Platão

Agora passamos a um dos pensadores mais influentes do Periodo Clássico. Talvez um dos maiores legados que Platão nos deixou tenha sido a própria base do nosso conhecimento de filosofia; afinal, como Alfred North Whitehead disse: a tradição filosófica europeia inteira ‘consiste numa série de notas de rodapé a Platão’. Desde a conceção de suas ideias até hoje, a sua busca sagaz pela sabedoria deixou a sua marca inevitavelmente na fundação da sociedade ocidental tal qual a conhecemos. Se falamos de sua Academia, que talvez constitua o predecessor último a nossa conceção atual duma universidade, ou da forma de diálogo de suas obras, que proporciona um grau incomparável de verossimilhança, temos que a vida – e as obras – de Platão merecem um escrutínio meticuloso, que esperamos fornecer nesta aula.
Por cosmologia Platônica abarca-se uma ampla extensão de ideias, que variam desde a estética e um entendimento do amor, apresentado em obras como seu ‘Simpósio’, até nosso conhecimento epistemológico e uma conceção da realidade, apresentado em obras como a sua ‘República’. Talvez o fator mais elusivo para incluir numa análise das ideias de Platão é a ambiguidade Sócrates-Platão. A expressão das ideias de Platão por meio de diálogos socráticos dificulta a distinção entre as ideias próprias de Platão e as de seu mentor, ou vice-versa, especialmente porque Sócrates não deixou nenhuma obra escrita. Talvez tenha sido esta ambivalência que forneceu-lhe a Platão com proteção idónea contra o mesmo destino venenoso que seu estimado mentor, obscurecendo as fronteiras entre a expressão e a dissimulação. Sendo assim, o nosso conhecimento tanto de Platão quanto de Sócrates é de certa forma opaco e impenetrável. Contudo, mesmo assim, é possível – e preferível – considerar as ideias dos dois filósofos separadamente, sem negar a sua influência mútua um ao outro.
Nesta aula, então, vamos explorar a vida de Platão num breve resumo, para situar sua perspectiva sobre a filosofia num tempo de grande inquietação e mudança politica. Após isso, vamos atravessar as ideias de Platão, rastreando suas analogias e teses chaves ao longo das várias áreas de sua filosofia. Embora seja impossível destilar fronteiras nítidas entre os aspectos da vida que Platão aborda, é talvez mais prestativo enfrentar suas ideias com prismas diferentes. Por conseguinte, vamos explorar o entendimento de Platão de temas como a epistemologia, a política e a estética, para desenvolver uma abordagem mais variada e diferenciada quanto a este filósofo chave e sua importância.

Nascido em cerca de 428 a.C., Platão veria grande agitação social durante a sua carreira filosófica; a guerra do Peloponeso, a derrota de Atenas, a oligarquia espartana, e o restabelecimento da democracia. Porém, não se sabe muito sobre a vida de Platão. Acredita-se que o grande filósofo nasceu sob o nome de ‘Arístocles’, como o seu avô, e que os seus pais foram membros da aristocracia grega. Quanto a sua educação, várias fontes antigas descrevem a sua modéstia e mente sagaz, constatando que ele também foi lutador hábil. Nesta aula, vamos abordar os momentos mais decisivos da vida de Platão, pra desvelar as influências em sua filosofia.

A GUERRA DO PELOPONESO

De acordo com várias fontes, Platão serviu no exército entre 409 e 404 a.C., final da Guerra do Peloponeso. Esta guerra era de importância singular com respeito ao mundo de então, envolvendo uma batalha não somente entre Atenas e Esparta, senão também entre a democracia e a oligarquia, os anos dourados culturais e a austeridade militar. Após 27 anos de luta, os vitoriosos foram os Espartanos, marcando o fim da democracia ateniense. Isso teria efeitos inesperados na filosofia de Platão, mais especificamente na sua filosofia politica.
A oligarquia foi mantida pelos Trinta Tiranos, um grupo de trinta magistrados pro-Espartanos. Na verdade, Platão foi aparentado com Cármides, um dos líderes e o irmão de sua mãe e, depois da guerra, Platão juntou-se com a oligarquia formada em 404 a.C. No entanto, embora o seu reinado haja sido breve, os tiranos acabaram confiscando a propriedade dos cidadãos, exilando outros partidários da democracia e até mesmo matando a 5% de população ateniense. Apesar de seu enfoque particular em apagar os direitos democráticos dos atenienses, os tiranos não removiam direitos de todos os atenienses, pois elegiam trinta mil homens que podiam levar armas, viver dentro dos limites da cidade, e que inclusive conservaram o direito de ter um julgamento por júri popular. É este favorecimento que mostra efeitos maracantes na política de Platão, ou melhor, na sua antipatia pela oligarquia, que vamos discutir nas partes posteriores desta aula, e que até incitou-lhe a deixar o governo.

