Parte I: Sintagma nominal
Por Daniel Agi Pigini
Os problemas de sintagma nominal e sintagma verbal são os dois tipos de problema ligados à morfologia. Identificar uma questão dessas é fácil: se tem um exemplo de 1 palavra no “problemês” que traduz para uma frase inteira (às vezes enorme) no português, então é um problema de morfologia. E se é frase traduzindo para frase, é questão de sintaxe. Essa divisão é um pouco generalista, então devemos ter cuidado com ela, mas geralmente ela é aplicável.
Dos três tipos de problema que estamos analisando, os de sintagma nominal geralmente são os mais fáceis, porque não incluem a análise de verbos, que costuma ser a parte mais complicada. Dito isso, é importante definir alguns conceitos:
- Nome: uma palavra que classifica seres, objetos, lugares, etc. No português, são os substantivos.
- Nome próprio: aquele que se refere a pessoas ou lugares. Em algumas línguas, pode ser marcado (como é o caso do português, em que vêm com letra maiuscula).
- Nome comum: descreve uma classe de entidades (por exemplo, cidade, menina, gato).
Podemos dizer que a oração é a união de um sintagma verbal com sintagmas nominais (Oração = SN + SV). Dentro do sintagma nominal, devemos analisar o nome (que é o núcleo) e as palavras/afixos subordinados a ele (artigos, adjetivos, pronomes possessivos, entre outros). Vamos chamar esses termos subordinados de modificadores.
Vamos ver agora alguns aspectos mais específicos desse tipo de problema: as variáveis dos nomes, os modificadores, os fenômenos de reduplicação e suplementação de radicais e as relações de posse:
Variáveis dos nomes:
As variáveis do nome são características que podem mudar e são usadas para caracterizar esse nome. Muitas vezes, vão estar associadas a algum tipo de afixo. Geralmente, essas marcações também podem estar presentes nos modificadores, como adjetivos ou artigos. Abaixo estão listados os tipos mais comuns de variáveis do nome nos problemas de linguística:
- Número: O número diz respeito à quantidade de seres a que o nome se refere. A distinção mais simples é entre singular (um ser) e plural (mais de um ser). No entanto, algumas línguas podem apresentar distinções mais específicas, como o dual (dois seres), o trial (três seres) e o paucal (poucos seres). Além disso, há línguas que não apresentam marcação de variação de número no nome.
- Gênero: Um jeito de identificar se o “problemês” apresenta distinção de gênero é perceber se há diferentes morfemas com o mesmo significado sendo utilizados em grupos de palavras diferentes. Por exemplo, em “o rapaz bom” e “a moça boa”, os pares o/a e bom/boa desempenham o mesmo papel, e a variação em sua estrutura é apenas um indicador da distinção de gênero entre as palavras “rapaz” e “moça”. Vale ressaltar que algumas línguas também podem apresentar o gênero neutro, além do masculino e do feminino. Outras podem não marcar a distinção de gênero.
- Caso gramatical: O caso gramatical indica o papel do nome na oração. Muitas vezes, vai estar ligado à função sintática (que está explicado com mais detalhes na parte de sintaxe). Assim, podemos ter afixos adicionados aos nomes para indicar os casos nominativos/acusativos, ergativos/absolutivos, etc. A variação na estrutura de um nome de acordo com seu caso gramatical se chama declinação. No entanto, os casos podem ir além da diferenciação do alinhamento morfossintático. Por exemplo, algumas línguas urálicas (como o finlandês) podem apresentar mais de 20 casos, que geralmente são traduzidos como o nome acompanhado por uma preposição. Caso isso apareça em algum problema, não é necessário saber o nome de cada caso. Basta conseguir associar uma mudança na estrutura do nome a um papel que ele desempenha na oração.
- Humano/não humano: Essa distinção aparece em algumas línguas, em que nomes que se referem a seres humanos recebem algum tipo de “tratamento especial”, podendo ser a adição de um afixo, uma mudança nos modificadores que o acompanham, entre outras possibilidades.
- Animado/inanimado: Parece com a diferenciação anterior. A diferença é que em vez de separar pessoas e não pessoas, a distinção é entre coisas animadas (pessoas, animais, etc.) e inanimadas.
- Classe: Essa variável se refere a uma classificação dos nomes em grupos, feita de acordo com sua semântica (seu significado). Algumas características a serem consideradas na hora de definir as classes nominais de uma língua são: pessoas, animais, seres racionais, alimentos, formato dos objetos (longos, arredondados, planos, etc.), entre outras. Aqui vai um exemplo das quatro classes nominais da língua dyirbal:
- Homens e seres animados.
