Termoquímica (Entalpia)

Autor: Raphael Y. Diniz.

Termoquímica: Entalpia

Introdução

Definições:

A termoquímica consiste no estudo das relações entre as reações químicas e a energia envolvida nelas. Desse modo, temos que uma reação termoquímica se refere a uma equação química associada a uma variação de energia, a qual varia conforme os coeficientes estequiométricos e o sentido da reação (o sentido oposto produz uma inversão no sinal da energia). Nesse viés, iremos trabalhar com a entalpia, um fator de extrema importância para a dinâmica da química, sendo representado abaixo alguns exemplos do que foi debatido até o momento:

{CH_4}_{(g)} + 2{O_2}_{(g)} \rightarrow {CO_2}_{(g)} + {H_2O}_{(g)}          \Delta H = -890 kJ
2{CH_4}_{(g)} + 4{O_2}_{(g)} \rightarrow 2{CO_2}_{(g)} + 4{H_2O}_{(g)}          \Delta H = -1780 kJ
 {CO_2}_{(g)} + {H_2O}_{(g)} \rightarrow {CH_4}_{(g)} + 2{O_2}_{(g)}          \Delta H = +890 kJ

O cálculo da entalpia corresponde a lógica primária da diferença do conteúdo energético entre um estado final e inicial, consequentemente:

X_{inicial} \rightarrow X_{final}

\Delta H = {\sum {H}_{(final)}} - {\sum{H}_{(inicial)}}

Com isso, percebe-se a seguinte relação: (q_p: Calor a pressão constante)

  • \Delta H < 0 \rightarrow q_p < 0 \rightarrow Reação exotérmica
  • \Delta H > 0 \rightarrow q_p > 0 \rightarrow Reação endotérmica

Entalpia das transformações físicas:

Os comportamentos descritos anteriormente são vistos nas transições de fase (normalmente em pressão constante), mesmo não correspondendo a reações químicas,  em decorrência da transferência de calor possuir um módulo igual a variação de entalpia dos estados físicos, os quais se diferenciam pela natureza das atrações intermoleculares existentes, sendo reduzidas em mudanças de fase endotérmicas e aumentadas em mudanças exotérmicas.

Logo:

  • Entalpia de fusão: {\Delta H}_{(fus.)} ={H}_{(lig.)} - {H}_{(solid.)}
    • O estado líquido possui uma maior agitação molecular, consequentemente ele possui um maior teor energético que o estado sólido, assim, a entalpia de fusão possui natureza endotérmica (exceto para o He).
    • Entalpia de solidificação corresponde ao negativo, pois se inverte a operação.
  • Entalpia de ebulição: {\Delta H}_{(ebu.)} ={H}_{(g.)} - {H}_{(lig.)}
  • Entalpia de sublimação: {\Delta H}_{(sub.)} ={H}_{(g.)} - {H}_{(solid.)}
    • Ela também corresponde a soma das entalpias de fusão e ebulição (Esta afirmativa é percebida quando realizada a soma das expressões, de modo que a entalpia do estado líquido é eliminada. Isso será visto de forma mais aprofundada no decorrer da aula, quando formos ver lei de Hess)

Estado padrão:

Corresponde ao estado que a substância se encontra a 1 bar (aproximadamente 1 atm), representando, assim,  um referencial para outras condições termodinâmicas dele. Nessa perspectiva, observa-se que a entalpia padrão (H^{\circ}) de uma substância simples no seu estado de agregação alotrópico mais comum na CNTP (1 atm e 25 ^{\circ}C) vale zero, por conta dela servir de referencia, semelhante a um sistema de escala (Note que ela é válida para 298K, para outras temperaturas é necessário transformar esse resultado, o que veremos melhor no decorrer da aula). Com isso, valores positivos indicam espécies menos estáveis, enquanto negativos são mais estáveis.

