“O governo da maioria sem restrições legais, ou seja, uma democracia sem constituição, poderia agigantar-se na supressão dos direitos das minorias e agir com muita eficácia ao sufocar as dissensões sem qualquer uso de violência.” - Hannah Arendt, Da Violência.
O que é democracia? Essa pergunta é o que nos assombra na atualidade. Tanto a noção do termo quanto a sua própria origem etimológica remetem ao Ocidente. Da Grécia Antiga às revoluções liberais na Europa moderna, o sentido do que é democrático vem obedecendo a regras e segundo interfaces mais ou menos bem definidas, às quais as nações devem se encaixar para terem “sucesso”.
Todavia, essa noção muitas vezes apresenta furos, que vêm sendo explorados e até notados na contemporaneidade; um deles é o sentido de maioria e o papel dela num contexto de governo e de gestão. Além disso, claro, há também a questão do tratamento dispensado por ela às minorias, os grupos sociais, muitas vezes marginalizados, que não integram a vontade eleita e escolhida pela maior parte do povo, mas que não por isso têm seus direitos anulados.
Na verdade, a noção apresentada, apesar de sistematizar um nível de adequação, não é exatamente um senso comum em sociedades mundo afora, em especial as mais autoritárias do ponto de vista cultural. É comum observar em povos assim uma linha de pensamento que afirma que, se um líder foi eleito, ele pode fazer “o que quiser” e os grupos opositores devem esperar o seu momento para também fazer o mesmo.
Como é possível perceber, essa lógica transforma as relações políticas, de poder e até mesmo as relações sociais de maneira geral em um verdadeiro campo de guerra, ou clash, para adotar uma terminologia mais afim do significado a ser passado. Aceitar que uma maioria em uma eleição é um passaporte para quaisquer tipos de ações é simplesmente negar que existam diferenças de pensamento e opinião na sociedade; ou, de um ponto de vista mais analítico, explicitar um desejo de suprimi-las.
Esse objetivo fundado no desrespeito às liberdades individuais em nome de um “coletivo” é uma prática vista em alguns momentos na História, notadamente o nazifascismo, que é o objeto de estudo de Hannah Arendt. Essa linha de pensamento enquanto forma de governo foi derrotada no século passado, mas isso não significa que tenha morrido completamente, tampouco que tenha sido varrida do mundo em sua totalidade.
Pelo contrário, em especial após o fim da Guerra Fria, com uma espécie de descongelamento de conflitos latentes, assim como a geração outros novos, inclusive devido ao esgotamento do socialismo, novamente está se vendo um ressurgimento de ideologias que, “em nome da nação”, ou de qualquer falso e escuso objetivo posto, tenta emplacar um projeto pessoal autoritário.
É importante observar que, agora, há novos modos de autoritarismo e de totalitarismo e, com isso, também novas visões de outros pensadores. Isso, todavia, não significa que sejam contrários a Arendt; na verdade, são complementares. Nesse sentido, a reflexão deve caminhar para uma relação da passagem original com novas epistemologias, visando uma universalização do pensamento sobre autoritarismo e suas (novas, porém não tanto) interfaces.
Autores sugeridos para pesquisa: Manuel Castells (1942-), Boaventura de Sousa Santos (1940-), Lilia Moritz Schwarcz (1957-).
Material escrito por João Vitor Zaidan.
Bons Estudos!
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