Heranças da Cultura e do Pensamento Grego

O Helenismo

Nesta aula vamos abordar o Helenismo, uma época de filosofia que surgiu após Platão e Aristóteles. Naturalmente, este período parece ser bastante afastado dos dois grandes filósofos, mas, na realidade, é curiosamente vinculada aos seus princípios centrais em sua constituição mais primária. Ademais, a filosofia dessa era ainda pertence a ‘filosofia antiga’ – por mais que Sócrates e Aristóteles se refiram aos pensadores anteriores como filósofos antigos, a filosofia antiga só chegaria ao fim com o colapso da hegemonia romana no século V d.C. Mas antes de decompor as escolas filosóficas individuais helenísticas, é necessário entender seus inícios, e a importância do contexto histórico na formação das ideias filosóficas que entraram em vigor durante a época.

Em primeiro lugar, os historiadores não estão de acordo sobre em que momento o Helenismo teria acabado, mas todos concordam – em geral – que a morte de Alexandre o grande em 323 a.C. marcou o início dela, e que durou mais ou menos até a conquista romana do Egito em 30 a.C., e a morte de Cleópatra. Contudo, por que seria a morte de Alexandre tão relevante para o começo dessa fase na filosofia?

Alexandre o Grande e sua Hegemonia Cultural

Para entender isso, temos que investigar os inícios da época de forma mais profunda. Desde sua base em Macedónia, Alexandre o grande tinha continuado as conquistas de seu pai, Filipe, e os seus exércitos deixaram indeléveis marcas onde quer que fossem. Ele logrou criar assim uma hegemonia não só militar, mas também cultural e linguística, já que o grego koiné – o dialeto próprio dos exércitos de Alexandre - passou a ser a língua comum de toda a região que ele conquistara – de fato, a palavra ‘koine’ no grego vem da frase ‘ἡ κοινὴ διάλεκτος’ (he koinè diálektos), que significa ‘o dialeto comum’.

No entanto, com o fim prematuro do próprio Alexandre, a possibilidade de unificação mundial prolongada desapareceu, e o domínio do conquistador se fraturou em três unidades menos estáveis, que durariam até o império romano lhes conquistar dois séculos mais tarde. Objetivamente, o império de Alexandre se dissipou nos vestígios do poder macedônico, na dinastia ptolemaica no Egito, e na dinastia oriental de Seleuco na Síria e Mesopotâmia. Mas a cultura grega permaneceria nestas regiões durante muito tempo. Por exemplo, os reis do Egito após Ptolomeu manteriam este mesmo nome, assim como as rainhas se chamariam Cleópatra (na verdade, a ‘Cleópatra’ famosa da história seria a sétima rainha denominada assim), e a famosa biblioteca que o primeiro construiu só conteria obras gregas, já que os lideres ptolemaicos de Egito falavam grego. Estes exemplos mostram como a cultura grega começou a dominar o mundo inteiro.

As Principais Escolas Filosóficas do Helenismo

As grandes alterações políticas que decorreram das conquistas de Alexandre levariam a uma forma de governo completamente distinta da maioria das outras, centrando-se na soberania duma pessoa, e a diminuição de poder de massa. Inevitavelmente, isso ocasionaria mudanças na filosofia da época. Com a decrescente autoridade do cidadão, desapareceram quase completamente as considerações de diferentes sistemas políticos, ou a concepção de novas formas de governo, como discutiram na ‘República’ de Platão. Em seu lugar, apareceria um foco no individuo, e – sobre tudo – em como viver uma boa vida.

