Escrito por Gabriel Volpato Lima
Karl Marx (Teoria demográfica)
Ei pessoal, essa aula tem muito conteúdo (sério eu pesquisei muito pra fazer essa aula, só olhar nas referências da página anterior) e nem tudo é cobrado em olimpíadas, o realmente necessário é a crítica de Marx para Malthus e a subsequente explicação sobre a teoria de Marx, mas essa explicação está em uma profundidade muito grande, sendo necessário apenas estar familiarizado com os termos. Agora, se você gosta desse tópico, se prepare, pois essa é uma das aulas com mais conteúdo que eu já fiz.
A crítica de Marx para Malthus
Antes de apresentar a teoria populacional de Marx, é importante expor a crítica que ele fez a Malthus. A lei da população de Malthus se baseia na relação entre “meios de subsistência” e “aumento populacional”, o que gera sua explicação sobre as causas da fome e da miséria. Segundo Malthus, a população cresce em progressão geométrica (2, 4, 8, 16…) e a produção de alimentos (meios de subsistência) em progressão aritmética (1, 2, 3, 4…), o que geraria escassez e fome.
Marx é um crítico severo desta concepção, opondo-se a ela tanto na questão metodológica quanto nos seus equívocos teóricos derivados de sua concepção metafísica ligada a determinados interesses de classe. Segundo Marx, a teoria de Malthus é importante em dois aspectos: 1. porque deu uma expressão brutal ao brutal modo de pensar do capital; 2. porque afirmou a existência da superpopulação em todas as formas de sociedade.
Marx argumenta que a concepção de Malthus é “totalmente falsa e pueril”. Ele faz várias críticas à concepção de Malthus, sendo uma das principais o seu caráter a-histórico. Marx afirma que Malthus “considera como da mesma natureza a superpopulação nas diferentes fases históricas do desenvolvimento econômico”.
Não compreende sua diferença específica e reduz estupidamente essas relações complicadíssimas e mutantes a uma relação, a dois termos, na qual se contrapõe por um lado à reprodução natural do homem, por outro a propagação natural dos vegetais (os meios de subsistência), como se tratasse de duas séries naturais, das quais uma aumenta geometricamente, a outra aritmeticamente. Desta forma, transforma as relações historicamente diferentes em uma relação numérica abstrata existente somente na fantasia, que não se fundamenta nem nas leis naturais nem nas leis históricas. (Marx, 1985, p. 112)
O idiota supõe com isso que a multiplicação do homem é um processo puramente natural, que requer limitações, freios externos pra não se efetuar em uma proporção geométrica. Esta população geométrica constitui o processo natural da reprodução humana. Na história verá que a população se desenvolve em proporções muito diferentes e que a superpopulação constitui igualmente uma relação historicamente determinada, de nenhum modo determinada por números ou pelo limite absoluto da produtividade dos meios de subsistência,mas mediante limites postos por determinadas condições de produção. (Marx,1985, p. 112-113)
E Marx não para por aí na hora de criticar Malthus. Marx então cria um “homem abstrato” que obedece as leis abstratas (metafísicas) e então se transforma no “homem malthusiano” que troca as leis históricas por leis que não são reais.
É Malthus, pois, que faz abstração destas leis históricas dos movimentos da população, leis que são, em tais circunstâncias, a história da natureza humana; leis naturais, mas que são leis naturais do homem em determinado desenvolvimento histórico, com um determinado desenvolvimento das forças produtivas,condicionado pelo seu próprio processo histórico. O homem malthusiano abstraído do homem historicamente determinado, só existe no cérebro de Malthus, assim como, por fim, o método de reprodução geométrica corresponde a este homem natural malthusiano. A história real, pois, se lhe apresenta de tal modo que a reprodução de seu homem natural não é uma abstração do processo histórico, da reprodução real, mas, pelo contrário, a reprodução real resulta ser uma aplicação da teoria malthusiana. (Marx, 1985, p. 113)
Por causa disso, Malthus cria os “freios externos” que são uma forma de fazer com que suas leis abstratas tenham justificativa 100% das vezes. Ou seja, se as leis do Malthus não funcionaram, foi por causa dos fatores externos que afetaram seu funcionamento (e não porque elas ignoram leis fundamentais do funcionamento da sociedade).
