressão acima em toda massa M:

\int_{0}^{M}{q\ dm}=\int_{0}^{L}{dF}       (4)

O segundo termo da equação () será simplesmente a luminosidade L da estrela. O primeiro termo será a potência total da estrela provida de reações nucleares, ou a Luminosidade nuclear {L}_{nuc}:

{L}_{nuc}=\int_{0}^{M}{q\ dm}

Logo, a condição de equilíbrio térmico implica que a estrela irradia energia na mesma taxa que ela é produzida em seu interior.

\boxed{L={L}_{nuc}}       (5)

Equação do Movimento

Vamos agora considerar uma pequena parcela cilíndrica a uma distância r do centro da estrela (ver figura 2). Esta parcela possui uma área de base dA, comprimento dr e densidade \rho, logo, sua massa \Delta m será:

\Delta m=\rho\ dr\ dS       (6)

Figura 2: Forças agindo na parcela cilíndrica

As forças agindo neste cilindro serão: (i) as forças resultantes da pressão do gás cercando o elemento, e (ii) a força gravitacional. Mas como estamos considerando uma distribuição esférica, as pressões aplicadas nas laterais da parcela se cancelam, e apenas as pressões nas bases precisam ser consideradas. Partindo da mesma premissa (i.e. simetria esférica), a força gravitacional será exercida perpendicularmente a base do cilindro, em direção ao centro da estrela, e  pela massa esférica m interior ao raio r. Denotando a aceleração do elemento de massa por \ddot{r} (Notação de Newton), podemos escrever sua equação de movimento da seguinte forma:

\Delta m\ \ddot{r}=-\frac{Gm\Delta m}{r^2}+P(r)\ dS-P(r+dr)\ dS

Mas P(r+dr)=P(r)+\left( \frac{\partial P}{\partial r} \right) dr, logo:

\Delta m\ \ddot{r}=-\frac{Gm\Delta m}{r^2}-\left( \frac{\partial P}{\partial r} \right) dr\ dS

Utilizando a expressão (6) de \Delta m e substituindo no segundo termo da equação da direita:

\Delta m\ \ddot{r}=-\frac{Gm\Delta m}{r^2}-\left( \frac{\partial P}{\partial r} \right)\frac{\Delta m}{\rho}

Dividindo ambos os lados por \Delta m:

\boxed{\ddot{r}=-\frac{Gm}{r^2}-\frac{1}{\rho}\frac{\partial P}{\partial r}}       (7)

Uma forma alternativa desta equação, mas muito útil, utiliza a transformação dr=\frac{dm}{4\pi r^2\rho}. Desta forma a equação () se transforma em:

\boxed{\ddot{r}=-\frac{Gm}{r^2}-4\pi r^2\frac{\partial P}{\partial m}}       (8)

As equações (7) e (8) são as equações diferenciais que descrevem a dinâmica de uma estrela. Note que as estrelas, na maior parte do tempo, estão em Equilíbrio Hidrostático (i.e. a força gravitacional está em equilíbrio com a pressão). Desta forma, podemos negligenciar o valor de \ddot{r}=0, obtendo as equações do equilíbrio hidrostático:

\boxed{\frac{dP}{dr}=-\rho\frac{Gm}{r^2}}       (10)

\boxed{\frac{dP}{dm}=-\frac{Gm}{4\pi r^{4}}}       (11)

Como o lado direito das equações (10) e (11) sempre será negativo, podemos concluir que o equilíbrio hidrostático implica que a pressão decresce conforme a distância do centro aumenta. A primeira vista, a equação (10) parece mostrar que o gradiente de pressão tende ao infinito conforme a distância do centro diminui. Isto, entretanto, é uma conclusão errônea, pois \rho\frac{m}{r^2} tende a zero com r.

As equações (10) e (11) podem ser utilizadas para estimar a pressão no centro de um corpo em equilíbrio hidrostático. O termo “corpo” foi escolhido sabiamente, pois tais estimativas também são razoáveis quando aplicadas a planetas gasosos, ou quaisquer outros corpos que estejam em equilíbrio hidrostático. Manipulando e integrando a equação (), obtém-se:

\int_{P(0)}^{P(M)}{dP}=\int_{0}^{M}{-\frac{Gm}{4\pi r^{4}}dm}

P(M)-P(0)=\int_{0}^{M}{-\frac{Gm}{4\pi r^{4}}dm}

A pressão na superfície é praticamente nula, P(M)\approx 0, e o segundo termo do lado esquerdo é a pressão central, P(0)\equiv {P}_{c}, assim:

{P}_{c}=\int_{0}^{M}{\frac{Gm}{4\pi r^{4}}dm}

É possível substituir r pelo raio da estrela R, de forma a obter um limite inferior da pressão central (r sempre seria menor ou igual a R, logo esta aproximação iria subestimar o valor da pressão central).

