O Pensamento Político de Aristóteles - Parte 1

Segundo a filósofa e intelectual brasileira Marilena Chaui, há três linhas teóricas quando se fala da relação entre política e ser humano. Uma que versa que a razão funda a política; outra que traz a ideia de que a convenção funda a política; uma terceira que relaciona a política a uma origem natural. Esta última representa o partido teórico tomado por Platão e por seu discípulo, objeto de estudo desta aula, Aristóteles. Ambos acreditavam que a organização política entre os seres era algo natural.

A partir disso, ou junto a isso, são postas as funções da política. Antes de tudo, ela é deixar a Cidade – pólis, ou simplesmente comunidade – feliz e fazer o bem. Esse conceito irá permear toda a teoria política aristotélica, em especial na diferenciação nas formas de governo e na organização do Estado, como será visto posteriormente. Além disso, também seria necessário, segundo o filósofo de Estagira, criarem-se instituições para que o governo se estabeleça, algo que também se incumbe à política.

A CIDADE E O CIDADÃO

Nesse contexto, surge o questionamento sobre qual é o conceito de comunidade. Para Aristóteles, a Cidade é o agrupamento de organizações sociais ainda menores que, por sua vez, abrigam a unidade mínima do tecido social, que é a família – que pode ser considerada, também, uma polis. É neste espaço que surge, naturalmente, a política, como forma de fazer o bem às pessoas e trazer a felicidade a todos os grupos sociais. Sempre se vê no pensamento político aristotélico essa totalidade como alvo das políticas públicas, como pode ser visto na citação abaixo.

Como sabemos, todo Estado é uma sociedade, a esperança de um bem, seu princípio, assim como de toda associação, pois todas as ações dos homens têm por fim aquilo que consideram um bem. Todas as sociedades, portanto, têm como meta alguma vantagem, e aquela que é a principal e contém em si todas as outras se propõe a maior vantagem possível. Chamamo-la Estado ou sociedade política.

Aristóteles; Caiero (2009)

A partir dessa fala aristotélica, é possível compreender que ele acredita que a organização do Estado é natural e é o mesmo que sociedade política. Ainda na concepção de bem, o autor aponta que toda ação humana visa o bem e que as sociedades visam alguma meta ou vantagem, de maneira a relacionar essas duas acepções. Ou seja, como a sociedade é formada por pessoas que querem o bem, ela também vai querer o mesmo.

Nesse sentido, a conceituação de cidadão e de cidadania – geralmente alvo de discussões polêmicas e densas ao longo da História – é extremamente natural. Aquele que, seguindo a etimologia, faz parte da Cidade é o cidadão. Não se confunda naturalidade com simplicidade. Integra essa noção, de início, a educação, para que haja pessoas capazes de dirigirem a polis e de serem dirigidas. Além disso, a participação política é essencial para o funcionamento saudável da sociedade, algo que também é “o ser” cidadão.

Ainda assim, Aristóteles lembra que a residência não pressupõe ou gera o direito da cidadania. Esse é associado ao direito de voto e de participação. As pessoas que não o tem – estrangeiros, escravos, “infames”, bandidos, por exemplo – são comparadas a crianças, ou seja, pessoas que não têm a capacidade de exercer a cidadania em sua plenitude e, dessa maneira, de fazer parte das decisões da Cidade, como pode ser verificado na citação abaixo.

Falemos aqui apenas dos cidadãos de nascimento, e não dos naturalizados. Não é a residência que constitui o cidadão: os estrangeiros e os escravos não são "cidadãos", mas sim "habitantes". [...] É mais ou menos o mesmo que acontece com as crianças que ainda não têm idade para serem inscritas na função cívica e com os velhos que, pela idade, estão isentos de qualquer serviço. [...] Procuramos aqui o cidadão puro, sem restrições nem modificações. Com mais forte razão, devemos deliberadamente riscar desta lista os infames e os banidos. Portanto, o que constitui propriamente o cidadão, sua qualidade verdadeiramente característica, é o direito de voto nas Assembleias e de participação no exercício do poder público em sua pátria.

Aristóteles; Caiero (2009)

Como não podemos conhecer melhor as coisas compostas do que decompondo-as e analisando-as até seus mais simples elementos”, diz Aristóteles. Isto é, a conceituação de qualquer coisa, em especial do ponto de vista político é, antes de tudo, um zoom, ou seja, um maior detalhamento; uma decomposição. Só assim, segundo o filósofo, é possível analisar algo de maneira satisfatória: de dentro para fora.