Além disso, Malthus estabelece uma relação simplista entre um determinado quantum de pessoas e um determinado quantum de meios de subsistência. Marx aponta que David Ricardo já havia refutado essa tese, destacando que não é a quantidade de meios de subsistência, mas sim os “meios de emprego” (demanda por força de trabalho) que produzem a população excedente. A criação de “trabalhadores excedentes” (indivíduos sem propriedade que precisam trabalhar para sobreviver) “é característica da era do capital” (Marx, 1985, p. 114). Marx acrescenta a isso o fato de que a produção de meios de subsistência não cresce em progressão aritmética, como Malthus sugere.
A Teoria Reformista ou Marxista coloca que a superpopulação mundial não é a causa do subdesenvolvimento, mas sim uma consequência da pobreza generalizada. Aqui o entendimento se dá no sentido de apontar a omissão do Estado, ou seja, não instituir políticas públicas em determinados setores sociais, a causa que resulta no favorecimento de um ambiente de mazela, desinformação, desilusão e,portanto, uma tendência maior das pessoas terem mais filhos e consequente o surgimento das situações de fome e miséria. Nessa situação, o controle populacional não virá por imposição, mas por opção (ALMEIDA; RIGOLIN, 2002)
Portanto, Marx faz uma crítica à lei populacional de Malthus e, em oposição a ela, apresentará sua própria teoria populacional. Ele analisará a dinâmica populacional dentro do modo de produção capitalista, pois cada modo de produção tem sua própria dinâmica populacional.
Capitalismo e produção
O processo de acumulação de capital está fortemente ligado à dinâmica populacional. Marx destaca que o crescimento do capital provoca um aumento na demanda por força de trabalho. O processo de acumulação capitalista implica uma expansão do mercado, dos investimentos, etc. As necessidades da acumulação capitalista podem superar o crescimento do número de trabalhadores e, quando isso ocorre, mantendo-se as mesmas condições do processo de acumulação, cria-se uma tendência de aumento dos salários.
A fórmula geral da acumulação do capital é representada como D – M – D’, onde D’ é a mais-valia ou o valor que é acrescentado aos custos no processo de produção. A mais-valia é o trabalho não pago, representado por aquela parte do valor das mercadorias que excede o tempo de trabalho socialmente necessário para a produção do valor da própria força-de-trabalho. Isso significa que a mais-valia é a diferença entre o valor produzido pelo trabalhador e o valor que ele recebe como salário. Esta é uma das principais ideias de Marx sobre a exploração no sistema capitalista.
A reprodução da força de trabalho, que incessantemente precisa incorporar-se ao capital como meio de valorização, não podendo livrar-se dele e cuja subordinação ao capital só é velada pela mudança dos capitalistas individuais a que se vende, constitui de fato um momento da própria reprodução do capital. A acumulação do capital é, portanto, multiplicação do proletariado. (Marx, 1988a, p. 179)
No primeiro caso, não é a diminuição no crescimento absoluto ou proporcional da força de trabalho ou da população operária que torna o capital redundante,mas, ao contrário, é o aumento do capital que torna insuficiente a força de trabalho explorável ou, antes, o seu preço. São esses movimentos absolutos na acumulação do capital que se refletem como movimentos relativos na massa da força de trabalho explorável e, por isso, parecem dever-se ao movimento próprio desta última. (Marx, 1988a, p. 183)
Marx argumenta que a dinâmica populacional está essencialmente ligada à taxa de exploração que altera a demanda por força de trabalho. Com o desenvolvimento capitalista e o aumento da produtividade, há um crescimento na incorporação de mais meios de produção no processo de trabalho, graças ao desenvolvimento tecnológico. Marx se refere a isso como a “composição técnica do capital”, que é caracterizada pelo aumento do capital constante (meios de produção) em relação ao capital variável (força de trabalho). Isso resulta, evidentemente, em uma diminuição na demanda por força de trabalho.
