Aula 7 - Os conflitos Agrários

Escrito por Gabriel Volpato Lima

Estudar a luta pela terra e o processo de reforma agrária no Brasil envolve entender as transformações sociais no espaço agrário, o papel do Estado, os modelos de desenvolvimento agrário e as ações coletivas. A análise das classes sociais é crucial, assim como entender a violência no campo e os conflitos agrários. Esses conflitos revelam a continuidade do processo de dilaceramento da cidadania no campo, mas também o vigor das lutas agrárias.

Existe um paradoxo na convivência da modernização capitalista com a permanência dos conflitos agrários no Brasil. A expansão da inovação agropecuária e dos complexos agroindustriais coexiste com a manifestação de “trabalho escravo” e o recurso ao suplício do corpo. Isso levanta questões sobre a sociedade brasileira contemporânea, marcada pelo aumento da modernização, a generalização da violência e a expansão das lutas sociais.

Com o estudo das questões agrárias e o processo de formação do campesinato brasileiro, bem como a modernização desigual da agricultura, é possível compreender melhor os conflitos agrários. Esses conflitos, muitas vezes sangrentos, envolvem não apenas camponeses, mas também posseiros, índios, garimpeiros e outros que lutam pela defesa do acesso à terra contra uma estrutura fundiária extremamente concentradora.

As lutas camponesas, particularmente aquelas lideradas pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), não se concentram apenas na estrutura fundiária conservadora. Elas também questionam o poder dos grandes proprietários rurais, a lei obsoleta e injusta, e defendem contra as injustiças sociais do país. Portanto, a análise dessas lutas e conflitos é essencial para entender a dinâmica social e política do espaço agrário brasileiro.

A violência

A transição política do Brasil da ditadura militar (1964-1985) para a redemocratização na década de 1980 trouxe a questão agrária e os movimentos sociais de luta pela terra de volta ao centro do debate político. A violência no campo, marcada por opressão e injustiça, tem sido uma constante nas relações agrárias brasileiras. A luta por uma reforma agrária é vista não apenas como uma luta pelo direito à terra, mas também pelo direito a ser um cidadão respeitado e digno.

A maneira como os trabalhadores rurais são vistos pode estar relacionada ao modelo de produção econômica implantado no Brasil colonial, onde a mão-de-obra na agricultura era escrava. Mesmo após a abolição da escravidão em 1888, os costumes e tratamentos ainda são encontrados em várias propriedades rurais do país, incluindo a ocorrência de trabalho semi-escravo.

Durante a ditadura militar, o governo criou o Estatuto da Terra para diminuir a tensão no campo, que preconizava uma redistribuição da terra. No entanto, o Estatuto acabou dando direito de posse àqueles que já estavam ocupando terras devolutas, e não redistribuindo para aqueles que ainda não tinham direito à terra.

Entre 1988 e 1998, o número de conflitos no campo permaneceu elevado, envolvendo conflitos de terra, ocorrência de trabalho escravo, conflitos trabalhistas e outros tipos de conflitos. A realidade brasileira apresenta uma ampla conflitualidade e um aumento da violência nos espaços sociais agrários, com fortes violações de direitos humanos. A violência, tanto contra a natureza humana quanto contra a natureza, é uma manifestação da relação de estranhamento do homem com a natureza.

A violência no espaço agrário brasileiro tem aumentado, muitas vezes através de capangas ou da polícia, que em vez de garantir direitos constitucionais, atendem aos interesses dos latifundiários. Estes muitas vezes são empresários industriais, magistrados e até políticos que se apropriam da terra para reproduzir o capital. Durante a segunda metade do século XX, o Brasil passou por um processo de modernização da agricultura, estimulado pelo Estado, com o objetivo de expandir o capital industrial urbano através da agroindústria. Isso acelerou a concentração de terra e renda e aumentou as tensões conflituosas no meio rural.

A violência contínua é uma característica marcante da argumentação sociológica sobre a expropriação do campesinato. Esta expropriação, culminando com a tomada das terras e destruição de parte do campesinato, ocorreu principalmente através da violência escondida e legal, ou seja, da violência monopolizada pelo Estado. O fenômeno da violência afeta mais algumas classes sociais do que outras, algumas raças mais do que outras, e as mulheres e os homossexuais mais do que os homens. Em particular, afeta as crianças, que inseridas no processo de trabalho no campo, passam a experimentar as mesmas condições sociais de seus pais. Isso indica um quadro de exclusão da cidadania.

A violência em conflitos de terra, especialmente a que resulta em assassinatos de crianças, revela a destruição de grupos familiares de camponeses. Isso é particularmente evidente durante o período inicial do Governo Civil, quando houve uma possibilidade de redistribuição fundiária. A violência também é evidente em acidentes de transporte para o trabalho, trabalho escravo e em acampamentos de colonos e trabalhadores sem-terra.

A violência física no meio rural é perpetuada por pistoleiros, que são contratados para executar homicídios, muitas vezes a mando de grandes proprietários de terra e políticos. Isso representa uma complexa rede de relações sociopolíticas.

Atualmente, a violência está presente em diferentes modalidades de relações sociais, incluindo conflitos agrários que envolvem a participação de empresas privadas, nacionais e estrangeiras. Entre 1964 e 1994, foram identificados cerca de 380 conflitos em todo o Brasil, envolvendo 18 empresas estrangeiras, 14 bancos e 348 empresas nacionais. (CPT - Comissão Pastoral da Terra, Goiânia, Brasil.)

Dados de 1992 mostravam que no Brasil havia mais de 3 milhões de imóveis rurais, dos quais 2,4% tinham área acima de mil hectares. No entanto, 84,4% dos imóveis, com área inferior a 100 hectares, ocupavam apenas 17,9% da área total. Isso indica a necessidade de uma reforma na estrutura fundiária do Brasil, considerando que são os pequenos produtores que são responsáveis pela produção de alimentos para abastecer o mercado interno. (INCRA)

Os conflitos sociais e a violência no campo brasileiro não são fenômenos recentes, mas remontam ao processo de formação colonial do século XVI. Inicialmente, os povos indígenas lutaram em defesa de seu território e hoje estão confinados em áreas delimitadas pelo Estado, conhecidas como reservas indígenas.

Posteriormente, os escravos negros fugitivos das grandes propriedades formaram os quilombos, que representavam a liberdade e o coletivismo, em contraposição ao modelo capitalista de produção. Muitos foram mortos ao defender o direito à terra, a dignidade e a liberdade, ou seja, a sua cidadania, que era negada pelos grandes proprietários de terras. Nesse mesmo contexto, os posseiros também têm lutado pelo direito à terra, contra os interesses dos latifundiários e seus jagunços.

Durante os anos 50 e 60 do século XX, foram formadas as ligas camponesas, intensificando os conflitos e resultando na morte de muitas de suas lideranças. Até o surgimento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no início da década de 1984, as lutas no campo estavam diretamente ligadas aos sindicatos de trabalhadores rurais, articulados nacionalmente em torno da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag).

O MST surgiu nesse contexto sociopolítico, com expressão nacional e até internacional, lutando contra a expropriação gerada pelo capitalismo. Eles desenvolvem estratégias de combate, como acampamentos e assentamentos, bem como manifestações nas áreas urbanas, a fim de criar um canal de negociação com o Estado brasileiro para garantir os direitos constitucionais.