CLASSIFICAÇÃO DAS PÓLEIS

Dessa maneira, são inicialmente apontadas as diferenças entre as póleis, que se relacionam com as causas anteriormente propostas pelo autor. As características das comunidades são essencialmente três: (i) as regras materiais; (ii) as regras simbólicas; (iii) as finalidades de ambas. Note-se a semelhança e a proximidade delas com princípios de estudo das Ciências Sociais ainda na atualidade e, consequentemente da sociedade atual. Ou seja, isso mostra que, de certa forma, ainda somos guiados por esses princípios, ou ao menos parte deles.

A primeira está intrinsecamente ligada à constituição, no sentido da consolidação de todas as leis materiais; isto é, aquelas que surgiram a partir de demandas sociais e foram alçadas ao nível de regras a serem seguidas pela sociedade com poder coercitivo. Ao menos em tese. Essas leis, além de passarem um perfil do que é a Cidade, também foram usadas por Aristóteles para comparar e classificar diferentes comunidades, novamente usando o fato de se fazem o bem por todos os habitantes e se os deixam felizes como critério base.

A segunda é algo mais orgânico e que muda de forma involuntária, obrigatoriamente e junto com a evolução da sociedade. As regras simbólicas nada mais são do que os valores sociais. Diretrizes que, embora não estejam escritas, são passadas de geração em geração através da socialização e vão mudando conforme o curso da própria humanidade. Elas também serviram para as comparações de Aristóteles, inclusive para entender o efeito e sua relação com a política local.

Por último, tem-se a finalidade, que vai na linha de tudo o que já se viu até aqui. Isto é, na questão do bem comum e de ser feliz. As duas regras têm de atender a esse fim. Caso contrário, há um desvio da forma de governo e uma “não política”. Ou seja, se a população não está sendo atendida e/ou – geralmente esses fatores são interligados – o governante trabalha em causa própria, não há um ambiente saudável, tampouco um bom estabelecimento da política.

O LEGISLADOR

A partir das características presentes e desejadas das póleis, surge a figura do legislador. Ele deve ser uma pessoa formada a partir da construção social, com influência da educação e, a partir dele, dentre outras coisas, surge a figura do governante. Por isso, os cidadãos devem ser bem educados para que, no futuro, haja um bom governo que vise o bem comum e a “meta” ou “vantagem” de toda a sociedade.

Com isso, o legislador será uma pessoa que tem conhecimento amplo sobre todas as questões e a História da Cidade, o que é essencial para que ele redija leis condizentes com as necessidades locais. Isso pode ser observado com muito detalhamento na citação abaixo.

Toda a vida se divide entre o trabalho e o repouso, a guerra e a paz, e todas as nossas ações se dividem em ações necessárias, ações úteis ou ações honestas. Devemos estabelecer entre elas a mesma ordem que entre as partes de nossa alma e seus atos, subordinar a guerra à paz, o trabalho ao repouso e o necessário ou útil ao honesto. Um legislador deve levar tudo isso em consideração ao escrever suas leis; respeitar a distinção das partes da alma e de seus atos; ter especialmente em vista o que há de melhor, assim como o fim que deseja alcançar; conservar a mesma ordem na divisão da vida e das ações; dispor tudo de tal maneira que se possa tratar dos negócios e guerrear, mas que se prefira sempre o repouso aos negócios, a paz à guerra, e as coisas honestas às coisas úteis e até às necessárias. É de acordo com este plano que se deve dirigir a educação das crianças e a disciplina de todas as idades que dela precisam.

Aristóteles; Caieiro (2009)

´ É importante entender a relação entre legislador, bem como e educação. Ao falar em “educação das crianças”, Aristóteles pensa no futuro; na solidificação do sistema político da Cidade. “Subordinar a guerra à paz, o trabalho ao repouso e o necessário ou útil ao honesto” são exemplos de ações que devem ser tomadas em todos os sentidos, novamente, visando o bem comum. Parece cansativo repetir isso, mas não é. Essa é a base da teoria política aristotélica.

Nas frases subsequentes, é dito que sempre se prefere um regime de paz e de políticas voltadas para o progresso interno da cidade, mas que é necessário estar-se preparado para as adversidades, como a guerra. Partindo disso, formulam-se tópicos importantes e que, muitas vezes, seguem-nos até hoje, como é o caso da questão da organização do Estado e dos tipos de governos.

-Aula escrita por João Vitor Zaidan

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