Como a demanda de trabalho não é determinada pelo volume do capital global, mas por seu componente variável, ela cai progressivamente com o crescimento do capital global, ao invés de, como antes se pressupôs, crescer de modo proporcional com ele. Ela cai em relação à grandeza do capital global e em progressão acelerada com o crescimento desta grandeza. Com o crescimento do capital global na verdade também cresce seu componente variável, ou a força de trabalho nele incorporada, mas em proporção continuamente decrescente. (Marx, 1988a, p. 190)
Marx se refere à população “excedente” como “superpopulação relativa”. Esta constitui um “exército industrial de reserva” que pertence ao capital tão absolutamente como se ele o tivesse criado à sua própria custa. Esta superpopulação relativa se transforma em uma “alavanca da acumulação capitalista”, tornando-se uma condição de possibilidade para a existência do modo de produção capitalista.
Trazendo para a América Latina nós temos José Nun (1969) que foi um importante expoente do pensamento histórico-estrutural nos estudos sobre marginalidade. Ele foi pioneiro ao tratar o tema como um conceito relativo ao lugar ocupado por determinados grupos sociais na esfera produtiva. A partir de uma perspectiva crítica de recorte marxista, Nun denunciou a formação de uma “subclasse” dentro do proletariado latino-americano. Esta subclasse é composta pelo exército industrial de reserva, e pela superpopulação relativa. E além disso Nun ressaltou, ainda, a existência de um contingente populacional que não interessava ao mercado, constituindo-se na parte afuncional ou disfuncional do exército industrial de reserva.
A importância desta “superpopulação relativa” para a acumulação capitalista decorre do processo de constituição e desenvolvimento do capitalismo. A constituição do capitalismo foi possibilitada pela industrialização, que necessitava de uma força de trabalho disponível. No entanto, não seria possível esperar o crescimento absoluto e natural da população, e por isso a força de trabalho proletária foi criada à força através da expropriação dos camponeses (no caso clássico da Inglaterra). Com o desenvolvimento capitalista, após seu período de constituição, a relação com a força de trabalho muda. O ciclo industrial assume grande importância para compreender esta relação.
O curso de vida característico da indústria moderna, sob a forma de um ciclo decenal, interrompido por oscilações menores, de vitalidade média, produção a todo vapor, crise e estagnação, repousa na contínua constituição, na maior ou menor absorção e na reconstituição do exército industrial de reserva ou superpopulação. Por sua vez, as oscilações do ciclo industrial recrutam a superpopulação e tornam-se os mais enérgicos agentes de sua reprodução. (Marx, 1988a, p. 192)
O exército industrial de reserva e a força de trabalho empregada variam com o ciclo industrial, influindo assim sobre os salários:
Os movimentos gerais dos salários são exclusivamente regulados pela expansão e contração do exército industrial de reserva, que correspondem à mudança periódica do ciclo industrial. Não são, portanto, determinados pelo movimento do número absoluto da população trabalhadora, mas pela proporção variável em que a classe trabalhadora se divide em exército ativo e exército de reserva, pelo acréscimo ou pelo decréscimo da dimensão relativa da superpopulação, pelo grau em que ela é ora absorvida, ora liberada. (Marx, 1988a, p. 195)
Portanto, a dinâmica do capital é o que determina a proporção entre a população empregada e a superpopulação relativa, e esta última desempenha um papel fundamental na acumulação capitalista, que é pressionar os salários para baixo.
