Aula 2 - Agentes redutores e oxidantes e Potencial padrão

Por: Luiz Viegas.

No primeiro material do nosso curso de eletroquímica, vimos que o escopo desta área de estudo é a análise baseada em como espécies podem interagir com fluxo de elétrons ou gerar este fluxo, através de uma mudança em números de oxidação. Portanto, nesta seção, os conceitos de equação redox e NOx serão utilizados. 

Semi-reações

Anteriormente, vimos que uma reação redox é sempre acompanhada de uma modificação do número de oxidação de uma ou mais espécie – sendo que caso sejam duas variações distintas para uma mesma espécie inicial, as reações podem ser tanto de desproporcionamento como de comportamento. Portanto, para um estudo mais detalhado do processo, podemos dividir o processo de variação de NOx de cada espécie nas chamadas semi-reações, que são equações iônicas que evidenciam a movimentação eletrônica a fim de fazer tal variação. 

Para obtermos uma visão inicial da aplicação de semi-reações, vamos observar a reação de eletrólise ígnea (assunto que será mais detalhado em breve) do cloreto de sódio: 

2NaCl \rightarrow 2Na + Cl_2

Observe que o NOx do sódio no sal é +1, enquanto o do cloro é -1. Ainda, que ambos apresentam um NOx de 0 nos produtos (tanto na forma de Na como na de Cl_2). É notório, portanto, que houve uma variação no número de oxidação de ambos os elementos, portanto se trata de uma reação redox. Analisaremos, então, o os processos pelos quais cada um deles passou para chegar ao estado final de oxidação 0, as semi-reações:

  • Sódio (Na): O sódio, como um metal da família 1A, é favorável à perda de um elétron, portanto se faz com um NOx de +1 no íon Na^+. Para uma redução à oxidação de 0, portanto, podemos ver que deve ser cedido um elétron ao sódio, a fim de abaixar o NOx dele. Da seguinte forma segue-se:

Na^+ + e^- \rightarrow Na

Veja que esta reação é iônica e apresenta o estado de oxidação do sódio antes e depois de receber o elétron, e condiz com o que ocorre na reação supracitada da eletrólise. 

  • Cloro (Cl): O cloro, como um não metal  da família 7A, é favorável à recepção de um elétron, portanto se faz com um NOx de -1 no Cl^-. Para uma oxidação ao NOx de 0, portanto, devemos retirar este elétron do cloreto, a fim de justamente aumentar este estado de oxidação. Da seguinte forma segue-se:

2Cl^- \rightarrow Cl_2 + 2e^-

Veja que, assim como a do sódio, ela é uma semi-reação iônica que se faz no sentido presente na reação da eletrólise.

Veja que, caso as duas semi-reações sejam somadas, o resultado é exatamente igual àquele visto na demonstração assim da reação completa, ao multiplicar a do sódio por 2 para compensar a quantidade de elétrons.  Como um método de denominação de qual espécie na prática aumentou e qual reduziu o número de oxidação – portanto se ganhou ou perdeu elétrons –, daremos nomes às superiores semi-reações da seguinte forma: 

  • Semi-reação de redução do sódio.

O sódio possuiu uma variação negativa de NOx, isto é, ele apresentou uma redução no número de oxidação entre os reagentes e os produtos. Portanto, a todas àquelas espécies que apresentem uma redução do número de oxidação, diz-se que elas passaram por um processo de redução.

  • Semi-reação de oxidação do cloro.

O cloro possuiu uma variação positiva de NOx, isto é, ele apresentou um aumento no número de oxidação entre os reagentes e os produtos. Portanto, a todas àquelas espécies que apresentem um aumento no número de oxidação, diz-se que elas passaram por um processo de oxidação. Perceba que, apesar do nome, não é apenas o oxigênio que irá passar por uma oxidação, uma vez que este pode passar por etapas de redução, como em uma combustão.

Semi-reações em meio ácido ou básico

Para a descrição de algumas semi-reações, são muito importantes as noções de pH do meio no qual ocorrem, pelo fato de alguns estados de oxidação (como do manganês por exemplo) existirem mediante uma oxidação e/ou redução com espécies aquosas, como H_3O^+, OH^- ou até mesmo H_2O. Vamos, então, o comproporcionamento de Mn^{2+} e MnO_4^- em MnO_2 em meio ácido. Ao tentar balancear tal equação, observamos que o processo possui uma transferência de 6 elétrons (como o módulo da variação de NOx de um é 2 e do outro é 3, múltiplo comum a eles é 6), o que resultaria em um coeficiente estequiométrico de 2 no MnO_4^-, o que resulta na presença de 8 átomos de oxigênio no lado dos reagentes. Perceba que o produto a princípio apresenta 10 átomos de oxigênio (proveniente do 5MnO_2 do balanceamento), o que nos resulta em uma falta de dois átomos de oxigênio nos reagentes. 

