A CONSTITUIÇÃO
Esse conceito é essencial para a compreensão do que será visto à frente. Na obra de Aristóteles, essa palavra tem uma série de significados que, apesar de se referirem a pontos diferentes da teoria, apresentam uma conexão entre ele, sendo que a maioria deles nos acompanha até os dias de hoje.
Inicialmente, há o sentido mais comum até os dias de hoje, que é o ligado a um documento no qual estão expressas as leis e regras de um local. Aristóteles acreditava que essa era a base da pólis, isto é, a partir da Constituição é que a política se desenvolve. A partir disso, pode-se afirmar que o desenvolvimento da cidade e de suas atividades está ligado à forma pela qual foram construídas as leis.
Aqueles, pelo contrário, que se propõem dar aos Estados uma boa constituição prestam atenção principalmente nas virtudes e nos vícios que interessam à sociedade civil, e não há nenhuma dúvida de que a verdadeira Cidade (a que não o é somente de nome) deve estimar acima de tudo a virtude.
Aristóteles; Caieiro (2009)
Outrossim, o filósofo estabelece diversas comparações entre cidades-Estado diferentes, observando seus destaques, de maneira a facilitar e ampliar a compreensão do conceito. Como pode ser observado na citação abaixo, Aristóteles converge sua análise para um objetivo comum das constituições: o de dominar, sobre o qual podem ser feitas algumas reflexões paralelas a teorias mais contemporâneas.
Por mais que consideremos todas as constituições espalhadas por diversas regiões, se suas leis, em sua maioria bastante confusas, têm um fim particular, este fim sempre é dominar. Na Lacedemônia e em Creta, a quase totalidade de sua disciplina e de suas numerosas regras é dirigida para a guerra. Em todas as nações que têm o poder de crescer, entre os citas, entre os persas, entre os trácios, entre os celtas, não há nenhuma profissão mais estimada do que a das armas. Em alguns lugares, existem leis para estimular a coragem guerreira. Em Cartago, as pessoas são decoradas com tantos anéis quantas foram as campanhas que fizeram. Na Macedônia, uma lei pretendia que aqueles que não houvessem matado nenhum inimigo tivessem que andar de cabresto.
Aristóteles; Caieiro (2009)
É importante observar, também, a consideração de que a maioria das leis é confusa, segundo Aristóteles. Além disso, o filósofo associa a dominação sobretudo à guerra e à força física, como pode ser visto em “[...] Em alguns lugares, existem leis para estimular a coragem guerreira”, através do qual, dentre outros, é mostrado que o autor não considera outras formas de dominação ante a militar.
O outro sentido, muito usado pelo autor na descrição das Cidades, é o mais radical da palavra “constituir”, que o de fazer parte. Parece trivial citar isso, mas a recorrência do uso dessa expressão na obra aristotélica é alta, de maneira que, fazendo o uso de uma metonímia, ela constitui uma fatia vital da análise em questão.
OS TIPOS DE GOVERNO
Existe outro sentido da palavra “constituição” que não foi mencionado anteriormente. Isso aconteceu porque, além dele ser bastante abrangente, encontra-se dentro de uma outra parte da teoria política aristotélica; uma muito importante e com a qual pode-se fazer muitas reflexões paralelas com a História recente: a interpretação quanto aos tipos de governo.
A classificação aristotélica é muito abrangente e apresenta uma reflexão, de caráter antes de tudo analítico, sobre as possíveis vertentes de governo, inclusive classificando-as. Antes de chegar a elas, especificamente, cumpre entender o que Aristóteles propôs de maneira geral.
Não há nenhuma dúvida de que o melhor governo seja aquele no qual cada um encontre a melhor maneira de viver feliz. Mas aqueles mesmos que concordam em preferir a vida virtuosa não chegam a um acordo sobre se devemos preferir a vida ativa e política à vida contemplativa e livre da confusão dos negócios humanos, vida esta que alguns consideram como a única digna do filósofo.
Aristóteles; Caieiro (2009)
Pode-se perceber, inicialmente, mais uma inserção do objetivo principal de tornar e manter a vida da cidade feliz. Isso será retomado mais à frente de uma perspectiva diferenciada. Note-se que também se faz uma menção ao fato de não ser possível chegar a um acordo sobre como tomar o curso da pólis, fator esse que exerce grande influência sobre o partido teórico escolhido por Aristóteles dentre as formas de governo.
Quando se trata de uma formação política de “uma pessoa”, podem ser basicamente a monarquia e a tirania. A diferença consiste no seguimento do objetivo central, rememorado no parágrafo anterior. Se é possível chegar a um consenso e atender toda a população, um governo constituído por uma só pessoa é considerado bom e chamado de monarquia.
