Reações radicalares
Escrito por Ygor de Santana
Reações radicalares são aquelas que envolvem radicais. Radicais são espécies químicas que possuem elétrons desemparelhados. Exemplos:
Esses elétrons desemparelhados são bastante reativos pois conseguem facilmente quebrar ligaçōes químicas e formar outros radicais. Radicais podem ser formados a partir de cisōes homolíticas, podendo ser em condiçōes térmicas ou fotoquímicas. Peróxidos tem uma ligação O-O muito fraca e podem ser quebradas termicamente. Formação de produtos estáveis, ou entropia também podem favorecer a reação.
Da mesma forma que os carbocátions, substituintes também podem estabilizar o radical por hiperconjugação e por ressonância, dando a mesma ordem de estabilidade que os carbocátions:
benzílico>alílico>terciário>secundário>primário
Reações radicalares são especialmente importantes para os alcanos. Vamos analisar o motivo
Reação de alcanos
Alcanos são compostos pouco reativos. Isso se dá porque a eletronegatividade do carbono e do hidrogênio são parecidas, fazendo com que nem o carbono, nem o hidrogênio tenham uma carga significativa. Como a maioria das reações químicas acontece devido à atração de cargas opostas, alcanos são poucos reativos. Porém, os radicais não precisam de cargas para reagir, se baseiam apenas nos orbitais das ligações químicas, por isso, a principal reações que os alcanos sofrem são substituições radicalares. O mecanismo de uma reação radicalar tem as seguintes etapas: iniciação, propagação e terminação. Na iniciação os radicais são formados, na propagação não há mudança no número total de radicais e na terminação há uma diminuição. Vamos analisar o mecanismo da reação do cloro com o metano em presença de luz. A primeira etapa é a clivagem da ligação Cl-Cl porque é a mais fraca. O radical formado abstrai um hidrogênio, forma cloreto de hidrogênio e o radical metila. O radical metila reage com uma molécula de cloro formando o cloreto de metila e o radical cloro. Na terminação há várias reações possíveis: cloro radical com cloro radical, metila radical com metila radical ou metila radical com cloro radical:
O clorometano pode continuar reagindo com o cloro para formar produtos diclorados, triclorados ou mesmo substituir totalmente os hidrogênios. O controle de reações radicalares é geralmente difícil, mas há muitas reações úteis com ótimos rendimentos.
Essas reações de substituição radicalares ocorrem principalmente com o cloro e o bromo. O flúor é reativo de mais e pode quebrar a cadeia carbônica e o iodo é pouco reativo e praticamente não reage. Entre o cloro e o bromo, o bromo é menos reativo e por isso mais seletivo. Por isso reagindo metilpropano nas mesmas condições com bromo e cloro, haverá uma maior proporção de 2-bromometilpropano que o seu análogo clorado.
Reduções radicalares
O principal agente redutor de reações radicalares é o Bu3SnH e o principal iniciador é o AIBN, azobisisobutironitrila. Essa redução é comumente usada para reduzir haletos de alquila a alcanos. A primeira etapa do mecanismo é a quebra do AIBN com a formação de radicais e liberação de N2. O radical alquil formado abstrai o hidrogênio do composto de estanho, deixando o estanho radical. O estanho então abstrai o halogênio que gera outro radical alquil. Esse radical alquil abstrai o hidrogênio do composto de estanho completando a redução.
Como a ligação com o halogênio geralmente é mais fraca, essa redução tem uma boa seletividade
Devido ao intermediário radical, outras transformações são possíveis no curso da reação caso haja ligações duplas na molécula
Alguns mecanismos não requerem a presença do halogênio, pois a ligação pi é fraca
E com um tratamento ácido o estanho sai.
Há também outros reagentes menos utilizados como o samário. Os principais estados de oxidação do samário são +2 e +3, por isso, no evento do encontro de um átomo de samário com uma molécula, apenas um elétron é transferido, gerando um radical. Similar ao estanho, também reduz haletos de alquila a alcanos e causa reações em cascata. Além disso, em presença de cetonas pode formar dióis vicinais, ou reduzir a álcool. Na primeira etapa o samário doa um elétron para o oxigênio. Nessa etapa a ligação dupla é quebrada, o oxigênio fica negativo e o carbono fica radical. Então, dois carbonos radicais se juntam formando o diol.
