Aula 3 - Termodinâmica em processos redox

Por: Luiz Viegas.

A partir de uma base boa formada em conceitos relativos à eletroquímica, como oxidação e redução, agentes oxidantes e redutores, potenciais padrão e semi-reações, podemos inserir ao estudo desta área da química a análise mais aprofundada da termodinâmica. Portanto, para isto, é esperado que se tenha uma noção básica dos conceitos de energia livre de Gibbs e entropia, além de uma noção acerca de equilíbrios. 

Energia livre em eletroquímica

Dos conhecimentos advindos do estudo da termodinâmica na química , podemos definir a energia livre gibbs como o máximo trabalho não expansivo realizado por um sistema fechado, não isolado – troca calor com o universo. Portanto, para tal ocorrência termodinâmica, faz-se como derivado que a energia livre, além, é característica de sistemas reversíveis. Defini-se, então, a energia livre como uma função termodinâmica dependente da temperatura de um trabalho em um sistema reversível termodinamicamente. 

No contexto eletroquímico, por consequência, podemos associar o trabalho não expansivo com o trabalho de uma carga elétrica em uma região de potencial eletrostático, o E^\circ. Portanto, escrevamos o trabalho como uma função da quantidade de carga que atravessa a diferença de potencial na referida situação, ao adotar que a carga é entendida como o produto do número de mol de elétrons com a constante de Faraday – a carga de um mol de elétrons. Faz-se o seguinte: 

\Delta G = w_e

w_e = Q \cdot E \rightarrow \Delta G = -n\cdot F\cdot E

O sinal negativo da atribuição faz-se pelo sentido contrário entre a linha de força gerada pela carga e o próprio campo elétrico decorrente da diferença de potencial. Podemos observar de tal equação que a energia livre de um processo eletroquímico é dependente da quantidade de elétrons envolvida na oxidação ou na redução de alguma espécie, assim como a influência do potencial padrão do processo. Perceba, portanto, que a previsão antes feita de que um maior potencial de redução leva a uma maior espontaneidade é confirmada, uma vez que quanto menor for o  \Delta G mais espontânea a reação. 

Será de interesse do nosso estudo, então, a determinação da energia livre padrão de um processo eletroquímico, que é facilmente associada e descrita como a relação acima em condições padrões:

\Delta G^\circ = -n\cdot F\cdot E_{sistema}^\circ

Neste sentido, portanto, o sistema deve ser mantido em condições gasosas de 1bar, concentração de 1M e quaisquer sólidos completamente puros. Entende-se, por conseguinte, que a energia liberada por uma célula eletroquímica (denominação energética essa como uma facilitação e uma forma mais palpável de analisar a energia livre de Gibbs) é sempre diferente da medida teoricamente da condição padrão, uma vez que essas condições são – senão impossíveis – momentâneas. Portanto, na prática, há uma análise de integração a fim de se estabelecer o total de uma energia liberada em determinado tempo. 

Observe que a energia livre é dependente dos coeficientes estequiométricos da equação a qual ela se relaciona, portanto, ao duplicar a expressão para uma espécie de Lei de Hess com a energia livre, esta também dobra. Da mesma forma, ao ocorrer esta duplicação, o coeficiente n na expressão da energia livre acima também dobra, o que causa uma compensação dos dois lados da expressão, que resulta no fato de que o potencial não depende dos coeficientes estequiométricos da reação química mostrada. Portanto, vemos que, assim como demonstrado no material 2, a diferença de potencial de uma reação eletroquímica pode ser simplesmente a soma das semi-reações, mesmo que elas tenham de ser multiplicadas para variar o coeficiente estequiométrico. 

Termodinâmica de desproporcionamento e comproporcionamento

Diagrama de Frost

Como visto no primeiro material do curso, há duas classes específicas de reações eletroquímicas, que são aquelas nas quais um único átomo apresenta diferentes variações de número de oxidação – comproporcionamento e desproporcionamento. Com o fim de estudar características termodinâmicas de tais processos, é muito comum na eletroquímica a construção do chamado diagrama de Frost, a fim de se encontrar uma certa relação de estabilidade entre os diferentes níveis de oxidação de uma determinada espécie. É construído, portanto, como um gráfico de dois eixos, sendo um destes o caráter termodinâmico e o outro o número de oxidação. Vejamos, portanto, o diagrama de Frost para o crômio em pH ácido:

Veja que um dos eixos é o produto nE^\circ, que se faz como o aspecto termodinâmico do gráfico, enquanto o eixo x faz-se como o estado de oxidação da espécie crômio. O eixo y, portanto, é estabelecido como a diferença de potencial entre um eletrodo padrão de hidrogênio e o eletrodo de crômio, em uma redução do determinado nível de oxidação até o Cr^\circ, isto é, a redução até o estado de menor oxidação – potencial padrão de redução até o NOx ser 0.  

