Parte IV - Fenômenos fonológicos

Por Felipe Araújo Moraes Barros

Há uma série de fenômenos fonológicos, que podem ser divididos em dois principais grupos: os fenômenos decorrentes da economia linguística e os que são resultado da busca por distinção fonêmica.

Quanto aos relativos à economia linguística, há vários fenômenos importantes a serem discutidos. Mas, primeiro, é essencial definir economia linguística. Ela é o princípio de que a linguagem tende a tornar-se mais econômica de um ponto de vista de esforço (seja ele mecânico/fonológico, ou temporal/morfológico). Assim, as palavras podem tender a adquirir formas que requerem menos esforço para serem pronunciadas, como por terem formas de articulação semelhantes ou por serem mais “simples” de pronunciar. 

Esse último critério depende da sonoridade da consoante. Enquanto formas mais “tensas”, como as plosivas e as nasais requerem mais esforço, as sibilantes, sonoras e semivogais são cada vez mais fáceis de serem pronunciadas. No português, transformamos as consoantes n do latim em vogais nasais, de pronúncia mais econômica.  Destacam-se três fenômenos referentes a isso: a lenição, a assimilação e a harmonia vocálica.

A lenição é a transformação de um som em uma forma mais fraca. No inglês, por exemplo, o [t] da forma wait [weɪt] é pronunciado como [ɾ], mais sonora, na forma relacionada waiting [ˈweɪɾɪŋ], sofrendo processo de lenição.

Exemplo: No problema da língua Alabama, da IOL 2022, o fone [b] é pronunciado [m], mais sonoro, em circunstâncias específicas, nesse caso após a adição de outro [b]:

  • Formas sem lenição: sibapli, ɬobaffi
  • Formas com lenição: simbi , ɬómbafka

A assimilação é a transformação de um som consonantal em uma forma mais próxima de outros sons ao seu redor. É, de LONGE, o fenômenos mais explorado nos problemas de fonologia, e envolve, usualmente, a absorção de um LOCAL DE ARTICULAÇÃO, mantendo-se o modo de articulação intacto.

 Isso ocorria no português arcaico, em que prefixos como in- ([n] alveolar) eram transformado em im- ([m] bilabial) se a consoante seguinte fosse bilabial, como em imprevisível. Hoje em dia, mesmo que essa consoante represente nasalização da vogal anterior, ao invés de ser pronunciada, a regra ainda mantém-se na ortografia, com a famosa regra do m antes de p ou b. Essa assimilação do local de articulação da nasal após uma plosiva é EXTREMAMENTE COMUM, então é ideal que você domine ela.

Exemplo: No problema da língua Copainalá Zoque, da IOL 2008, há uma partícula que envolve a adição de uma nasal no começo da palavra seguinte (representado por ʔʌs n-). A depender da consoante seguinte, o lugar de articulação da nasal muda (torna-se ŋ-, por exemplo, se seguida por uma consoante velar, como [k] ou [g])

  • Forma original: ʔʌs ncapkʌsmʌseh
  • Forma assimilada: ʔʌs ŋgom

A harmonia vocálica é um tipos específico de assimilação que ocorre com vogais. É distinta da assimilação convencional por dois motivos: possui critérios notáveis e acomete palavras inteiras. Ela envolve a concordância entre sons vocálicos, a depender de características como altura (ou abertura da boca), arredondamento, ou ATR, que é uma característica de algumas vogais que tendem a ter a raíz da língua avançada ou retraída (+ATR ou -ATR). 

Em cada um desses casos, as vogais de uma palavra serão, sempre (ou quase), do mesmo “grupo” dessas característica. Por exemplo, se uma língua possui harmonia por ATR, as palavras da língua terão ora vogais +ATR, ora vogais -ATR, mas nunca (ou quase) as duas misturadas na mesma palavra. O mesmo conceito serve para a altura e para o arredondamento, como é o caso do turco.

Exemplo: No problema Türkış Delıt, da NACLO de 2010, da língua turca, há uma harmonia vocálica que acontece parcialmente por arredondamento, em que o sufixo çV (em que V é uma vogal) varia entre <i> e <u> a depender do arredondamento da vogal anterior.

  • Forma não arredondada: güreşçi 
  • Forma arredondada: barutçu

Desafio: Esse problema tem mais dois casos de assimilação: um relacionado à harmonia vocálica e outro de assimilação consonantal. Você consegue descobri-los?

Quanto aos relativos à distinção das palavras, há dois principais fenômenos: a fortição e a desassimilação. Esses fenômenos ocorrem por diversos motivos, todos eles fundamentados no mesmo princípio: facilitar a pronúncia e o entendimento, evitando sons parecidos ou ambíguos. Esses fenômenos são menos comuns e mais fáceis de enxergar, então não são tão recorrentes em problemas de linguística. No entanto, isso quer dizer que, quando eles caem, você não pode errar!

A fortição é o contrário da lenição: há um aumento do grau de tensão da consoante. Enquanto uma lenição poderia ser [b] [m] ou [b] [w], a fortição é o contrário: [m] [b] e assim por diante. A fortição mais comum de longe é a da semivogal [j], que, especialmente em encontros com a vogal [i], pode ser facilmente confundida. Assim, ela frequentemente torna-se [dʒ], como ocorreu com o próprio latim na formação de algumas línguas românicas modernas, inclusive o português.

A desassimilação também serve para facilitar a pronúncia de palavras, trocando sons ou até deletando-os. Naquele problema de Alabama que vimos mais cedo, a lenição poderia também ser entendida como desassimilação: para evitar o encontro consonantal [bb], o primeiro [b] torna-se [m], formando [mb], mais fluido para a pronúncia.

Você já sabe quase tudo que precisa sobre fonologia. Que tal aprendermos fonética agora?