A REINTEGRAÇÃO DA DEMOCRACIA E A MORTE DE SÓCRATES

Quando a democracia se reinstalou em 403 a.C., Platão ainda abrigava ambições políticas, pois ele esperava que o retorno trouxesse consigo uma oportunidade de se envolver na política. Entretanto, os excessos da democracia ateniense, ademais dos trágicos eventos consequentes, empurraria a Platão para fora duma vida política.
A principal razão pela qual Platão abandonou a ideia de uma carreira política foi talvez um dos feitos mais hipócritas da democracia, a morte do seu mentor, Sócrates. Durante a oligarquia, Sócrates ganhou para si, devido a várias ocasiões, uma má reputação. Por exemplo, quando foi ordenado a prender um cidadão inocente, cujo dinheiro se cobiçava, ele recusou ao governo, apesar dos perigos apresentados por desobedecer a uma ordem governamental numa época sem democracia. Igualmente, com a reinstalação da democracia, Sócrates chamou a atenção para a inconsistência de ser influenciado pela eloquência dum orador habilidoso em vez de questionar sua capacidade como político.
No entanto, mesmo se estas afirmações provocaram a admiração de muita gente, também causavam ressentimento considerável entre os oficiais de Atenas e, ironicamente, foi com a democracia reintegrada que Sócrates foi acusado de ímpio e de corruptor da juventude. A consequente morte de Sócrates em 399 a.C. instigou-lhe a Platão dissociar-se da política ateniense e deixar Atenas, disposto a viajar ao redor do mundo, e poderíamos traçar uma relação clara entre a morte de Sócrates e a sua desilusão com a democracia, visível na sua ‘República’.

A ACADEMIA

Por volta de 387 a.C., após sua longa viagem pela Itália, Sicília e Egito, Platão fundou a sua escola filosófica no arvoredo do herói grego Academo, razão pela qual a chamou de ‘Academia’ (Akadḗmeia). Qualquer pessoa que tenha visto ‘A Escola de Atenas’ de Rafael poderá apreciar a grandeza desta escola, ainda que obviamente a realidade seja provavelmente muito distinta de nossa conceção duma academia. Ainda assim, esta instituição é reconhecida como a primeira universidade do mundo por muitas fontes; aliás, a palavra ‘académico’ é herança etimológica desta escola formidável.

A Academia era uma comunidade formada de pessoas reunidas de todo o mundo grego, que vinham para ouvir palestras dadas por Platão, e aprender filosofia de suas obras dialéticas. Na verdade, as razões pela qual Platão decidiu estabelecer esta escola são irrevogavelmente ligadas ao sua desilusão amarga com os padrões dos políticos atenienses. Ele esperava melhorar a liderança política de localidades, ensinando jovens de toda a Grécia os valores que ele considerava indispensáveis.

Platão liderou a sua Academia durante cerca de 40 anos, desde 387 a.C. até sua morte em 347 a.C., mas sua escola conseguiu manter-se com o passar de muitos anos. As narrativas acerca de seu ‘fechamento’ variam vastamente, situando-se numa gama de períodos que correspondem desde 529 d.C., quando supostamente o imperador cristão Justiniano a fechou por ser estabelecimento pagão, até 86 a.C., quando o ditador Sula assediou Atenas e a conquistou, devastando a Academia. Este último relato parece-me mais provável. Como afirma Plutarco, ‘ele lançou suas mãos sobre os arvoredos sagrados e destroçou a Academia, que era a mais arborizada dos subúrbios da cidade, bem como o Liceu.’

A narrativa do imperador Justiniano se refere mais provavelmente à revivificação da Academia durante o século V, quando alguns partidários do neoplatonismo a estabeleceram, chamando-lhes a si mesmos os ‘sucessores’ de Platão. Mesmo assim, não havia continuidade nem geográfica, nem institucional, nem econômica nem pessoal entre esta nova ‘Academia’ e a original de Platão e, conforme mencionado, a escola foi fechada em 529 d.C.. Mas ainda é importante reconhecer a tentativa da ressuscitação da Academia para estar ciente de sua influência profunda e da importância de estudar as obras e ideias de Platão.

-Aula escrita por Etta Selim


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