Como a distribuição do gráfico dá-se em aspectos de energia livre, podemos assumir algumas relações de estabilidade de cada espécie para com sua redução. Como vimos acima nesta seção, quanto maior for o potencial de redução, mais favorecida é essa reação, justamente pela diminuição da energia livre. Por consequência, podemos assumir que, no diagrama de Frost, quanto menor o produto nE^\circ menos favorecida é a reação de redução, ou seja, mais estável a espécie. Vemos, então, no gráfico acima, que a espécie de crômio mais estável é a de número de oxidação +3, enquanto a menos estável é a de número de oxidação +6

São importantes as percepções de que tal gráfico faz-se coerente apenas em um pH específico, uma vez que a variação deste faz com que haja uma modificação nas semi-reações de redução da espécie. Isto se faz pelo fato de que um aumento no pH, por exemplo, possa diminuir a quantidade de H_3O^+ na solução, o que interfere no mecanismo reacional de redução. A influência do pH pode ser percebida pelo gráfico mostrado abaixo do diagrama de frost do enxofre:

Veja que a estabilidade de algumas espécies é invertida com a variação do pH da solução, como a alta estabilidade do SO_4^{3-} em pH básico, mas baixa estabilidade em pH ácido. Ainda, observe que algumas espécies não são formadas em outros pH, como o enxofre com estado de oxidação +5. Note, ainda, que, justamente pela definição, as curvas cruzam o eixo x justamente no S_8, uma vez que este é o estado de oxidação 0 do enxofre. 

Estabilidade relativa em um diagrama de Frost

Da mesma forma que fizemos para ver qual das espécies é a mais estável entre todas pelo diagrama, podemos prever reações de comproporcionamento e desproporcionamento com apenas o diagrama também. Veja, reações de desproporcionamento, por exemplo, ocorrem por uma maior estabilidade dos estados de oxidação do produto do que do reagente, sendo isto a força motriz para a reação – uma vez que resulta em um vantagem tanto entrópica quanto energética de Gibbs. Entretanto, um comproporcionamento faz-se aparentemente desfavorecido a ocorrer, uma vez que não apresenta uma vantagem entrópica. Por conta disso, reserva-se à ocorrência de tal reação a uma compensação entálpica, ou seja, são reações que possuem um alto caráter exotérmico, ou em altas temperaturas, para que o \Delta G seja favorecido como menor que zero. Veja, então, que ambas são regidas também pela intensidade da energia livre do mecanismo reacional, ou seja, podem ser previstas algumas características pelos diagramas supra mostrados. 

São diversas as analogias que são colocadas em um diagrama de Frost para facilitar o entendimento da previsão de tais reações, entretanto entendamos a motivação por trás de tais características. Tomemos como exemplo o diagrama mostrado anteriormente do crômio em pH ácido. Pela relação linear que se encontra entre o potencial de redução e a energia livre, é esperado que seja encontrada uma linha entre três pontos adjacentes em um diagrama de Frost, entretanto não é a realidade. A cada três pontos, quase sempre um deles encontrar-se-á deslocado da linha que estava sendo traçada entre o primeiro e o terceiro. Caso esse ponto esteja mais abaixo do que o esperado, é visto que ele é mais estável do que o esperado, portanto será favorecido um comproporcionamento para tal estado de oxidação. Caso a situação seja de que o ponto entre o primeiro e o terceiro seja mais alto do que o esperado, podemos ver que sua estabilidade é bem mais baixa do que o previsto para a reta, portanto, há um desproporcionamento do estado de oxidação intermediário nos dois adjacentes. Perceba que esta análise não é utilizada apenas para três pontos seguidos, como pode ser para quaisquer três pontos que sejam ordenados no gráfico. 

Veja o seguinte esquema do diagrama:

Podemos ver que, na reta traçada entre o Cr^{3+} e o Cr^{6+}, localizam-se os pontos do crômio de oxidação +4 e +5 acima dela, ou seja, com uma estabilização menor do que o esperado. Olhemos para os três pontos do crômio em oxidação +3, +4 e +6. Veja que a oxidação +4 faz-se em uma posição favorecida ao desproporcionamento desta nas oxidações adjacentes, o que resultaria na seguinte expressão:

3Cr^{4+} \rightarrow 2Cr^{3+} + Cr^{+6}

Observe que, também, o desproporcionamento do crômio +5 em crômio +4 e +6 é termodinamicamente favorecido, através da seguinte reação:

2Cr^{5+} \rightarrow Cr^{4+} + Cr^{+6}

Ainda, veja que já o favorecimento de um comproporcionamento de crômio +4 e crômio +2 em crômio +3, justamente por este estar mais a baixo do que a reta estabelecida entre Cr^{+2} e Cr^{+4}

Escrevemos a reação de comproporcionamento, portanto, da seguinte forma:

Cr^{4+} + Cr^{2+} \rightarrow 2Cr^{3+}

A análise através de um diagrama de Frost é, então, a forma mais prática e rápida de uma possível estabilidade relativa de algum estado de oxidação, entretanto é interessante saber que, ao fazermos isso, estamos indiretamente analisando variações de energia livre entre a redução ou oxidação de estados diferentes do crômio. Para podermos ver exatamente esta variação, portanto, utilizamos um recurso chamado de Diagrama de Latimer, que será visto mais adiante no curso. 

Conclusão

Foi visto, portanto, como a termodinâmica é uma das principais ferramentas utilizadas no estudo da eletroquímica, através de comparação de estabilidade e espontaneidade de reações. Mais adiante, estudaremos como é possível achar a relação entre a diferença de potencial em qualquer ponto de uma reação eletroquímica, não apenas no estado padrão, além de vermos como a energia liberada pode ser utilizada para produzirmos energia, ou como ela pode criar produtos específicos e como eletrodos-padrão são construídos quimicamente.