Lembra-se que esse é um conceito teórico e não necessariamente é compatível com a noção monárquica, por exemplo, do Antigo Regime, que está mais próxima da tirania, como será visto. Dá-se o exemplo do reino como um tipo de governo de uma única pessoa que deixa as pessoas felizes. O importante, em Aristóteles, não é a representação, mas sim o caráter da atuação.
A tirania, em contrapartida, acontece quando uma só pessoa, mas ela conduz a gestão em torno de apenas seus interesses. Dessa maneira, uma – grande – parte da sociedade fica desassistida e o objetivo de manter a Cidade feliz não é cumprido, de maneira que esse é classificado como um governo ruim. O absolutismo monárquico, mencionado antes, pode ser visto como um exemplo, visto que era centrado na figura e interesses do rei.
Em se tratando de formações de “poucas pessoas” (oligo, de uma perspectiva etimológica), os governos podem ser aristocracias e oligarquias. Note-se que, na atualidade, ambas não são bem vistos, de maneira geral, e sempre usados ou de maneira pejorativa ou para se referir a formas falhas da democracia. Pode-se fazer relações com essas noções, em especial quando se fala de governos ruins, mas é necessário ter cautela, já que as classificações representam significados diferentes.
A aristocracia é vista como a forma desejada de um governo bom, isto é, que preza pelo interesse geral. Apesar de ser constituída por um conjunto limitado de pessoas, se for seguida a práxis correta, não há problemas. Na verdade, Aristóteles aponta mais qualidades, como a questão de uma escolha de governantes melhores e mais capacitados.
Por outro lado, a oligarquia representa uma forma de governo ruim, já que é centrada apenas nos objetivos individuais das pessoas que ocupam o poder, de maneira que a Cidade não é feliz. Esse conceito pode ser aproximado da noção contemporânea, todavia, é necessário tomar cuidado quando se fala de democracia na teoria aristotélica, visto que ela tem outro significado.
Isso se dá porque, dentre os governos de “muitas pessoas”, o filósofo elenca basicamente dois: a democracia, o ruim, e um bom. Parece estranho, mas o autor aponta que, quando a maioria das pessoas governa e apenas atende apenas ao bem dos mais pobres, parte da sociedade é renegada e objetivo não é cumprido.
A forma boa do governo de muitos pode variar e é nesse contexto que se insere o terceiro significado da palavra constituição. No livro A Política, de Aristóteles, o filósofo usa a denominação República, numa referência ao seu mestre, Platão. Também são usadas as expressões Constituição, Governo Constitucional, que dão um ar de indefinição ao conceito, além de Politéia.
De qualquer forma, um governo composto por uma grande quantidade de pessoas só pode ser bom se não se desvirtuar de seu objetivo principal, atendendo apenas ao interesse dos pobres, por exemplo. Com isso, é possível perceber que o foco da teoria política aristotélica não é o tipo do governo, mas sim o seu caráter. Na citação abaixo, uma síntese do próprio filósofo.
Estas três formas podem degenerar: a monarquia em tirania; a aristocracia em oligarquia; a república em democracia. A tirania não é, de fato, senão a monarquia voltada para a utilidade do monarca; a oligarquia, para a utilidade dos ricos; a democracia, para a utilidade dos pobres. Nenhuma das três se ocupa do interesse público. Podemos dizer ainda, de um modo um pouco diferente, que a tirania é o governo despótico exercido por um homem sobre o Estado, que a oligarquia representa o governo dos ricos e a democracia o dos pobres ou das pessoas pouco favorecidas.
Aristóteles; Caieiro (2009)
Todavia, isso não impede Aristóteles de eleger uma forma de governo como uma preferida ou ideal. Ele elege a aristocracia como ideal, o que é um curso natural da sua teoria e do seu pensamento. A partir o objetivo de manter a Cidade feliz, ele afirma que apenas um grupo de poucos homens tem os méritos necessário para fazê-lo, o que é expresso no excerto abaixo.
Todos estes termos são bem escolhidos. Poucos homens excelem em mérito. Contudo, é possível que haja um ou alguns, em pequeno número, mas é difícil que se encontrem muitos homens eminentes em todos os gêneros, sobretudo na espécie de valor que a profissão militar exige. Ele só pode ser adquirido nas nações guerreiras. Assim, a parte principal de tal Estado consiste em homens de guerra e seus primeiros cidadãos são os que portam armas.
Aristóteles; Caieiro (2009)
-Aula escrita por João Vitor Zaidan
Próximo: Aula 4.4 - Pensamento Político (Parte 3)
As aulas do Curso NOIC de Filosofia são propriedade do NOIC e qualquer reprodução sem autorização prévia é terminantemente proibida. Se você tem interesse em reproduzir algum material do Curso NOIC de Filosofia para poder ministrar aulas, você pode nos contatar por esta seção de contato .
Para dúvidas e sugestões, fale conosco pela seção de contato ou pelas nossas redes sociais (Facebook e Instagram).