Escrito por Gabriel Volpato Lima
O homem utiliza os recursos da natureza de forma exploratória, sem a projeção dos problemas que essa atitude pode ocasionar, gerando problemas de caráter social e/ou ambiental, podendo apresentar seus efeitos rapidamente ou em grande escala de tempo. Locais de descaso (baixa relevância) ambiental são ocupados por grupos marginalizados pela sociedade, resultando em precárias condições de moradia, assim como a exclusão dos grupos que vivem nesses locais. (CIDREIRA-NETO, Ivo Raposo Gonçalves; RODRIGUES, Gilberto Gonçalves. Relação homem-natureza e os limites para o desenvolvimento sustentável. Revista Movimentos Sociais e Dinâmicas Espaciais, Recife, V. 6, N. 2, 2017 (142-156)
O capitalismo, como sistema econômico predominante da idade contemporânea, tem sido criticado, além de outras coisas, por sua exploração predatória dos recursos naturais. Essa exploração, muitas vezes, não leva em conta a sustentabilidade e a preservação do meio ambiente, o que levou ao surgimento de vários movimentos ecológicos que lutam contra essa prática.
A questão “A terra tem limite?” é uma pergunta complexa que exige uma análise cuidadosa de vários fatores. A resposta curta é sim, a Terra tem limites. No entanto, determinar exatamente quais são esses limites é uma tarefa extremamente difícil. Isso se deve ao fato de que os recursos naturais da Terra são finitos, mas a demanda por esses recursos continua a crescer à medida que a população mundial aumenta e as economias se expandem. Para ajudar a quantificar a exploração dos recursos naturais, os cientistas Mathis Wackernagel e William Rees desenvolveram o conceito de “pegada ecológica”. A pegada ecológica é uma medida que busca quantificar o impacto humano no meio ambiente. Ela mede a quantidade de recursos naturais que um indivíduo, uma comunidade ou um país consome em relação à capacidade da Terra de regenerar esses recursos.
A Pegada Ecológica é uma metodologia de contabilidade ambiental que avalia a pressão do consumo das populações humanas sobre os recursos naturais. Expressada em hectares globais (gha), permite comparar diferentes padrões de consumo e verificar se estão dentro da capacidade ecológica do planeta. Um hectare global significa um hectare de produtividade média mundial para terras e águas produtivas em um ano. (WWF Brasil, s.d)
A pegada ecológica leva em conta vários fatores, incluindo o consumo de energia, a quantidade de resíduos produzidos, o uso da terra para habitação e agricultura, e a poluição da água e do ar. Ao comparar a pegada ecológica com a capacidade biológica da Terra de regenerar os recursos consumidos e absorver os resíduos produzidos, podemos ter uma ideia de quão sustentável é nosso estilo de vida atual.
Crescimento populacional: o vilão?
A capacidade de suporte da Terra, ou seja, o número de pessoas que o planeta pode sustentar, é influenciada pelo padrão de vida adotado pela população. Isso se refere ao nível de consumo de recursos naturais e à quantidade de resíduos gerados. Por exemplo, se considerarmos uma população que consome poucos produtos industrializados, o impacto ambiental per capita será relativamente baixo. Isso ocorre porque a produção de bens industrializados requer a extração de recursos naturais e geralmente resulta na geração de poluição e resíduos. Portanto, uma população com um baixo nível de consumo industrializado pode ter uma pegada ecológica menor, permitindo que a Terra suporte um número maior de pessoas.
No entanto, a situação muda quando consideramos a tendência crescente de urbanização. As cidades tendem a ter altos níveis de consumo e geração de resíduos. Além disso, a urbanização frequentemente resulta na degradação do ambiente natural para acomodar a infraestrutura urbana. Segundo a ONU, espera-se que dois terços da população mundial vivam em áreas urbanas até 2050. Isso significa que uma proporção cada vez maior da população estará vivendo estilos de vida que são tipicamente associados a altos níveis de consumo e geração de resíduos. Essa tendência de urbanização apresenta desafios significativos em termos de sustentabilidade. Se a Terra deve suportar uma população urbana crescente, serão necessárias estratégias eficazes de gestão de recursos e resíduos. Isso pode incluir medidas para reduzir o consumo, promover a reciclagem e a reutilização, e proteger e restaurar os ambientes naturais.