Neste aspecto, Sócrates e Platão teriam grandes impactos na filosofia helênica. Tanto durante sua vida quanto depois dela, Sócrates tinha muitos discípulos e seguidores. Alguns estavam contentes com a sua simples presença, como Apolodoro, uma pessoa mencionada nos diálogos de Platão, mas que não deixou nenhuma ideia fora as presentes nessa obra. Mas outros terminaram seguindo o exemplo socrático de diferentes formas, ou adotando o seu estilo de vida (sua pobreza e seu hábito de perguntar incessantemente), ou continuando a sua linha de raciocínio e suas ideias. Pois ser verdadeiramente ‘socrático’ implica não só escolher a pobreza ou fazer perguntas específicas, mas também dar certas respostas. Foi nesse espírito que as seguintes escolas foram criadas, as quais dominaram o período helenístico:

O cinismo: elaborado com as ideias de Antístenes (445–365 a.C.) e o seu discípulo mais famoso, Diógenes de Sinope (412–323 a.C.), que foram inspirados pelo estilo de vida socrático, os cínicos escolheram viver em pobreza, e fizeram comentários mordazes aos cidadãos, acusando-lhes de hipocrisia e de não ter suficiente interesse na virtude. Eles estavam dedicados aos ideais filosóficos de Sócrates, e estavam convencidos que a virtude é a única recompensa neste mundo, e a única recompensa digna de se ter.

O estoicismo: baseado em grande parte nas doutrinas de Zenão de Cítio (344-262 a.C.), quem fundou a escola em Atenas em 300 a.C., os estoicos acreditavam que a virtude e o conhecimento são os únicos objetivos duma vida filosófica, e não adotavam o estilo de vida de Sócrates (por exemplo, Marco Aurélio, o famoso estoico, foi imperador romano).

O ceticismo: formado inicialmente por Pirro de Elis (c. 365-275 a.C.), os céticos adotaram uma postura permanente de incredulidade, seguindo os métodos interrogativos de Sócrates, e terminariam dividindo-se em dois grupos – os céticos pirrônicos, e os céticos Acadêmicos.

O epicurismo: fundamentado nas ideias de Epicuro (341-270 a.C.), os epicuristas basearam a sua filosofia no hedonismo, crendo que a felicidade só se realiza com o prazer.

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As escolas filosóficas proeminentes durante esta época abrangeram divisões culturais, políticas e linguísticas – por exemplo, Lucrécio, o famoso poeta e tal vez o epicurista mais grande além do próprio Epicuro, escrevia suas obras em latim, enquanto Sexto Empírico, o cético maior, escrevia em grego. Mas por mais que estas doutrinas nascessem em diferentes lugares e com diferentes trajetórias, ainda retinham bastante continuidade e unidade, uma unidade fortemente influenciada pela cultura filosófica grega.

Nosso conhecimento sobre a filosofia helenística é indireto e fragmentado em quase todos os casos, deixando-nos em uma situação parecida àquela em qual nos encontramos em relação a filosofia pré-socrática: as nossas suposições sobre as ideias principais vêm geralmente de sumários ou testemunhos externos, que relatam o que os pensadores fundamentais acreditavam. Mas – afortunadamente – estas fontes são mais abundantes do que aquelas sobre os pensadores pré-socráticos. Devemos esta abundância, em grande parte, ao famoso orador e filosofo Cícero, que registou os pensamentos dos estoicos, epicuristas e céticos, até elaborando várias explicações de como os estoicos ou epicuristas poderiam defender as suas doutrinas, apesar de sua perspetiva mais cética.

As escolas distintas helenísticas compartilham características-chave, com a qual elas construíram lealdades ao longo das gerações, devotando-se a autoridade dos fundadores das doutrinas. Ademais, cada um delas encontra-se em união com as demais num aspecto importante: todas as escolas afirmaram que aderir a seus princípios permitiria alcançar a ataraxia, um estado de calma, isento de ansiedade. Os estoicos mantinham que era a apatheia (ser indiferente às emoções, vinculado à prática virtuosa do logos – razão) que levaria a ataraxia, os céticos que era epoche (suspender os julgamentos, especialmente os julgamentos de valor), e os epicuristas que era aponia (a ausência de dor). Independentemente de sua escola, os filósofos helênicos estavam convencidos de que a ataraxia levaria a eudaimonia, que é o desenvolvimento humano.

O Destino da Academia e do Liceu

Enquanto que as práticas e as crenças de Sócrates teriam grande influência nas escolas helênicas, a filosofia de Aristóteles e Platão encarariam destinos diversos.