Segundo Marx, a superpopulação relativa possui três formas: líquida, latente e estagnada. A acumulação capitalista provoca uma crescente necessidade de força de trabalho, embora em uma proporção cada vez menor em relação ao capital constante. Além disso, há o desgaste da força de trabalho. Isso produz a superpopulação relativa em sua forma líquida. A demanda pela força de trabalho cresce e seu desgaste também, criando a necessidade de crescimento absoluto (vegetativo) de certos setores da população trabalhadora. Marx cita o exemplo dos trabalhadores da grande indústria, cuja duração de vida é mais curta, e isso provoca a necessidade de aumento da população trabalhadora.
O crescimento absoluto dessa fração do proletariado exige uma forma que aumente o número de seus elementos, ainda que estes se desgastem rapidamente.Portanto, rápida renovação das gerações de trabalhadores (a mesma lei não vale para as demais classes da população). Esta necessidade social é satisfeita mediante casamentos precoces, consequência necessária das condições em que vivem os trabalhadores da grande indústria, e mediante o prêmio que a exploração dos filhos dos trabalhadores acrescenta à sua produção. (Marx, 1988a, p. 1987)
A superpopulação relativa constante é composta pela população trabalhadora rural que, com o processo de mudança tanto no campo quanto na cidade, tende continuamente a se transferir para o mundo urbano. Em alguns casos, esses indivíduos ingressam no proletariado urbano e, em outros, no exército industrial de reserva.
A superpopulação relativa estagnada, por outro lado, representa uma parte ativa do exército de trabalhadores, mas com ocupações irregulares. Ela fornece uma reserva inesgotável de força de trabalho ao capital.
A superpopulação relativa líquida ou flutuante, é compreendida como aquele contingente de trabalhadores que ora é atraído ora é repelido das unidades produtivas, em consequência dos ciclos econômicos do capital.
Sua condição de vida cai abaixo do nível normal médio da classe trabalhadora, e exatamente isto faz dela uma base ampla para certos ramos de exploração do capital. É caracterizada pelo máximo do tempo de serviço e mínimo de salário. Sob a rubrica de trabalho domiciliar, já tomamos conhecimento de sua principal configuração. Ela absorve continuamente os redundantes da grande indústria e da agricultura e notadamente também de ramos industriais decadentes em que o artesanato é vencido pela manufatura e esta última pela produção mecanizada. (Marx, 1988a, p. 199)
Marx ainda apresenta uma outra camada da superpopulação relativa, a que “habita a esfera do pauperismo”. Esta seria dividida em três categorias:
Os desempregados capazes de trabalhar; os filhos dos pobres e os órfãos; enfim, as vítimas da indústria: doentes estropiados, viúvas, trabalhadores idosos e trabalhadores desqualificados. (Bellon, 1975, p. 44)
Com o crescimento da acumulação capitalista, cresce o exército industrial de reserva ou, em outras palavras, como o aumento da riqueza há o aumento da pobreza.
A atualidade da teoria da população em Marx
Na atualidade é possível ver diversas comprovações de que Marx estava correto nas suas afirmações e Malthus estava equivocado, como é de se esperar, pois Malthus não teve nenhuma comprovação empírica para criar sua teoria além da peste do século XIV (que é, em vários aspectos, muito diferente da sociedade industrial da época que os autores estavam falando). Além disso, alguns autores - assim como Marx - criticam a pessoa de Malthus por ter plagiado algumas partes de seu pensamento demográfico para justificar as situações horrendas que os trabalhadores passavam naquela época
Abstraindo da acepção equívoca da palavra “trabalho”, que para Liebig não significa o mesmo que para a economia política, é “bastante notável” que ele faça do sr. J. S.Mill o primeiro proponente de uma teoria que James Anderson já enunciara na época de A. Smith e que foi posteriormente reiterada em vários de seus escritos até o começo do século XIX; teoria que Malthus, em geral um mestre do plágio (toda sua teoria da população é um plágio desavergonhado), anexou à sua própria obra em 1815 (MARX, 2015)
Os defensores de Malthus hoje têm dificuldade em argumentar que a fome mundial e as ocasionais fomes se devem à falta de suprimento adequado de alimentos. É fácil ver que o controle capitalista sobre a produção de alimentos para lucro e a falta de emprego adequado para gerar renda para os pobres são as fontes desses problemas. Além disso, a teoria empiricamente baseada da transição demográfica proposta pelo demógrafo americano Warren Thompson em 1929 mostra que em sociedades industrializadas as taxas de natalidade e mortalidade caem e experiências mais recentes sugerem que a população de países capitalistas mais desenvolvidos pode até mesmo diminuir. Novamente, essas descobertas são totalmente contrárias às previsões de Malthus e mais consistentes com a visão de Marx de que a população não é um fator independente no desenvolvimento socioeconômico. A cultura pode superar a natureza.