A população ideal de um lugar é determinada pela forma como os humanos produzem e consomem bens, e o impacto que isso tem no meio ambiente. Assim, pode-se inferir que quanto maior a população, mais escassos se tornam os recursos disputados e maior é a quantidade de bens produzidos para consumo. Segundo uma projeção representada na imagem 1, até 2050, espera-se um aumento populacional que tornará os recursos cada vez mais escassos. Em um cenário otimista, a população mundial ultrapassará nove bilhões de habitantes, enquanto em um cenário pessimista, chegará a dez bilhões. Esses números, juntamente com a previsão da ONU de que dois terços dessa população viverão em áreas urbanas, desenham um panorama preocupante. “A gestão de áreas urbanas tornou-se um dos desafios mais importantes do século XXI. Nosso sucesso ou fracasso na construção de cidades sustentáveis será o principal fator de sucesso da agenda pós-2015 da ONU”, afirmou John Wilmoth, diretor do Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais das Nações Unidas, em Nova York, em 10 de julho de 2014.
Demografia Ecológica
As questões ambientais demoraram para ser incorporadas nas pesquisas das Ciências Sociais. Foi apenas na última década que os estudos sistemáticos sobre população e meio ambiente começaram a ganhar impulso. No contexto das abordagens interdisciplinares, a Demografia tem desempenhado um papel cada vez mais importante nessas discussões, trazendo novas ferramentas e perspectivas para o assunto (MARANDOLA JR.; HOGAN, 2007)
A demografia tem muito a aprender com a sociologia ambiental, que tem buscado se renovar a partir da adoção de uma mudança de paradigma, visando superar o antropocentrismo impregnado nas ciências sociais, da análise dos problemas candentes da sociedade de risco global - no contexto da modernidade reflexiva e da incorporação do estudo dos desafios ecológicos locais, regionais e global, presentes no século XXI (Beck et al., 1997)
Atualmente, a Demografia e os estudos populacionais têm um novo campo, denominado no Brasil por Daniel Hogan como demografia ambiental, que está se concentrando mais nas relações entre população e meio ambiente. Paralelamente ao aumento significativo do consumo global, os elementos da dinâmica demográfica mostraram grande dinamismo no último século em várias partes do mundo. Essas transformações demográficas foram acompanhadas de sérias mudanças ambientais, e ainda há muito a entender sobre as relações entre as variáveis populacionais e o meio ambiente.
A partir da década de 1980, a disseminação mundial de casos de contaminação ambiental e seus impactos na saúde e na vida humana motivaram o desenvolvimento de estudos sobre população e meio ambiente (HOGAN et al., 2010).
Na década de 1990, os estudos começaram a incorporar principalmente as preocupações ambientais com o aumento crescente das emissões de gases de efeito estufa e a poluição do ar (BONGAARTS, 1992), as mudanças na cobertura e no uso do solo e o desmatamento, e as relações entre desastres ambientais e migração
No entanto, a Demografia demorou para incorporar as questões ambientais e só recentemente este campo de pesquisa se tornou mais abrangente. Na década de 1990, alguns estudos forneceram evidências que buscavam explicar as dificuldades da Demografia em estabelecer uma linha de pesquisa sólida para lidar com as questões ambientais (KEYFITZ, 1992)
Muitos pesquisadores dedicaram uma quantidade significativa de tempo a estudos focados na criação de estratégias para conter o crescimento populacional. A teoria por trás disso, como proposto por Malthus, é que o crescimento populacional seria o principal fator que exerce pressão sobre os recursos naturais. No entanto, existe um argumento contrário que sugere que as causas dos problemas ambientais não são puramente demográficas. Outros fatores, como as instituições sociais, a eficiência dos mercados, o nível tecnológico e a distribuição de renda, podem ter um papel mais significativo na questão ambiental. Esses fatores podem influenciar a maneira como os recursos são usados e distribuídos, e como os resíduos são gerados e gerenciados.
No entanto, Keyfitz (1992) alerta que dar excessiva importância a esses temas pode levar muitos cientistas sociais a interpretar erroneamente que as questões populacionais têm pouco ou nenhum impacto nas transformações ambientais. Isso poderia desviar a atenção das importantes interações entre população e meio ambiente. As questões populacionais, como tamanho, densidade, distribuição e taxas de crescimento da população, podem ter impactos significativos no meio ambiente. Por exemplo, uma população maior pode exigir mais recursos e gerar mais resíduos, enquanto uma população densamente povoada pode colocar pressão sobre os recursos locais.
Nos últimos 45 anos, a Pegada Ecológica mundial ultrapassou a biocapacidade do planeta. Isso significa que estamos consumindo recursos naturais a um ritmo que excede a capacidade da Terra de repor esses recursos. Para manter nosso atual nível de consumo de forma sustentável, precisaríamos de mais de um planeta Terra. Em 1961, o mundo estava em uma situação de superávit ambiental. Naquela época, a população mundial de 3 bilhões de pessoas consumia menos recursos naturais do que a Terra era capaz de renovar. No entanto, a situação mudou drasticamente desde então.