{P}_{c}=\int_{0}^{M}{\frac{Gm}{4\pi r^{4}}dm} data-recalc-dims=\int_{0}^{M}{\frac{Gm}{4\pi R^{4}}dm}" />

{P}_{c} data-recalc-dims=\frac{GM^2}{8\pi R^{4}}" />

Também podemos utilizar a equação (10) para realizar uma estimativa similar. Manipulando e integrando:

\int_{P(0)}^{P(R)}{dP}=\int_{0}^{R}{-\rho\frac{Gm}{r^{2}}dr}

Novamente, a pressão na superfície é praticamente nula, e P(0)\equiv {P}_{c}. Considere também (de forma errada) que a densidade \rho é constante. Dessa forma, a massa m interior a esfera de raio r será m=\frac{4\pi}{3}r^{3}\rho, e a integral é simplificada:

{P}_{c}=\int_{0}^{R}{\frac{4\pi}{3}G{\rho}^{2}r\ dr}

{P}_{c}=\frac{2\pi}{3}G{\rho}^{2}R^2

Mas \rho=\frac{3M}{4\pi R^3}, substituindo:

\boxed{{P}_{c}=\frac{3GM^2}{8\pi R^{4}}}       (12)

Teorema do Virial

É interessante perceber a implicação que o equilíbrio hidrostático tem na relação entre a energia gravitacional e a energia interna da estrela. Se a temperatura fosse menor (menor energia interna) a pressão não seria alta o suficiente para balancear a força gravitacional, e a estrela iria começar a contrair. Se a temperatura fosse maior (maior energia interna) a pressão superaria a força gravitacional, e a estrela iria expandir. Tal observação gera uma pergunta: Existe alguma relação entre a energia interna e gravitacional para uma estrela em equilíbrio hidrostático? O leitor provavelmente adivinharia que sim, já que o título desta subseção é o nome de um teorema e a pergunta não teria sido formulada do contrário.

Para as típicas temperaturas envolvidas no interior estelar, podemos tratar o material estelar como um gás ionizado, que segue os resultados obtidos pela mecânica estática de forma similar a um gás ideal. Consideremos então o caso de um gás ideal de densidade \rho, temperatura T, com partículas de massa {m}_{g}. A pressão do gás é dado por P=nkT, onde n é a densidade numérica de partículas e k é a constante de Boltzmann. Mas n=\rho/{m}_{g} então podemos reescrever a pressão como P=\frac{\rho}{{m}_{g}}kT. A energia cinética por partícula em 3 dimensões é \frac{3}{2}kT. Para um gás ideal a energia interna é a energia cinética de suas partículas, logo a energia interna por unidade de massa é:

u=\frac{3}{2}\frac{kT}{{m}_{g}}       (13)

Podemos substituir P\frac{\rho}{{m}_{g}}kT na equação acima, obtendo:

\frac{P}{\rho}=\frac{2}{3}u       (14)

Agora, vamos tentar relacionar a energia interna com a gravitacional para uma estrela em equilíbrio hidrostático. Manipulando a equação (11) e multiplicando pelo volume V da massa esférica interior ao raio r, obtém-se:

V\ dP=-\frac{Gm}{4\pi r^{4}}V\ dm

Mas pela simetria esférica V=\frac{4\pi}{3}r^{3}, logo:

V\ dP=-\frac{1}{3}\frac{Gm}{r}dm

Integrando sobre toda a estrela:

\int_{0}^{P(R)}{V\ dP}=\frac{1}{3}\int_{0}^{M}{-\frac{Gm}{r}\ dm}       (15)

É possível perceber a energia potencial gravitacional no lado direito da equação

\Omega=-\int_{0}^{M}{\frac{Gm}{r}\ dm}       (16)

Substituindo (14) em (13):

\int_{0}^{P(R)}{V\ dP}=\frac{1}{3}\Omega       (17)

Aparentemente estamos travados. Entretanto, podemos realizar integração por partes na integral do lado esquerdo da equação (15). Este truque é muito útil na transformação de várias integrais, e não será a última vez que você vai encontrá-lo.

\int_{0}^{P(R)}{V\ dP}={[VP]}^{R}_{0}-\int_{0}^{V(R)}{P\ dV}

Mas como a pressão é nula na superfície, e o volume tende a zero com r, o primeiro termo da equação da direita é zero. Substituindo:

-\int_{0}^{V(R)}{P\ dV}=\frac{1}{3}\Omega

-\int_{0}^{M}{P\frac{dV}{dm}\ dm}=\frac{1}{3}\Omega

\boxed{-\int_{0}^{M}{P\frac{1}{\rho}\ dm}=\frac{1}{3}\Omega}       (18)

Substituindo (14) em (18):

-2\int_{0}^{M}{u\ dm}=\Omega

Mas o lado direito da equação () é simplesmente a energia interna, \int_{0}^{M}{u\ dm}=U. Desta forma nós derivamos o Teorema do Virial para uma estrela:

\boxed{U=-\frac{1}{2}\Omega}       (19)

Como foram feitas poucas aproximações, esta relação deve ser válida para qualquer P(r), T(r), M(r). Desde que as condições de equilíbrio hidrostático, simetria esférica e gás ideal sejam asseguradas.