Exemplos de entalpia padrão dos compostos:

  • Oxigênio:
    • O_2: H^{\circ} = 0
    • O_3: H^{\circ} > 0
  • Enxofre:
    • S_8, rômbico: H^{\circ} = 0
    • S_8, monoclínico: H^{\circ} > 0
  • Carbono:
    • Grafite: H^{\circ} = 0
    • Diamante: H^{\circ} > 0
  • Fósforo:
    • P_4, branco: H^{\circ} = 0
    • (P_4)_{n}, vermelho: H^{\circ} < 0
      • Observe, segundo ao que foi descrito anteriormente, que o fósforo vermelho deveria ter a entalpia padrão igual a zero, correspondendo ao referencial, em decorrência dele ser mais estável. No entanto, o fósforo branco, por ter sido descoberto primeiro e não ser um polímero, foi convencionado que ele fosse o padrão.

 

Calores de Reação

Calor padrão de formação ({{\Delta H}^{\circ}}_{(f)}):

Corresponde a variação de entalpia envolvida na formação de 1 mol de uma espécie química a partir de substâncias simples no estado padrão. Com isso, temos que a entalpia padrão de formação de uma substância corresponde a entalpia padrão da reação que produz ele:

{{\Delta H}^{\circ}}_{(R)}= {\sum {{H}^\circ}_{(final)}} - {\sum{{H}^\circ}_{(inicial)}} \rightarrow

{{\Delta H}^{\circ}}_{(f)}= {{{H}^\circ}_{(prod.)}} - {{{H}^\circ}_{(reag.)}} \rightarrow

 {{{H}^\circ}_{(reag.)}} = 0 \rightarrow

{{\Delta H}^{\circ}}_{(f)}= {{{H}^\circ}_{(prod.)}}

Ademais, temos que essa ideia é útil no cálculo da entalpia padrão de reação, por conta dela representar a possibilidade de utilizarmos a entalpia padrão de formação das espécies envolvidas para tal:

{{\Delta H}^{\circ}}_{(R)}= {\sum {{H}^\circ}_{(final)}} - {\sum{{H}^\circ}_{(inicial)}} \rightarrow

{{\Delta H}^{\circ}}_{(R)}= {\sum {{H}^\circ}_{{f}{(prod.)}}} - {\sum{{H}^\circ}_{{f}{(reag.)}}}

Lembre-se de durante o cálculo multiplicar os valores utilizados pelo respectivo número de mols das substâncias envolvida na reação.

Calor de ionização {\Delta H}_{(ion)} e Calor de ganho de elétrons {\Delta H}_{(ge)}:

  • Entalpia de ionização {\Delta H}_{(ion)}:

É a variação da entalpia envolvida na perda de 1 mol de elétrons em uma amostra de 1 mol de átomos no estado gasoso, de modo que ela tem uma natureza endotérmica. Exemplo:

X_{(g)} \rightarrow {X^{+}}_{(g)} + e^{-}

  • Entalpia de ganho de elétrons {\Delta H}_{(ge)}

É a variação da entalpia envolvida no ganho de 1 mol de elétrons em uma amostra de 1 mol de átomos no estado gasoso, de modo que ela tem uma natureza exotérmica. Exemplo:

{Y^{+}}_{(g)} + e^{-} \rightarrow Y_{(g)}

  • Relação entre eles:
    • A entalpia de ionização e a entalpia de ganho de elétrons são versões termodinâmicas, respectivamente, da energia de ionização e da afinidade eletrônica (Um adendo especial é que a {\Delta H}_{(ge)} e a afinidade eletrônica possuem sinais opostos, por conta dos focos diferentes nas interpretações dessas propriedades), consequentemente esses valores seguem as mesmas tendências periódicas.
    • {\Delta H}_{(ion)} e a {\Delta H}_{(ge)} de uma mesma substância possuem módulos praticamente semelhantes, de maneira que a diferença se concentre nos sinais opostos.