- Mulheres, fogo e coisas violentas (classe das “coisas perigosas”).
- Frutas e vegetais comestíveis.
- Qualquer coisa que não se enquadre em uma das classes anteriores.
Modificadores:
Os modificadores são as palavras ou afixos adicionados ao nome para alterar levemente seu significado. São eles os adjetivos (caracterizam os nomes), os pronomes (adjetivos: podem ser possessivos, demonstrativos, entre outros tipos), os artigos (determinam ou indeterminam o nome) e os numerais (indicam quantidade). Além disso, algumas línguas podem apresentar classificadores (ou palavras de contagem), modificadores responsáveis por indicar a classe nominal a que pertence. Os pronomes possessivos estabelecem relações de posse, que serão analisadas de forma mais detalhada logo adiante.
Um tipo especial de modificador são as cores. Isso acontece porque na maioria das línguas a relação entre a quantidade de termos para cores e quais serão as cores representadas pelo mesmo termo segue um padrão. Essas relações foram analisadas por Brent Berlin e Paul Kay em seu estudo “Termos para cores básicas: sua universalidade e evolução”, de 1969. Ainda que difícil, não é impossível que um problema de linguística aborde alguns desses conceitos, então é bom ter uma noção de como essa teoria funciona. É importante ressaltar também que em alguns aspectos ela está desatualizada e que não se prova verdadeira para todas as línguas.
Reduplicação e suplementação de radicais:
A reduplicação é a formação de novas palavras pela repetição (parcial ou total) de um morfema ou parte da palavra. Ela pode desempenhar diferentes papéis semânticos. Vamos analisar a reduplicação em três línguas diferentes:
Língua bahasa indonesia:
rumah (“casa”) → rumahrumah (“casas”)
ibu (“mãe”) → ibuibu (“mães”)
Língua marshallesa:
kagir (“cinto”) → kagirgir (“vestir um cinto”)
takin (“meias”) → takinkin (“vestir meias”)
Língua samoana:
savali (“ele anda”) → savavali (“eles andam”)
alofa (“ele ama”) → alolofa (“eles amam”)
Observando esses exemplos, é possível perceber que na língua bahasa indonesia a reduplicação é total, enquanto em marshallês e em samoano ela é parcial. A reduplicação parcial é a mais comum e também a mais sutil, então é necessário estar atento para percebê-la em um problema (e não confundir com um afixo). Além disso, percebemos que a reduplicação pode ter diferentes funções. Nesses casos, foram as de formar o plural de um nome, formar o plural de um verbo e transformar um nome em um verbo. No entanto, diversas outras funções podem estar associadas a esse processo.
Já a suplementação de radicais se refere a uma situação em que um mesmo radical apresenta duas ou mais estruturas completamente diferentes, geralmente devido a diferentes etimologias. Está presente em muitas línguas, como o português (ir-vou), inglês (good-better, bad-worse, go-went), espanhol (ir-voy), francês (être-sommes, aller-vais) e alemão (gut-besser). Chama-se essas formas correspondentes de formas supletivas. Esse fenômeno é muito raro nos problemas de linguística, então é necessária uma análise cautelosa quando se pensa que ele pode estar presente.
Relações de posse:
As relações de posse são estruturas que indicam que um ser pertence a outro. Definimos, então, o possuidor (aquele que possui o outro) e o possuído (aquele que pertence ao outro). No português, essas relações geralmente são expressas por meio da preposição “de” (o carro do amigo) ou de pronomes possessivos (o meu carro). Além disso, existem outras formas comuns de se expressar posse:
- Caso genitivo: caso gramatical em que um morfema é adicionado ao possuidor (e, às vezes, aos seus dependentes). Um exemplo é the friend’s car, do inglês.
Em muitas línguas da família austronésia, a posse é marcada no possuído (ao contrário do caso genitivo, marcado no possuidor), seja um afixo um modificador. Por exemplo, na língua fijiana, na uluqu significa “ minha cabeça” e na kequ uvi significa “meu inhame” (as partes destacadas são os marcadores do possuído).
Além disso, outro conceito é bem importante nesse tipo de problema: a diferença entre bens alienáveis e inalienáveis. Os bens inalienáveis são aqueles que não podem ser emprestados ou perdidos (geralmente partes do corpo e membros da família), enquanto os alienáveis se aplicam aos outros casos. Na maior parte das línguas em que essa distinção é relevante, a relação de posse com o item inalienável é feita simplesmente pela adição de um afixo, enquanto a do alienável é marcada por um modificador (é o caso da língua fijiana nos exemplos acima).