Devemos, portanto, nos atentar ao fato de que tal reação é feita em meio aquoso, e que portanto podemos utilizar as supracitadas espécies aquosas no balanceamento – no caso H_2O nos reagentes pela deficiência de oxigênio e H^+ nos produtos pelo balanceamento de carga e pela presença de hidrogênios nos produtos. Portanto, a reação apresenta-se da seguinte forma: 

2H_2O + 3Mn^{3+} + 2MnO_4^- \rightarrow 5MnO_2 + 4H^+

Perceba que esta reação apenas faz-se coerente em um meio com excesso de hidrônio, isto é, meio ácido, caso contrário seria um mecanismo reacional básico. Vejamos, portanto, como a reação seria diferente no caso de excesso de íon hidroxônio. 

O raciocínio deve ser o mesmo empregado no meio ácido, entretanto vamos começar pelo balanceamento de carga, que faz-se coerente com a presença de OH^- nos reagentes, uma vez que não há excesso de carga nos produtos. Ao se fazer isso, deve-se inserir alguma espécie com hidrogênio nos produtos, que se faz coerente com a presença de H_2O. Portanto, escrevemos a reação da seguinte forma:

4OH^- + 3Mn^{2+} + 2MnO_4^- \rightarrow 2H_2O + 5MnO_2 

Observe que, mesmo com uma diferença na escrita da reação, as semi-reações ainda apresentam 6 elétrons na transformação de cada espécie, uma vez que a variação de NOx ainda é a mesma. 

Agente oxidante e agente redutor

Nas semi-reações apresentadas no tópico anterior da eletrólise ígnea do cloreto de sódio, foi-se observado como cada uma das espécies que interagem com elétrons o faz, isto é, quem ganhou e quem perdeu elétrons no processo de oxirredução. Por conta disso, para identificar quem é cada responsável em uma equação redox, utilizaremos os conceitos de agente redutor e agente oxidante

O agente redutor, como o nome já o explicita, é a espécie que se faz responsável pela redução da outra, ou seja, trata-se do agente que cede elétrons. Podemos, portanto, padronizar a definição de agente redutor para qualquer espécie que apresente uma etapa de oxidação, já que ela e a redução de outro composto fazem-se em uma relação de sempre coexistência. 

O agente oxidante, partindo do mesmo desenvolvimento lógico, é a espécie que se faz responsável pela oxidação da outra, ou seja, trata-se do agente que recebe elétrons. A padronização do conceito de agente oxidante, portanto, pode ser feito como a espécie que passa por um processo de redução durante sua presença em um meio reacional. 

É importante, portanto, perceber que o conceito de agente oxidante e agente redutor é dinâmico, isto é, não se faz como algo estático e pré-determinado para cada reagente, uma vez que a oxidação e a redução de uma espécie faz-se completamente afetada pelas condições reacionais que a permeiam. Entretanto, são diversos os reagentes que são comumente associados a algumas dessas classificações, em especial na orgânica. Portanto, abaixo são listados alguns agentes oxidantes e alguns redutores muito utilizados na química tanto orgânica quanto inorgânica (com ênfase na primeira entretanto):

  • Redutores: Tetra-hidreto de alumínio (AlH_4^-) e Tetra-hidreto de boro (BH_4^-); H_2, Pd/C; Zn, Fe e Al; metais de 1A e 2A em NOx 0.
  • Oxidantes: KMnO_4; K_2Cr_2O_7; H_2SO_4; PCC; O_3; peróxidos. 

Potenciais-padrão 

Com as definições principais a serem utilizadas, adentraremos o âmbito da maestrina da físico-química, a termodinâmica. Com o intuito de medir a espontaneidade e a preferência de ocorrência de cada semi-reação, são definidos os chamados potenciais-padrão. Como o nome mesmo o determina, são condições padrões nas quais determina-se uma grandeza muito utilizada da eletroquímica, que utilizaremos na unidade de [V], o Volt. Entende-se o potencial-padrão de redução, portanto, como a diferença de potencial gerada entre os eletrodos de um processo no qual há a redução de de H^+//H_2 em um eletrodo de platina, em um controle de concentração de 1mol\cdot L^- de H^+, a uma pressão de 1bar do gás H_ 2 formado – o comumente chamado SHE, o standard hydrogen electrode. O outro eletrodo, portanto, é do material que se deseja a obtenção do potencial padrão. Por definição, portanto, o potencial padrão tanto de oxidação quanto de redução do hidrogênio é de 0V. Além do SHE, existem outros tipos de eletrodos-padrão que são utilizados, sendo o mais famoso o eletrodo de Calomelano (Hg_2Cl_2). A partir dessa montagem supra descrita, há uma análise termodinâmica que será explicitada mais adiante no curso, entretanto no momento foquemos nos resultados obtidos a partir de tal cálculo. 

