MATERIAL OBMEP - RECORRÊNCIA

Escrito por João Rafael e João Ferreira.

Introdução

Recorrências não são tão comuns em provas da OBMEP quanto outros assuntos, mas quando estão na prova são questões desafiadoras, por isso trouxemos esse material pra você. Note que como é um assunto que geralmente necessita de certa noção teórica esse artigo será de nível mais avançado para a OBMEP. Recorrências consistem em usar casos anteriores para definir ou descobrir algo sobre o caso atual de uma sequência ou construção. Abaixo segue uma lista de teoria e de problemas de treinamento relacionados ao tema. Tente resolver todos eles antes de ir para as dicas e soluções no final do material e divirta-se!

Recorrências de primeira ordem

São um tipo de recorrência em que cada termo é definido com base no termo exatamente anterior a ele.

Ex: A sequência dos números ímpares positivos onde o n-ésimo número ímpar é definido como a_n=a_{n-1}+2 e a_1=1.

Ex: Uma progressão aritmética em que o n-ésimo termo é definido por a_n=a_{n-1}+r.

Ex: Uma progressão geométrica em que o n-ésimo termo é definido por a_n=a_{n-1}q.

Estratégias para achar o a_n em função do a_1:

Em recorrência de primeira ordem basicamente sempre conseguimos achar um termo geral usando produtos ou somas telescópicas(nome bonito para somar ou multiplicar várias vezes termos da sequência formada).

Ex_1: Ache o termo geral de uma progressão aritmética(P.A) de razão 5 e a_1=2

Solução: Seja a_n o n-ésimo termo dessa P.A. Sabemos que:

\begin{cases}a_n=a_{n-1}+5 \\ a_{n-1}=a_{n-2}+5 \\ \vdots \\ a_3=a_2+5 \\ a_2=a_1+5\end{cases} \underbrace{\Rightarrow}_{somando} a_n+a_{n-1}+a_{n-2}+\dots+a_2=a_{n-1}+a_{n-2}+\dots+a_2+a_1+\underbrace{5+5+\dots+5}_{n-1 vezes}\Rightarrow a_n=a_1+(n-1)5 \blacksquare

Ex_2: Encontre o termo geral da recorrência gerada pela relação a_n=na_{n-1} em função de a_1 e n.

Solução: Sendo a_n um termo qualquer da sequência, temos:

\begin{cases}a_n=na_{n-1} \\ a_{n-1}=(n-1)a_{n-2} \\\vdots \\ a_3=3a_2 \\ a_2=2a_1\end{cases} \underbrace{\Rightarrow}_{multiplicando} a_na_{n-1}\dots a_2=a_{n-1}\dots a_2a_1\times n\times n-1\times\dots\times2\times1\Rightarrow a_n=n!\times a_1 como queriamos. \blacksquare

Nos Ex_1 e Ex_2 nos utilizamos somas e produtos telescópicos, respectivamente. Agora, exercite um pouco dessa ideia:

Exercícios:

1.(EUA) Os quatro primeiros termos de uma P.A. são a, x, b, 2x. Determine o valor da razão \dfrac{a}{b}.

2. Determine o produto dos n primeiros números pares.

3. Encontre o valor de a_{2020} onde a_n=2a_{n-1}+1 e a_1=1.

4. Numa P.A, temos a_p=q e a_q=p. Calcule a_{p+q}.

Recorrência de segunda ordem

Esse tipo de recorrência tem cada termo definido por dois termos anteriores.

Ex: A sequência de Fibonacci em que sendo F_n o n-ésimo termo, F_{n+1}=F_n+F_{n-1}

Ex: Sequências definidas da seguinte forma: a_n=pa_{n-1}+qa_{n-2}

Estratégias de solução para recorrências de segunda ordem:

Para resolver esse tipo de recorrência geralmente usamos um método um pouco mais avançado em relação da OBMEP, mas que sempre é bom saber: equações características. Porém, a nível OBMEP, algumas recorrências de segunda ordem podem ser resolvidas usando somas telescópicas ou as vezes podemos até fazer à mão os termos.

Exercícios:

1. Ache o termo geral da recorrência a_n=3a_{n-1}-2a_{n-2} onde a_2=2 e a_1=1

2. Ache o termo geral na recorrência 2a_n=5a_{n-1}-2a_{n-2} com a_2=a_1=1

Problemas

1 (OBMEP/2011-F2-N2-P4). Começando com qualquer número natural não nulo é sempre possível formar uma sequência de números que termina em 1, seguindo repetidamente as instruções abaixo:

  • se o número for ímpar, soma-se 1;
  • se o número for par, divide-se por 2.

