OBM 2018 - Nível 3 - P6

Problema 6

Considere 4n pontos no plano, sem três colineares. Utilizando esses pontos como vértices, podemos formar 4n\choose 3 triângulos. Mostre que existe um ponto X do plano que pertence ao interior de pelo menos 2n^3 desses triângulos.

Solução de Caio Hermano:

Seja S o conjunto dos 4n pontos dados e considere uma reta l que não é paralela a nenhuma reta determinada por dois pontos de S (isto é possível, pois há uma quantidade finita de retas, ou seja, uma quantidade finita de coeficientes angulares que elas representam no plano cartesiano, enquanto existem infinitos ângulos reais entre 0 e \pi).

Lema 1: Existe uma reta s paralela a l tal que s divide o plano em duas regiões, cada uma contendo exatamente 2n dos pontos de S.

Prova: Para todo ponto P\in S, considere a reta k passando por P e paralela a l. Perceba que k é única para cada P, uma vez que l não é paralela a nenhuma reta que passa por dois pontos de S. Chame de L=\{l_1,l_2,...,l_{4n}\} o conjunto contendo todas as tais retas e ordene-as de forma crescente respectivo às abscissas dos pontos de interseção dessas retas com o eixo x do plano cartesiano (a não ser que l seja paralela eixo x, nesse caso considere as ordenadas dos pontos de interseção dessas retas com o eixo y), de tal modo que a reta l_i esteja localizada na região do plano delimitada pelas retas l_{i-1} e l_{i+1}, para todo i=2,3,...,4n-1.

Assim, tome a reta s como sendo qualquer reta paralela a l que esteja localizada estritamente entre as retas l_{2n} e l_{2n+1}. Ela satisfará as condições do Lema, pois um de seus semiplanos conterá os 2n pontos de S que determinam as retas l_1,l_2,...,l_{2n} (chame esse semiplano de esquerda), enquanto o outro conterá os 2n pontos de S que determinam as retas l_{2n+1},l_{2n+2},...,l_{4n} (chame esse semiplano de direita), como queríamos demonstrar.

Lema 2: Existe uma reta t tal que as retas s e t dividem o plano em quatro regiões, cada uma com exatamente n pontos de S.

Prova: Inicialmente, considere t=l_{2n} e o seu ponto de S como o pivô. Gire t no sentido horário ao redor do pivô T até que a reta encontre pela primeira vez um outro ponto de S, que denotaremos por U. Com U como novo pivô, a reta t continua a rodar no sentido horário até encontrar outro ponto de S. Este processo continua sem parar, sendo sempre o pivô algum ponto de S.

Primeiramente, note que a quantidade de pontos de S em cada semiplano de t é invariante (a não ser quando t passa por dois pontos de S), pois sempre que ele encontra um novo pivô, o antigo se encontrará no mesmo semiplano que o novo pivô antes ocupava, como ilustrado na figura acima.

Além disso, se pintarmos todos os 2n pontos à esquerda de s de vermelho, observe que a quantidade de pontos vermelhos em cada semiplano de t sempre decresce em 1 unidade, permanece a mesma ou cresce em 1 unidade, pois cada troca de pivôs consiste em tirar um ponto e adicionar outro em algum dos semiplanos de t, ou seja, no pior dos casos, eu tiro um vermelho e adiciono um não-vermelho (-1), no melhor dos casos, eu tiro um não-vermelho e adiciono um vermelho (+1) ou eu tiro um vermelho e adiciono um vermelho ou tiro um não-vermelho e adiciono um não-vermelho (=).

No início, temos que t=l_{2n}, então não há nenhum ponto vermelho à direita de t e sempre haverá 2n-1 pontos de S à esquerda de t e 2n à direita de t. Perceba que, no momento em que t tiver girado exatamente 180°, a sua atual esquerda será a sua antiga direita e a sua atual direita será a sua antiga esquerda, além de termos que t\parallel s, que t passa por algum ponto de S (t=l_i, para algum i) e que há precisamente 2n-1 pontos à sua esquerda e 2n à sua direita \Rightarrow t=l_{2n+1}. Nesse momento, há 2n pontos vermelhos à direita de t\Rightarrow Como inicialmente havia 0 ponto vermelho à direita de t, por Continuidade Discreta, em algum momento, houve exatamente n pontos vermelhos à direita de t.

Nesse exato instante, havia precisamente n pontos vermelhos e n pontos não-vermelhos à direita de t, pois sempre há 2n pontos à direita de t. Translade t para a sua direita apenas o suficiente para que o seu pivô fique à sua esquerda, sem passar por nenhum outro ponto de S. Agora, veja que há exatamente n pontos vermelhos e n pontos não-vermelhos em cada semiplano de t, isto é, s e t dividem o plano em quatro regiões, cada uma contendo exatamente n pontos de S, como queríamos demonstrar.

Voltando para o problema...

Denote as quatro regiões delimitadas pelas retas s e t por \mathbb{A},\mathbb{B},\mathbb{C},\mathbb{D} no sentido horário e tome o ponto X como sendo a interseção das retas s e t. Podemos supor que X não está em nenhuma reta que conecta dois pontos de S, pois caso contrário, basta transladar s e t em qualquer direção apenas o suficiente para que X saia da reta em que estava, mas não se encontre em nenhuma outra, e s e t não passem por nenhum ponto de S. Vejamos que, agora, X satisfaz as condições do enunciado:

Escolha dois pontos P,Q\in S, tais que P\in \mathbb{A} e Q\in \mathbb{C}. Note que X deve estar no mesmo semiplano delimitado pela reta \overline{PQ} que apenas uma dentre as regiões \mathbb{B} ou \mathbb{D} (X\not\in \overline{PQ}), suponha, sem perda de generalidade, que é a região \mathbb{B}. Então, observe que, para qualquer um dos n pontos R\in\mathbb{B}, temos que X está no interior do triângulo PQR. Portanto, cada par de pontos em \mathbb{A}\times\mathbb{C} gera, pelo menos, n triângulos distintos que contêm o ponto X, ou seja, encontramos, ao todo, n\cdot n\cdot n=n^3 triângulos que contêm X.

De forma análoga, cada par de pontos em \mathbb{B}\times\mathbb{D} gera, pelo menos, n triângulos que contêm o ponto X, o que, por sua vez, gera um total de n^3 novos triângulos que contém o X. Perceba que nenhum triângulo foi contado duas vezes, pois os primeiros n^3 triângulos possuem um vértice em \mathbb{A}, um vértice em \mathbb{C} e apenas um vértice em \mathbb{B}\cup\mathbb{D}, enquanto os últimos n^3 triângulos possuem um vértice em \mathbb{B}, um vértice em \mathbb{D} e apenas um vértice em \mathbb{A}\cup\mathbb{C}.

Logo, o ponto X está no interior de, ao menos, n^3+n^3=2n^3 triângulos distintos com vértices nos pontos de S, como queríamos demonstrar _{\blacksquare}

Observação: A prova do Lema 2 foi fortemente baseada no Problema 2 da IMO 2011, também conhecido na comunidade olímpica como "Problema do Moinho-de-vento" ou "Windmill Problem". Caso queira saber mais acerca dessa questão, recomendamos que assista ao vídeo produzido pelo 3Blues1Brown linkado a seguir: The unexpectedly hard windmill question (2011 IMO, Q2)