Oxidações radicalares
Um reagente muito conhecido capaz de fazer oxidações radicalares é o IBX, sendo o Dess-Marti periodinano (DMP), reagente capaz de transformar álcoois primários em aldeídos, um de seus derivados. Além de oxidar álcoois, ele também pode fazer instaurações alfa-beta conjugadas, cujo mecanismo é pensado se dar por intermediários radicais[1]. O primeiro passo é a tautomerização da cetona para o enol. Então a hidroxila ataca o iodo e libera uma hidroxila. Depois disso, um elétron da ligação dupla é dado ao iodo fazendo um cátion radical, por fim, o próton na posição beta é capturado por uma hidroxila e um elétron da ligação da ligação O-I vai para o iodo e o outro restaura a ligação dupla C=O.
Imagem tirada de [1]
Outro reagente importante que gera radicais é o cério. A distribuição eletrônica do cério no estado fundamental é [Xe]4f26s2. O NOX mais comum de lantanídeos é +3, com o qual ele fica com a distribuição [Xe]4f1. O NOX +4 para o cério tem distribuição [Xe], que, pela configuração de gás nobre, lhe garante estabilidade e permite que esse estado exista, mesmo que com um alto potencial de redução: 1,61V, podendo oxidar água a oxigênio. Como os estados de oxidação são consecutivos, ele é capaz de retirar apenas um elétron de átomos. Com esses radicais formados, inúmeras reações são possíveis: formar ligações carbono-carbono, carbono heteroátomo, oxidações, desproteções, entre outras. O reagente de cério mais usado é o nitrato de cério e amônio (CAN) pela sua estabilidade e solubilidade em solventes orgânicos. O CAN pode abstrair um hidrogênio de carbonos que sejam estabilizados por grupos retiradores de elétrons, como COOMe, para formar radicais em um processo análogo ao de bases fortes para formar enolatos. Contudo, ao contrario da via polar, o radical não precisa de um eletrófilo, apenas uma ligação fraca para poder se adicionar. Vamos ver como isso acontece com o ácido acético e o estireno. A primeira etapa é a formação do radical pela abstração do hidrogênio alfa do ácido acético. Depois, esse radical ataca o estireno e forma um radical benzílico. O elétron desemparelhado é capturado formando um cátion benzílico. Por fim, a hidroxila do ácido ataca o cátion, formando um derivado do furano.
Ainda nessa molécula, o cério pode continuar a oxidação e formar uma instauração conjugada com a carbonila. Em condições fotoquímicas, vários outros reagentes podem fazer reações radicalares, como a dehidrogenação feita pelo DDQ.
Tópico especial: destruição da camada de ozônio
Nas décadas de 60 a 80, os CFC’s (clorofluorcarbono) eram muito populares na indústria. Sua inércia química, por não serem nocivos à saúde e por serem mais pesados que o ar possibilitava que fossem usados para combaterem incêndios. Além disso, seu baixo ponto de fusão permitia que funcionassem como gás refrigerante e substituíssem a amônia, gás altamente tóxico. Tudo indicava que os CFC’s eram uma maravilha da modernidade por serem muito úteis e atóxicos, porém esse cenário mudaria em pouco tempo. Na altitude em que as pessoas vivem, esses gases são inofensivos, mas, por serem inertes, conseguem chegar até altas camadas da atmosfera, onde há intensa radiação solar que pode quebrar as ligações da molécula. A ligação C-Cl é a mais fraca e por isso é quebrada. O cloro radical, no entanto, é catalisador da reação de decomposição do ozônio. O ozônio é um alótropo do oxigênio e é formado naturalmente na estratosfera. Como resultado da poluição, ozônio pode ser produzido em baixas altitudes e devido à sua reatividade pode causar inúmeros problemas no sistema respiratório, porém no lugar certo ele tem um papel importante. Devido à sua estrutura, o ozônio absorve radiação ultravioleta, fortemente associada com casos de câncer de pele e outros problemas de saúde além de afetar a produtividade de plantações e até ecossistemas marinhos, especialmente fitoplânctons.
Na década de 80 os cientistas perceberam que a quantidade de ozônio estava diminuindo, em especial havia uma quantidade alarmante nos polos, e conseguiram identificar que os CFC’s eram o problema. Como um resultado de grande esforço e cooperação política e científica internacional, em 1987 foi assinado o protocolo de Montreal, que gradativamente diminuiu o uso de CFC’s ante alternativas apresentadas (atualmente butano e propano têm sido utilizados). De acordo com o ex-secretário das Naçōes Unidas, o protocolo de Montreal foi “Talvez seja o mais bem sucedido acordo internacional de todos os tempos.”
Bibliografia
[1] Nicolaou, K. C., et al. Iodine(V) Reagents in Organic Synthesis. Part 4. o-Iodoxybenzoic Acid as a Chemospecific Tool for Single Electron Transfer-Based Oxidation Processes. p. 14.