Aula 1.1 - Para Estudar Filosofia Oriental

“Filosofia” é uma palavra de origem, do Grego, meramente ocidental, tanto que ela basicamente não muda nas línguas neolatinas, tendo apenas adaptações de grafia. Nesse sentido, o que dá a própria significação dessa expressão tão rica e que denota tão amplo raio de conhecimentos tem raízes em uma parte específica do mundo e, por muito tempo, tomou-se como verdade pouco disputada a noção de que a sistematização do pensamento nessa parte do mundo é a base para a validação de qualquer pensamento.

Antes de emitir e apresentar argumentos críticos a essa noção - algo muito importante e que é essencial para a compreensão do Oriente, per se - cumpre entender melhor em que bases e porque, ao menos formalmente, por tanto tempo parte do conhecimento existente no globo foi basicamente ignorada. Fazer isso contribui, inclusive, para que a crítica ocorra de maneira mais fundamentada e sem correr o risco de cometer anacronismos, abusar do relativismo ou invalidar gratuitamente pensadores e/ou obras.

Inicialmente, é mandatório dizer que “Oriente” é uma parte enorme do mundo, que abriga bilhões de pessoas e que, obviamente, têm culturas muito diferentes. Samuel Huntington, ao falar do que ele chama de choque de civilizações, divide o mundo em “oito ou nove”, sendo que a parte oriental da Terra própria tem suas divisões internas. O Arabismo, por exemplo, tem interfaces, origens e motivações bastante diferentes do Pan-Africanismo, que, por sua vez, diferencia-se bastante do Confucionismo; isso fica ainda mais claro quando se relaciona as origens dos pensamentos com suas evoluções, consequências e influências na atualidade. Todas são orientais, todavia.

Um fator importante de se trazer à baila é que muitas culturas não-ocidentais não tinham (nem têm) o costume de conservar suas tradições, reflexões e registros de forma escrita. Um exemplo são alguns povos de África, que têm os griots, pessoas da comunidades que têm a função de ouvir os mais velhos que guardam em sua memória os “arquivos” da sociedade. Dessa maneira, pode-se observar que a via principal utilizada por algumas sociedades para a conservação de sua cultura é a oralidade, em contradição às enormes coleções de livros de filósofos ocidentais, por exemplo.

Na verdade, não é necessário ir muito longe para ver a imposição da modalidade escrita dos códigos culturais enquanto instrumento de sua validação - e, mais importante, como forma de invalidar as demais. Em basicamente qualquer povo colonizado, após a inserção dos valores e modo de condução da sociedade da metrópole, a cultura indígena, que são culturas, no plural, já que são bastante heterogêneas, não só foi ignorada, como também suprimida de maneira bastante agressiva. Seja com o inesquecível derretimento do ouro presente em monumentos e templos em impérios da América hispânica, ou de maneiras menos visíveis, como com a catequização dos habitantes das terras colonizadas, é gritante a completa desconsideração de culturas riquíssimas só porque não estão contidas em livros, nem falam línguas derivadas do Latim ou Grego.

Falando em colonialismo, este é outro tópico que contribuiu ainda mais para a desvalorização da Filosofia e do pensamento oriental, de maneira geral, notadamente o neocolonialismo. A justificativa formal foi que era necessário levar “civilização” para povos que não a tinham, de maneira que, para que esses conseguissem se guiar, teriam de ser guiados - pelos colonizadores, na lógica deles. Pouco questionada e ainda adotada há poucas décadas, essa noção representou a difusão no mundo de uma reafirmada desvalorização das sociedades colonizadas. Um povo que “precisa” de outro para se desenvolver? O que esse povo pensa e quais são suas práticas pouco ou nada importam: na verdade, elas podem até ser a causa das tais misérias dessas pessoas. Isso, claro, tem uma carga incomensurável de preconceito, etnocentrismo e até mesmo desconhecimento e claramente serve a grupos de interesse específicos.

Assim, mesmo após o fim (formal) da colonização, com as independências, continuou vigente fora do Oriente que o que os povos não-Ocidentais pensam e têm a dizer basicamente não importa. Recentemente, com movimentos pelo multilateralismo na política internacional, uma das consequências foi a valorização de culturas mais distantes do eixo ocidental. Muitas vezes, infelizmente, na tentativa de quebrar esse status quo, cria-se algo também danoso, que é a noção de ouvir e “dar” voz a tais sociedades meramente por caridade, como se o Ocidente detivesse o poder de escolher de apontar quem ou o que importa.

Dessa forma, falar de Filosofia Oriental é entrar em contato com uma série de temas diferentes da realidade do Ocidente, mas que não é formada por extraterrestres. Como aponta o historiador Edward Said, foi criada uma idealização errônea e também preconceituosa de “Oriente”, como se este fosse algo incompreensível e homogêneo. Estudar as diferentes formas de pensamento, bastante plurais e que muitas vezes entram em confronto, que ao leste do Meridiano de Greenwich nasceram e têm uma maioria de pertencentes é essencial para quebrar essas noções erradas, configurando-se como um dever de pessoas interessadas  na área da Filosofia e Ciências Humanas de maneira geral.

Nesse contexto, novas sistemáticas e até mesmo novas noções devem ser apreendidas nesse percurso. Muitas explicações para, por exemplo, fenômenos da atualidade, desde a multiplicidade cultural e o nacionalismo hindu na Índia, passando pelos conflitos étnicos da Europa Oriental, até a ascensão e funcionamento interno da China. Tudo isso envolve níveis bastante profundos de diferentes pensamentos, a serem vistos nas próximas aulas.

 

- Aula escrita por João Vitor Zaidan

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Bons Estudos!


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