Finalmente, foi Marx, não Malthus, quem começou a prestar atenção à ecologia do solo e sua degradação na agricultura capitalista. Foi Marx, não Malthus, quem argumentou mais eloquentemente que o crescimento pelo crescimento é a natureza básica do sistema capitalista e a base de sua queda (veja, Marx ou Clube de Roma). Foi Marx, não Malthus, quem teve uma visão de um futuro socialista baseado na livre associação de produtores diretos. Tal associação pressupõe uma economia planejada democraticamente e é implícito em qualquer visão desse tipo que também deve incluir o planejamento populacional através do empoderamento das mulheres.
Entretanto, a teoria da população de Marx pode ser questionada de várias maneiras. Primeiro, Marx focou apenas no crescimento migratório e vegetativo da população trabalhadora. Segundo, sua análise era relevante para o período do capitalismo concorrencial, não para o período subsequente do capitalismo oligopolista. Terceiro, Marx não abordou as diferenças na dinâmica populacional entre os países capitalistas superdesenvolvidos (ou “primeiro mundo”) e os países capitalistas subordinados (ou “terceiro mundo”).
É importante notar que a teoria da população de Marx ficou incompleta. Ela foi principalmente exposta em O Capital, uma obra inacabada. Marx planejava escrever mais volumes de O Capital, abordando temas não cobertos nos primeiros volumes, como as classes sociais e o Estado. Além disso, como O Capital se concentra no modo de produção capitalista, Marx focou nas duas classes sociais fundamentais: a classe capitalista (burguesia) e a classe operária (proletariado).
A explicação de Marx para o crescimento migratório da população trabalhadora está no deslocamento da força de trabalho e o crescimento vegetativo (absoluto) está na tendência das camadas mais pobres terem um índice maior de procriação. No entanto, outras determinações ocorrem na esfera das formas de regularização (“superestrutura”), que Marx deixou de lado ao focar no modo de produção capitalista. Por exemplo, a “expansão barata e rápida da higiene social” que diminuiu a taxa de mortalidade, um fenômeno que ocorre na esfera das formas de regularização e é uma política estatal, não foi abordada por Marx. Além disso, a política estatal voltada para a higiene social se desenvolveu principalmente no século 20, e nos países capitalistas subordinados a partir da segunda metade deste século. Portanto, o crescimento absoluto da população trabalhadora tem outras determinações que não contradizem a teoria de Marx, mas apenas lhe conferem maior concretude.
O segundo questionamento à teoria da população em Marx se refere ao fato dele ter abordado o capitalismo na época competitiva e não na época oligopolista. José Nun (1978), por exemplo, reconhece a validade da teoria de Marx mesmo na época oligopolista (ou monopolista), mas considera sem sentido, pois:
Continuar tratando todo o excedente de população como se constituísse um exército industrial de reserva desde que, em sua maioria, não transcenderá o estado de mero fator virtual a respeito da organização produtiva dominante. (Nun, 1978, p. 98)
Nun enfatiza a distinção entre superpopulação relativa (existente em vários modos de produção) e exército industrial de reserva (existente apenas no capitalismo). No entanto, ele conclui erroneamente que essa distinção persiste no capitalismo. Para Marx, superpopulação relativa e exército industrial de reserva são a mesma coisa no capitalismo.