Na verdade, existe uma história antiga que conta como a obra de Aristóteles foi perdida na época, pois foi sepultada no subterrâneo até que fosse redescoberta mais tarde. Embora esta fábula muito provavelmente seja uma hipérbole, a influencia de Aristóteles durante o Helenismo seria mínima, e só com a chegada da Antiguidade Tardia ele se tornaria extremamente influente. Na realidade, não se sabe muito sobre o destino do Liceu. Após a morte de Aristóteles, sabemos que foi sucedido por Teofrasto de Ereso (371–287 a.C.). As suas obras filosóficas continuaram do mesmo jeito que as de seu mentor, incluindo um pequeno tratado sobre a metafísica, e uma extensão das pesquisas biológicas de Aristóteles sobre os animais e as plantas. Ele também compartilhou o interesse de seu mentor na história da filosofia e pesquisou importantes informações sobre filósofos pré-socráticos. O seguinte líder do Liceu, Estratão de Lâmpsaco, incrementou os elementos naturais da filosofia de Aristóteles, continuando as suas pesquisas. Os focos principais do Liceu, então, divergiram marcadamente dos interesses primários durante o Helenismo, talvez explicando o declínio da filosofia aristotélica nessa época.

À diferença do Liceu, a Academia de Platão veria grandes mudanças quanto a sua liderança e sua filosofia durante o Helenismo. Por volta de 266 a.C., Arcesilau se tornou o sexto diretor (escolarca) da Academia e, ao longo da sua direção, a Academia adotou uma versão de ceticismo acadêmico (de fato, a presença enfatizada do ceticismo na Academia platônica é a razão pela qual se fala ‘ceticismo acadêmico’). Este período duraria até aproximadamente 90 a.C., quando Antíoco de Ascalão rejeitou o ceticismo e começou a ensinar sua própria versão rival ao platonismo, defendendo o estoicismo.

O Neopitagorismo

Também é importante apontar a influência de Pitágoras no período helênico. Na verdade, no início da história da Academia houve uma aproximação entre o platonismo e o pitagorismo, período durante o qual a matemática e a doutrina pitagórica da alma foram essenciais. Nos primeiros séculos do helenismo, surge uma série de escritores pitagóricos, que defenderam uma doutrina espiritualista, destacando a imortalidade da alma e a reencarnação. Estas posições assim conflituaram com o materialismo dos epicuristas e estoicos. Mas as ideias pitagóricas sobre a matemática teriam grande influência no desenvolvimento da cosmologia em Alexandria, por exemplo com a hipótese heliocêntrica do Aristarco de Samos.

Depois, o pitagorismo desapareceria na obscuridade, mas no século I d.C. Moderato de Gades ressuscitou-o, e foi sucedido por Nicômaco de Gerasa e Numênio de Apameia no século II d.C., começando assim uma fase que se conhece como ‘neopitagorismo’.

O Neoplatonismo

Mas o que se passou com o platonismo em si? Diz-se que uma nova fase de platonismo começou em Alexandria no início do século III d.C. com Amônio Sacas, mestre de Plotino. O seu platonismo parecer ser caracterizado pela combinação de elementos do pitagorismo e do platonismo. Mas o principal proponente do neoplatonismo foi Plotino (205-270 d.C.), que se mudou para Roma depois de estudar onze anos em Alexandria como discípulo de Amônio. Ali, em 244 d.C., ele fundou a sua escola.

O neoplatonismo de Plotino é caracterizado por um retorno à metafísica, mas um retorno revolucionado: em vez de voltar a base racionalista clássica, as influências místicas e espiritualistas do pensamento neopitagórico fizeram com que a sua metafisica fosse muito distinto daquela de Platão. Mas o foco central da metafísica de Plotino seguiria sendo as três hipóteses ou realidades – de fato, Plotino recorreu frequentemente a metáfora do Sol e da Luz de Platão. O neoplatonismo de Plotino teria grande influência nos próximos séculos, moldando o platonismo latino de santo Agostinho, e o platonismo grego desenvolvido no Império Bizantino.

Aula escrita por Etta Selim

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