Por exemplo, começando com o número 21, forma-se a seguinte sequência:

21\rightarrow22\rightarrow11\rightarrow12\rightarrow6\rightarrow3\rightarrow4\rightarrow2\rightarrow1

Nessa sequência aparecem nove números; por isso, dizemos que ela tem comprimento 9. Além disso, como ela começa com um número ímpar, dizemos que ela é uma sequência ímpar.

a) Quantas são as sequências pares e quantas são as sequências ímpares de comprimento 6? E de comprimento 7?

b) Existem ao todo 377 sequências de comprimento 15, sendo 233 pares e 144 ímpares. Quantas são as sequências de
comprimento 16? Dessas, quantas são pares? Não se esqueça de justificar sua resposta.

2 (OBMEP/2019-F2-N2-P5). Dizemos que uma fila de cadeiras de cinema está ocupada de forma quase-cheia quando não há duas cadeiras consecutivas ocupadas, mas a próxima pessoa a chegar será obrigada a sentar-se ao lado de uma cadeira já ocupada. Uma fila de 5 cadeiras tem exatamente quatro ocupações quase-cheias, mostradas abaixo. As cadeiras marcadas com X indicam que elas estão ocupadas.

a) Quantas são as ocupações quase-cheias em uma fila de 8 cadeiras em que a segunda cadeira já está ocupada?

b) A tabela abaixo apresenta o número de ocupações quase-cheias para algumas filas de cadeiras. Calcule o total de ocupações quase-cheias em uma fila com 19 cadeiras. Justifique.

 

3 (OBMEP/2014-F2-N2-P6). Fábio gosta de brincar em escadas, subindo ou descendo seus degraus da seguinte maneira:

  •  começa no degrau de número 1;
  •  a cada movimento ele sobe ou desce um ou dois degraus e, ao subir ou descer dois degraus, não pisa no degrau intermediário;
  •  pisa em todos os degraus exatamente uma vez.

Por exemplo, em uma escada com três degraus ele pode brincar de duas maneiras diferentes: 1\rightarrow2\rightarrow3, 1\rightarrow3\rightarrow2; com quatro degraus ele pode brincar de quatro maneiras diferentes: 1\rightarrow2\rightarrow3\rightarrow4, 1\rightarrow2\rightarrow4\rightarrow3, 1\rightarrow3\rightarrow2\rightarrow4 e 1\rightarrow3\rightarrow4\rightarrow2.

a) Explique por que sempre é possível terminar a brincadeira no degrau de número 2 em qualquer escada com dois ou mais degraus.

b)31 e 68 maneiras diferentes de se brincar em escadas com nove e onze degraus, respectivamente. De quantas maneiras diferentes Fábio pode brincar em uma escada com doze degraus?

4 (OBMEP/2018-F2-N2-P5). A nova mania de Fábio é triangular polígonos, ou seja, decompor polígonos em triângulos desenhando diagonais que não se cruzam no interior do polígono. Fábio notou que há apenas duas maneiras de triangular um quadrilátero e cinco maneiras de triangular um pentágono, como nas figuras.

a) De quantas maneiras Fábio pode triangular um hexágono?

b) De quantas maneiras Fábio pode triangular um heptágono?

5 (OBMEP/2012-F1-N2-P9). Renata montou uma sequência de triângulos com palitos de fósforo, seguindo o padrão indicado na figura.

Um desses triângulos foi construído com 135 palitos de fósforo. Quantos palitos formam o lado do triângulo maior?

6 (OBMEP/2010-BANCO/P219). Construa uma figura com seis triângulos equiláteros adjacentes, o primeiro com lado de comprimento 1 e os triângulos seguintes com lado igual à metade do lado do triângulo anterior, como indicado na figura. Qual é o perímetro dessa figura?

Dicas

1. b) Quantas sequências ímpares e pares de comprimento 16 cada sequência de comprimento 15 gera?

2. b) O que acontece quando a primeira cadeira está ocupada? E quando a segunda está ocupada?

3. a) Mostre um algoritmo que permita terminar a brincadeira no degrau 2.

b) Analise os casos dependendo dos movimentos iniciais de Fábio.

4. Trace diagonais a partir de um único vértice para obter recorrências.

5. Conte o número de pálitos em cada termo da sequência formada e tente achar um recorrência

6. Escreva o lado de cada triângulo em função do triângulo imediatamente maior que ele.

Soluções

1. a) Com o diagrama abaixo concluímos que existem 3 sequências pares e 2 ímpares de comprimento 6 e 5 sequências pares e 3 ímpares de comprimento 7.

b) As 144 sequências ímpares de comprimento quinze dão origem a 144 sequências pares de comprimento dezesseis; já as 233 sequências pares de comprimento quinze dão origem a 233 sequências pares de comprimento dezesseis e 233 sequências ímpares de comprimento dezesseis. Assim, temos 233 sequências ímpares de comprimento dezesseis e 233+144=377 sequências pares de comprimento dezesseis, num total de 233+377=610 sequências.