Calor de rede {\Delta H}_{(ret)}:

Corresponde a variação de entalpia envolvida na reação de quebra do retículo cristalino (um estado de forte interações) em um gás de íons (um estado sem interações), possuindo, assim, uma natureza endotérmica, de modo a representar o grau energético das interações entre os íons em um sólido. Exemplo:

NaCl_{(s)} \rightarrow {Na^{+}}_{(g)} + {{Cl}^{-}}_{(g)}

{\Delta H}_{(ret)}= {H}_{(ions,g)} - {H}_{(solid.)}

Calor de dissolução {{\Delta H}}_{(d)}:

Corresponde a variação de entalpia envolvida na dissolução de uma substância com água suficiente para formar uma solução diluída em condições padrões. Nesse contexto, temos que a dissolução de um composto iônico envolve duas etapas:

  • Etapa I: Quebra do retículo cristalino, relacionando-se com a absorção da energia reticular (endotérmica)
  • Etapa II: Solvatação dos íons, relacionando-se com a liberação da energia de solvatação (exotérmica)

Logo:

{\Delta H}_{(d)} = {{\Delta H}_{(ret)}} + {{\Delta H}_{(Hid)}} \rightarrow

{\Delta H}_{(d)} \rightarrow + ou -

Calor padrão de ligação {{\Delta H}^{\circ}}_{(L)}:

Corresponde a variação de entalpia envolvida na quebra de ligações (endotérmico) e formação de ligações (exotérmico) de 1 mol de ligações covalentes na fase gasosa, por conta de não haver influência de forças intermoleculares, podendo, assim, ser representado:

XY_{(g)} \rightarrow X_{(g)} + Y_{(g)}

{{\Delta H}_{(L)}}_{m}(X-Y) = [H^{\circ}_{m}{X_{(g)}} + H^{\circ}_{m}{Y_{(g)}}] - [H^{\circ}_{m}{(X-Y)}_{(g)}]

As energias de ligação entre um par de elétrons (uma ligação) possuem pequenas variações existentes entre os diferentes compostos, de modo que é realizada uma média entre eles em prol de um uso adequado. Sob tal perspectiva, constata-se que as reações químicas correspondem a um conjunto de quebras (nos reagentes; {{{H}^\circ}_{(I)}}) e formações (nos produtos; {{{H}^\circ}_{(II)}}) de ligações, possibilitando o cálculo da entalpia de reação (Dica: desenhe todas as ligações envolvidas no processo, em prol de facilitar a constatação do que foi rompido e formado) :

{{\Delta H}^{\circ}}_{(R)}= {{{H}^\circ}_{(I)}} + {{{H}^\circ}_{(II)}} \rightarrow

{{\Delta H}^{\circ}}_{(R)}= |{{{H}^\circ}_{(I)}}|- |{{{H}^\circ}_{(II)}}| \rightarrow

{{\Delta H}^{\circ}}_{(R)}= |\sum {{{\Delta H}^{\circ}}_{L}}_{(reag.)}|- |\sum {{{\Delta H}^{\circ}}_{L}}_{(prod.)}|

Ademais, é visto como outro fator relevante na dinâmica da quebra de ligações, a atomização, a qual consiste na obtenção de átomos isolados a partir da quebra de ligações de uma substância. Exemplo:

{H_2}_{(g)} \rightarrow 2H_{(g)}

{{\Delta H}^{\circ}}_{(ato.)} = 436 kJ/mol          {{\Delta H}_{(L)}}_{m}(H-H) = 436 kJ/mol

 

{CH_4}_{(g)} \rightarrow C_{(g)} + 4H_{(g)}

{{\Delta H}^{\circ}}_{(ato.)} = 1664 kJ/mol          {{\Delta H}_{(L)}}_{m}(C-H) = 416 kJ/mol

 