No mundo químico atual, a IUPAC determina como padrão a determinação do potencial padrão de redução utilizando-se esse eletrodo SHE, que se faz como um valor que pode ser tanto maior quanto menor que 0. Na definição do Green Book da IUPAC, o potencial padrão de redução faz-se como “o valor de potencial de uma célula em que o hidrogênio molecular, sob pressão padrão, é oxidado a prótons solvatados no devido eletrodo”.  A imagem a seguir exemplifica um esquema de medição de potencial padrão por SHE do zinco: 

A montagem mais precisa de tal esquema (pilha) será estudado mais a frente ainda no curso de eletroquímica. 

A seguinte tabela relaciona potenciais padrão de algumas espécies que podem vir a ser vistas em várias equações redox, assim como as respectivas semi-reações: 

Observe que, assim como previsto, o potencial padrão do hidrogênio é 0V. Além disso, veja que o que anteriormente chamávamos de “maior eletronegatividade” para determinação de NOx é na verdade um potencial, no qual espécies como metais 1A e 2A são os com menores potenciais de oxidação, uma vez que estes possuem esta facilidade de ceder um elétron. Ainda, que espécies como fluoreto possuem o maior potencial, já que possuem uma imensa afinidade eletrônica. 

Diferença de potencial padrão

Ao estudarmos aspectos termodinâmicos propriamente ditos no próximo material, observaremos que a diminuição do potencial-padrão de redução significa uma menor espontaneidade para tal processo, isto é, uma espécie com \Delta H^\circ mais negativo que outra tenderá a oxidar, enquanto a outra, a reduzir. Vamos observar, portanto, os casos de redução do sódio e de oxidação do lítio na seguinte reação hipotética:

Na^+ + e^- \rightarrow Na\rightarrow E^\circ = -2,71V

Li^+ + e^- \rightarrow Li\rightarrow E^\circ = -3,05V

Perceba que o \Delta E^\circ do Lítio faz-se menor que o do sódio, portanto o primeiro será mais dificilmente reduzido para Li^\circ do que o sódio para Na^\circ. É perceptível, então, que podemos tratar o -\Delta E^\circ como um potencial de oxidação, uma vez que o efeito é contrário desta forma. Diz-se, então, que quanto maior o potencial de redução de uma espécie, maior o caráter de agente oxidante ela terá. 

Conseguimos, então, verificar que, no caso supra escrito, quem será oxidado mais facilmente é o lítio, enquanto o sódio possui uma maior tendência a reduzir. Portanto, podemos assumir uma chamada diferença de potencial padrão, que mais para frente veremos que medirá a espontaneidade de uma reação eletroquímica. Essa diferença, portanto, pode ser medida a partir da soma do potencial padrão de redução de quem reduz com o potencial padrão de oxidação de quem oxida. Em outras palavras, a soma dos potenciais padrão de redução do agente oxidante com o oposto do agente redutor. A equação hipotética entre o sódio e o lítio, portanto, apresenta a seguinte aparência: 

Na^+ + Li \rightarrow Li^+ + Na \rightarrow \Delta E^\circ = 0,34V

Voltando à situação das semi-reações em meios aquosos e básicos, veja que, mesmo com a mesma variação de NOx, são mecanismos diferentes, além de participações diferentes, então elas apresentam potenciais padrão diferentes. Mais a frente no curso veremos que isto se dá pelo fato de que cada uma delas apresenta uma diferente energia livre, o que causa uma diferença de potencial. 

Conclusão

A eletroquímica é muito comumente misturada com a termodinâmica, exatamente pela grande necessidade de ação desta segunda na ação de análise de sistemas com variação de número de oxidação. Portanto, a essa altura, ainda sem uma base ainda fundamentada na termodinâmica, que a equação inversa à mostrada acima, com o sódio oxidando e o lítio reduzindo, também pode ocorrer, entretanto não será espontânea. Essa afirmação, apesar de baseada em simples verificações numéricas e finais, é verídica, sim, e será mais estudada adiante no curso de eletroquímica. Portanto, no próximo material, abordaremos os conceitos mais propriamente ditos de termodinâmica, assim como uma justificativa para a ocorrência de reações de desproporcionamento e comproporcionamento.