2. a) Como a segunda cadeira já está ocupada, a primeira e terceira cadeiras necessariamente devem ficar livres. Assim, os demais a chegar devem ocupar, de modo quase cheio, as 5 cadeiras restantes. Como visto no enunciado, há 4 possibilidades para a ocupação dessas cadeiras.

b) Em uma ocupação quase cheia de 19 cadeiras, exatamente uma das duas primeiras cadeiras deve estar ocupada. Com a primeira cadeira ocupada e consequentemente a segunda livre, as demais pessoas devem ocupar, de modo quase cheio, as outras 17 cadeiras. De acordo com a tabela, há 114 possibilidades para essa ocupação. Com a segunda cadeira ocupada e consequentemente as duas ao lado livres, as demais pessoas devem ocupar, de modo quase cheio, as outras 16 cadeiras. De acordo com a tabela, há 86 possibilidades para essa ocupação. Portanto, há um total de 114+86=200 ocupações quase cheias para 19 cadeiras.

3. a) Fábio pula sobre os degraus ímpares em ordem crescente até o último ímpar, daí pula para o maior degrau par e depois pula apenas sobre os degraus pares em ordem decrescente, terminando a brincadeira no degrau 2.

b) Se ele começar com o movimento 1\rightarrow2, o problema recairá no caso com 11 degraus e, portanto, será possível completá-lo de 68 maneiras.

Se ele começar com 1\rightarrow3\rightarrow2, então ele terá que ir para o degrau 4 e o problema recairá na mesma situação da escada com 9 degraus e ele terá 31 maneiras para completá-lo.

Se ele começar com os movimentos 1\rightarrow3\rightarrow4, os degraus 2 e 5 ficarão a uma distância de 3 degraus um do outro e não será possível terminar a brincadeira.

Se ele começar com os movimentos 1rightarrow3\rightarrow5, ele não poderá mais descer ou subir um degrau, até atingir o último ímpar para depois voltar pelos pares como descrito no item b) e, portanto, haverá apenas uma maneira.

Assim o número total de maneiras que Fábio pode brincar em uma escada com doze degraus é 68+31+1=100.

4. Seja f(x) igual à quantidade de maneiras de se triangular um polígono de x lados, A um vértice qualquer do polígono e B o k-ésimo vértice no sentido horário a partir de A e também o primeiro vértice que está conectado a A no sentido horário. Assim, B deve estar conectado ao primeiro vértice a partir de A no sentido horário, caso contrário, A estaria conectado à outro vértice anterior a B no sentido horário. Assim obtemos um triângulo no meio do polígono e outros dois polígonos interiores, com k vértices e n-(k-1) vértices (exceto quando B é o segundo ou o penúltimo vértice conectado a A, em que obtemos um triângulo e um polígono com n-1 vértices) e portanto essa configuração pode ser triangulada de f(k)f(n-k+1), sendo n a quantidade total de lados do polígono inicial. Observe que podemos obter esta configuração para qualquer vértice B que esteja entre a segunda e a penúltima posição, ao contar os vértices no sentido horário a partir de A, portanto a quantidade total de maneiras de se triangular um polígono de n lados é f(n)= f(2)f(n-1)+f(3)f(n-2)+f(4)f(n-3)+\dots+f(n-2)f(3)+f(n-1)f(2), assumindo f(2)=f(3)=1. Assim podemos resolver os itens a)b).

a) f(6)=f(2)f(5)+f(3)f(4)+f(4)f(3)+f(5)f(2)=5+2+2+5=14.

b) f(7)=f(2)f(6)+f(3)f(5)+f(4)f(4)+f(5)f(3)+f(6)f(2)=14+5+4+5+14=42.

5. Note que a cada triângulo adicionado aumenta em 3 o total de palitos e na n-ésima vez que adicionamos triângulos, colocamos n triângulos. Dessa forma, sendo a_n o total de palitos após a n-ésima adição de palitos podemos defini-lo por:

a_n=a_{n-1}+3n

Fazendo uma soma telescópica, como já fizemos na seção de recorrências de primeira ordem chegamos em a_n=a_1+3(2+3+4+...+n)=\dfrac{3n(n+1)}{2}. Assim, como queremos que

a_n=135\Rightarrow\dfrac{3n(n+1)}{2}=135\Rightarrow n(n+1)=90\rightarrow n=9

Assim n=9 e na nona adição de triângulos o triângulo maior tem lado 9. \blacksquare

6. Sendo P_n o perímetro quando temos n triângulos, temos que P_1=3. Após colocarmos o 2o triângulos o perímetro da figura aumenta em \dfrac{1}{2}. Quando colocamos o terceiro triângulo o perímetro aumenta em \dfrac{1}{2^2} e assim por diante. Dessa forma definimos P_n=P_{n-1}+\dfrac{1}{2^{n-1}}. Resolvendo a recorrência com uma soma telescópica chegamos que P_n=P_1+\dfrac{2^{n-1}-1}{2^{n-1}}. Assim P_6=3+\dfrac{31}{32}=\dfrac{127}{32}. \blacksquare

Referências

Site da OBMEP: http://www.obmep.org.br/provas.htm

Material do POTI de recorrências

Material PROFMAT de recorrências