Nun tenta encontrar essa distinção na ideia de “função”: o exército industrial de reserva teria uma funcionalidade direta (fornecer força de trabalho durante o ciclo industrial ascendente e em ocasiões de “súbita expansão do capital”) e indireta (pressionar o proletariado a trabalhar mais e aceitar salários mais baixos). Segundo Nun, no capitalismo monopolista, a superpopulação relativa como um todo perde essa funcionalidade, levando-o a distinguir entre superpopulação relativa funcional (o exército industrial de reserva) e “disfuncional” (que ele chama de “massa marginal”).
No entanto, a concepção de Nun não consegue provar que essa distinção contribui para uma melhor compreensão da superpopulação relativa, nem que a chamada “massa marginal” seja disfuncional. Distinguir entre “exército industrial de reserva” e “massa marginal” não ajuda a entender a superpopulação relativa, pois não há fronteira que separe essas supostas partes. Além disso, a suposta “massa marginal” mantém a “funcionalidade indireta” apontada por Nun - pressionar os trabalhadores a trabalharem mais e aceitarem salários mais baixos. É impossível distinguir quem faz parte do exército industrial de reserva e quem faz parte da “massa marginal”.
Nun argumenta que, para exercer sua função, basta que existam desempregados, independentemente de serem aproveitados ocasionalmente ou efetivamente. Além disso, a funcionalidade direta permanece, pois com o ciclo industrial ascendente ou súbita expansão do capital, há um uso de contingentes do exército industrial de reserva. Isso faz com que o contingente não utilizado fique “na fila” esperando uma absorção no mercado de trabalho, tornando ainda mais visível sua “funcionalidade indireta”. Portanto, superpopulação relativa e exército industrial de reserva são, no capitalismo, a mesma coisa, e compõem o que chamamos de lumpemproletariado.
O terceiro questionamento à teoria da população de Marx se encontra na diferença existente na dinâmica populacional nos países capitalistas imperialistas e nos países capitalistas subordinados. O crescimento absoluto da população diminuiu nos primeiros e “disparou” nos segundos. Sem dúvida, Marx não abordou tal processo de diferenciação, ocorrido muito tempo depois dele ter elaborado sua teoria. No entanto, o desenvolvimento histórico não refuta a teoria da população de Marx, pois pode ser integrada nela desde que se leve em consideração as mudanças históricas.
Nos países capitalistas subordinados, o processo de industrialização tardia não só efetivou a formação de um proletariado concentrado em algumas regiões e um lumpemproletariado (exército industrial de reserva) numeroso, como também se viram numa situação desvantajosa no mercado mundial, já dominado pelas grandes potências. Desta forma, o crescimento industrial teve que suportar limitações e isto promoveu um grande contingente de exército industrial de reserva. O desenvolvimento tecnológico superior dos países imperialistas em relação aos países subordinados, por sua vez, produzia uma enorme transferência de mais-valor, devido ao diferencial na composição orgânica do capital derivado daí, e é isto que permitiu o Estado de Bem Estar Social sem comprometer a acumulação capitalista nos primeiros.
Obviamente, isto explica a formação da superpopulação relativa e as diferenças nacionais, mas não a diferença no crescimento absoluto da população nestes dois blocos de países. Mas aqui, além da asserção de Marx e Adam Smith, segundo a qual as famílias pobres tendem a ter um índice maior de procriação, é preciso recordar que o capitalismo subordinado é um mercado consumidor do capitalismo imperialista, e os avanços da medicina, entre outros, são transferidos para eles. Isso contribui para a diminuição da taxa de mortalidade e o aumento da expectativa média de vida, levando a um crescimento absoluto da população nos países capitalistas subordinados.
Portanto, observamos que a teoria da população de Marx não foi refutada pelo desenvolvimento histórico. As mudanças históricas na dinâmica populacional podem ser compreendidas usando sua teoria e, principalmente, seu método, que permitem integrar tais mudanças na análise e assim compreendê-las.