Problema 6
Considere pontos no plano, sem três colineares. Utilizando esses pontos como vértices, podemos formar
triângulos. Mostre que existe um ponto
do plano que pertence ao interior de pelo menos
desses triângulos.
Solução de Caio Hermano:
Seja o conjunto dos
pontos dados e considere uma reta
que não é paralela a nenhuma reta determinada por dois pontos de
(isto é possível, pois há uma quantidade finita de retas, ou seja, uma quantidade finita de coeficientes angulares que elas representam no plano cartesiano, enquanto existem infinitos ângulos reais entre
e
).
Lema 1: Existe uma reta paralela a
tal que
divide o plano em duas regiões, cada uma contendo exatamente
dos pontos de
.
Prova: Para todo ponto , considere a reta
passando por
e paralela a
. Perceba que
é única para cada
, uma vez que
não é paralela a nenhuma reta que passa por dois pontos de
. Chame de
o conjunto contendo todas as tais retas e ordene-as de forma crescente respectivo às abscissas dos pontos de interseção dessas retas com o eixo
do plano cartesiano (a não ser que
seja paralela eixo
, nesse caso considere as ordenadas dos pontos de interseção dessas retas com o eixo
), de tal modo que a reta
esteja localizada na região do plano delimitada pelas retas
e
, para todo
.
Assim, tome a reta como sendo qualquer reta paralela a
que esteja localizada estritamente entre as retas
e
. Ela satisfará as condições do Lema, pois um de seus semiplanos conterá os
pontos de
que determinam as retas
(chame esse semiplano de esquerda), enquanto o outro conterá os
pontos de
que determinam as retas
(chame esse semiplano de direita), como queríamos demonstrar.
Lema 2: Existe uma reta tal que as retas
e
dividem o plano em quatro regiões, cada uma com exatamente
pontos de
.
Prova: Inicialmente, considere e o seu ponto de
como o pivô. Gire
no sentido horário ao redor do pivô
até que a reta encontre pela primeira vez um outro ponto de
, que denotaremos por
. Com
como novo pivô, a reta
continua a rodar no sentido horário até encontrar outro ponto de
. Este processo continua sem parar, sendo sempre o pivô algum ponto de
.
Primeiramente, note que a quantidade de pontos de em cada semiplano de
é invariante (a não ser quando
passa por dois pontos de
), pois sempre que ele encontra um novo pivô, o antigo se encontrará no mesmo semiplano que o novo pivô antes ocupava, como ilustrado na figura acima.
Além disso, se pintarmos todos os pontos à esquerda de
de vermelho, observe que a quantidade de pontos vermelhos em cada semiplano de
sempre decresce em
unidade, permanece a mesma ou cresce em
unidade, pois cada troca de pivôs consiste em tirar um ponto e adicionar outro em algum dos semiplanos de
, ou seja, no pior dos casos, eu tiro um vermelho e adiciono um não-vermelho (
), no melhor dos casos, eu tiro um não-vermelho e adiciono um vermelho (
) ou eu tiro um vermelho e adiciono um vermelho ou tiro um não-vermelho e adiciono um não-vermelho (
).
No início, temos que , então não há nenhum ponto vermelho à direita de
e sempre haverá
pontos de
à esquerda de
e
à direita de
. Perceba que, no momento em que
tiver girado exatamente
°, a sua atual esquerda será a sua antiga direita e a sua atual direita será a sua antiga esquerda, além de termos que
, que
passa por algum ponto de
(
, para algum
) e que há precisamente
pontos à sua esquerda e
à sua direita
. Nesse momento, há
pontos vermelhos à direita de
Como inicialmente havia
ponto vermelho à direita de
, por Continuidade Discreta, em algum momento, houve exatamente
pontos vermelhos à direita de
.
Nesse exato instante, havia precisamente pontos vermelhos e
pontos não-vermelhos à direita de
, pois sempre há
pontos à direita de
. Translade
para a sua direita apenas o suficiente para que o seu pivô fique à sua esquerda, sem passar por nenhum outro ponto de
. Agora, veja que há exatamente
pontos vermelhos e
pontos não-vermelhos em cada semiplano de
, isto é,
e
dividem o plano em quatro regiões, cada uma contendo exatamente
pontos de
, como queríamos demonstrar.
Voltando para o problema...
Denote as quatro regiões delimitadas pelas retas e
por
no sentido horário e tome o ponto
como sendo a interseção das retas
e
. Podemos supor que
não está em nenhuma reta que conecta dois pontos de
, pois caso contrário, basta transladar
e
em qualquer direção apenas o suficiente para que
saia da reta em que estava, mas não se encontre em nenhuma outra, e
e
não passem por nenhum ponto de
. Vejamos que, agora,
satisfaz as condições do enunciado:
Escolha dois pontos , tais que
e
. Note que
deve estar no mesmo semiplano delimitado pela reta
que apenas uma dentre as regiões
ou
(
), suponha, sem perda de generalidade, que é a região
. Então, observe que, para qualquer um dos
pontos
, temos que
está no interior do triângulo
. Portanto, cada par de pontos em
gera, pelo menos,
triângulos distintos que contêm o ponto
, ou seja, encontramos, ao todo,
triângulos que contêm
.
De forma análoga, cada par de pontos em gera, pelo menos,
triângulos que contêm o ponto
, o que, por sua vez, gera um total de
novos triângulos que contém o
. Perceba que nenhum triângulo foi contado duas vezes, pois os primeiros
triângulos possuem um vértice em
, um vértice em
e apenas um vértice em
, enquanto os últimos
triângulos possuem um vértice em
, um vértice em
e apenas um vértice em
.
Logo, o ponto está no interior de, ao menos,
triângulos distintos com vértices nos pontos de
, como queríamos demonstrar
Observação: A prova do Lema 2 foi fortemente baseada no Problema 2 da IMO 2011, também conhecido na comunidade olímpica como "Problema do Moinho-de-vento" ou "Windmill Problem". Caso queira saber mais acerca dessa questão, recomendamos que assista ao vídeo produzido pelo 3Blues1Brown linkado a seguir: The unexpectedly hard windmill question (2011 IMO, Q2)