Hoje, com uma população de 8,1 bilhões de pessoas, nosso consumo superou em muito a capacidade da Terra. Isso é um sinal claro de que estamos vivendo além dos meios do nosso planeta. Se continuarmos nesse ritmo, esgotaremos nossos recursos naturais e comprometeremos a capacidade das futuras gerações de atender às suas próprias necessidades.
Atualmente, a média mundial da Pegada Ecológica é de 2,7 hectares globais por pessoa, enquanto a biocapacidade disponível para cada ser humano é de apenas 1,8 hectare global. Tal situação coloca a população do planeta em grave déficit ecológico, correspondente a 0,9 gha/cap. A humanidade necessita hoje de 1,5 planeta para manter seu padrão de consumo, colocando, com isso, a biocapacidade planetária em grande risco. (WWF Brasil)
Conclusão
A contradição do Antropoceno reside no fato de que, embora tenhamos tecnologia que melhora exponencialmente a cada dia e informações que alcançam o mundo inteiro, tudo isso ocorre à custa dos ecossistemas da Terra, da perda da biodiversidade e da estabilidade climática. As atividades humanas que impactam o meio ambiente acompanham esse ritmo acelerado de expansão tecnológica, e eventualmente atingiremos um ponto crítico. Além da questão ambiental, existe a questão da desigualdade. A globalização e as tecnologias de ponta não beneficiam todos os países igualmente. Como Milton Santos afirmou em seu livro, a globalização se impõe à maior parte da população como uma perversidade.
Estamos diante de um desafio colossal: como escolher um caminho que permita o avanço da tecnologia sem destruir o mundo? Se você é um defensor das teorias neomalthusianas, pode estar pensando que políticas antinatalistas, como a política do filho único adotada pela China, deveriam ser implementadas. No entanto, essa política teve enormes consequências socioculturais não previstas, e a China está sentindo seus impactos atualmente, tanto que reverteu essa política.
Se ainda não foi convencido de que a política antinatalista gera catástrofes socioculturais, fique com esse depoimento de um chinês que desabafou em uma entrevista realizada no documentário One Child Nation.
Não podíamos nos desfazer do bebe em plena luz do dia. Então a levamos em uma cesta e escalamos montanhas enquanto ainda era noite. Pusemos US$ 20 na roupinha dela e a deixamos no balcão do açougue de um mercado. Ela ficou lá dois dias e duas noites. Ninguém a quis, o rosto ficou todo mordido de pernilongos. Ela acabou morrendo. (Zaodi Wang)
Dessa forma, é necessário pensar em uma outra forma de solucionar os problemas gerados pelo crescimento populacional aliado ao desenvolvimento tecnológico desenfreado, como colocou o autor José Eustáquio:
O crescimento da população mundial e do padrão de consumo da humanidade – que ocorre de maneira desigual – tem um impacto global sobre o meio ambiente que ameaça ultrapassar as fronteiras planetárias e provocar um colapso ambiental, que pode se transformar também em um colapso civilizacional. O desafio contemporâneo mais candente a reversão do rumo insustentável da economia internacional. Para tanto, é preciso abandonar a “crescimentomania” (doença do crescimento a qualquer custo), avançar na redução das desigualdades sociais e buscar, urgentemente, um relacionamento justo e sustentável com a natureza, com o clima e com os demais seres vivos da Terra (EUSTAQUIO, 2018)
A solução proposta por Eustáquio é, sem dúvida, complexa de implementar, pois as desigualdades sociais em todo o mundo têm tanto causas comuns quanto particulares. Essas desigualdades com causas específicas exigem abordagens diferenciadas, o que não é uma tarefa fácil. Além disso, desacelerar o desenvolvimento tecnológico é um desafio enorme e arriscado. Se a humanidade não encontrar maneiras sustentáveis de progredir tecnologicamente, podemos enfrentar uma estagnação em nosso avanço como espécie.
No entanto, se conseguirmos desenvolver meios de avançar tecnologicamente sem degradar o meio ambiente, poderemos criar uma sociedade com menos desigualdades (i) e viver de maneira sustentável (ii). Isso significa que não prejudicaríamos o meio ambiente toda vez que quiséssemos expandir nosso domínio sobre o planeta. Portanto, o desafio é encontrar um equilíbrio entre o progresso tecnológico e a sustentabilidade ambiental.
Uma demografia ecológica não se preocupa apenas com a simples relação população e desenvolvimento, mas com o impacto que este binômio exerce sobre o meio ambiente. Um modo de produção e consumo sustentável deve permitir reconciliar a jornada evolutiva da vida e iniciar uma nova trilha de atuação para reverter o aquecimento global, estabilizar o clima, recuperar a biodiversidade e permitir a transição para uma economia baseada em biomateriais e na produção descentralizada e orientada para a resiliência ecocêntrica.