A questão da democracia em Aristóteles
Como visto na aula anterior, Aristóteles via a democracia como uma forma “ruim” de governo, porque, segundo ele, seriam visados apenas os interesses e, por conseguinte, o bem dos pobres, que são a maioria, de maneira que as classes mais altas seriam desagradadas. Assim, a Cidade não teria seu objetivo cumprido e viveria de uma maneira longe do ideal, do ponto de vista político.
Todavia, essas observações de Aristóteles não o impediram de elaborar muito mais e fazer previsões sobre como as póleis se desenvolveriam, em especial ao redor da democracia. Antes de entrar nessas reflexões propostas pelo filósofo, é importante dar luz ao seu partido teórico, isto é, a forma de governo idealizada, com base em suas próprias classificações e tida por ele como a ideal.
Ele classificava a aristocracia como um governo controlado por poucas pessoas, mas que prezasse pelo interesse geral e o bem comum. Isso seria alcançado através da educação das crianças, que, no futuro, tornar-se-iam cidadãs e seriam responsáveis pela política. Não é possível ignorar a contradição presente: a educação teria um limite, para Aristóteles, se apenas algumas pessoas seriam capazes de deter o poder?
Esse questionamento se insere no contexto da idealização da sociedade por parte de Aristóteles. Como expresso nos excertos presentes nas outras partes, o filósofo sempre chamou muita atenção para a educação e sua importância, em especial a longo prazo, na construção da cidadania. Sendo assim, parece um pouco contraditório ele escolher um governo controlado apenas por poucas pessoas como o desejado.
Todavia, o autor não se ateve apenas ao que seria ideal, ou a análises rasas de desvios: uma parte sensível da obra aristotélica é dedicada ao estudo da democracia, ainda que ela não fosse algo, na classificação dele, “bom”. Inicialmente, ele analisou as constituições de diversas cidades e, através disso, conseguiu classificá-las e apontar suas qualidades, defeitos e vicissitudes.
Dessa maneira, Aristóteles analisa que, pelo fato de que são poucas as cidades que têm uma vida política saudável e ideal, seria provável que a democracia fosse uma forma de governo comum, por causa de uma certa necessidade da sociedade em algumas características da democracia. Destaca-se a principal, relacionada à questão o desvio de um governo constitucional, ou República.
Nesse contexto, um governante que apenas prometesse olhar pelos mais favorecidos, sem dar muitos detalhes, tampouco abranger outros aspectos sociais em seu discurso, atrairia algumas sociedades e estabeleceria um governo. Cumpre comentar que, a partir desse discurso, nada muito profundo seria realmente feito e, no fim das contas, o real interesse a ser seguido é dos que já eram mais favorecidos, considerando que a ordem social foi mantida.
Assim, pode-se observar que essa maneira de democracia, muito comum nos dias de hoje, de forma alguma cumpre o que é versado por Aristóteles para ser um bom governo. A insistência na continuidade de governos organizados dessa maneira se explica por uma série de fatores, especialmente culturais, mas há um muito importante que não pode ser esquecido: a educação.
A partir de uma desatenção com relação a esse ponto, como apontou o filósofo, de fato, ocorre uma quebra nos valores da cidadania. Isso porque, se não há uma boa formação das crianças, anos depois, não uma conexão, ao menos não da forma desejada, entre os agora cidadãos e a vida política da cidade. Esse é um cenário perfeito para o estabelecimento de governos como esse tipo de democracia, por exemplo.
Nesse contexto, muitas vezes esse governo, não satisfeito em reduzir a organização governamental da pólis a um “limbo”, pode, ainda, desviar ainda mais o governo de seu objetivo – em tese de pensar no bem de toda a sociedade –, de maneira a constituir gestões autoritárias, inclusive deixando de ser caracterizado como democracia, na classificação aristotélica.
Toda essa análise mostra que a construção de um governo constitucional depende de muitos fatores que, em conjunto, são o que representa tanto o ente estatal quanto o social de uma pólis, ambos com uma relação mútua de interdependência. No início, a constituição, enquanto documento, é importante para estabelecer um panorama geral do que acontecerá e do que a Cidade quer enquanto ente político.
Nesse contexto, políticas públicas são muito importantes, e é nesse contexto que entra a observação de Aristóteles de que o Estado é uma organização natural, em especial a da educação. Formar verdadeiros cidadãos e integrá-los à cultura política, ainda que o governo não seja formado pela maioria, é essencial para um desenvolvimento saudável e sem desvios “de 180º” da intenção do governo da Cidade.
-Aula escrita por João Vitor Zaidan
Próximo: Aula 4.5 - Ética e Virtude (Parte 1)
Bons Estudos!
As aulas do Curso NOIC de Filosofia são propriedade do NOIC e qualquer reprodução sem autorização prévia é terminantemente proibida. Se você tem interesse em reproduzir algum material do Curso NOIC de Filosofia para poder ministrar aulas, você pode nos contatar por esta seção de contato .
Para dúvidas e sugestões, fale conosco pela seção de contato ou pelas nossas redes sociais (Facebook e Instagram).