Lei de Hess

O químico suíço Germain Hess constatou que, como a energia não pode ser criada e nem destruída, apenas trocada, a soma das equações químicas, com suas respectivas entalpias, formaria uma equação resultante com o valor de entalpia igual a soma das anteriores:

 A + C \rightarrow AC          {{\Delta H}^{\circ}}_{(1)}

AC + B \rightarrow AB + C          {{\Delta H}^{\circ}}_{(2)}

 

A + B \rightarrow AB          {{\Delta H}^{\circ}}_{(3)} = {{\Delta H}^{\circ}}_{(1)} + {{\Delta H}^{\circ}}_{(2)}

 

Dependência do calor de reação com a temperatura

Considere uma reação endotérmica genérica X \rightarrow Y ocorrendo em duas temperaturas, T_1 e T_2, de modo que T_2>T_1, tendo {\Delta H}_{1} como a variação de entalpia da reação em T_1 e {\Delta H}_{2} em T_2:

As variações de temperatura entre as substâncias podem ser calculadas da seguinte forma:

{\Delta H}_{X} = Cp_{X} . {\Delta T}

{\Delta H}_{Y} = Cp_{Y} . {\Delta T}

Com isso, temos, segundo a lei de Hess, que a variação total de entalpia não depende do caminho, consequentemente:

{\Delta H}_{1} + {\Delta H}_{Y} = {\Delta H}_{2} + {\Delta H}_{X}

Substituindo:

{\Delta H}_{2} = {\Delta H}_{1} + Cp_{Y} . {\Delta T} - Cp_{X} . {\Delta T} \rightarrow

{\Delta H}_{2} = {\Delta H}_{1} + {\Delta Cp} . {\Delta T}

Essa conclusão representa a equação de Kirchhoff, uma expressão útil no calculo da entalpia em uma temperatura diferente da que se possui. Nesse contexto, temos que a rigor a capacidade térmica de uma substância não é constante com a temperatura, entretanto como a entalpia é medida em kJ/mol e ela corresponde a J/mol.K, não teremos uma alteração tão significativa entre o valor real e o calculado.

 

Ciclo de Born - Haber

Esse ciclo corresponde a uma técnica para averiguar se um ´´modelo iônico`` proposto para a proporção dos elementos em um determinado sal é correto ou não, baseando-se na lei de Hess e na entalpia de rede (Dificilmente ela é calculado diretamente, por conta da dificuldade envolvida nas condições que a definem, entretanto, como a entalpia é uma função de estado, podemos encontrá-lo de forma indireta, por meio do ciclo). Nesse viés, é observado que caso as variações de energia estimadas, via ciclo de Born - Haber, na formação do sólido, principalmente pelas interações de Coulomb, sejam semelhantes com os valores medidos, teremos um modelo válido. Sob tal perspectiva, vê-se que a estrutura básica do ciclo de Born - Haber é:

  • Exemplo (NaCl):

 Na_{(s)} \rightarrow Na_{(g)}          Energia de sublimação

 Na_{(g)} \rightarrow {Na^{+}}_{(g)} + e^{-}          Energia de ionização

 {{1 \over 2}Cl_2}_{(g)}\rightarrow Cl_{(g)}          Energia de ligação

 Cl_{(g)} + e^{-} \rightarrow Cl^{-}          - (Afinidade eletrônica)

 {Na^{+}}_{(g)} + Cl^{-} \rightarrow NaCl_{(s)}          - |Energia reticular|

 

 Na_{(s)} + {{1 \over 2}Cl_2}_{(g)} \rightarrow NaCl_{(s)}          Energia de formação

 

Observe que foi estabelecida a necessidade da entalpia de formação ser negativa como condição para um composto iônico existir de forma espontânea, isso ocorre por conta do retículo cristalino se originar da possibilidade de uma estabilidade maior do que a já existente aos átomos envolvidos, o que implica em um menor nível energético, de maneira que esse excesso de energia, existente anteriormente, seja eliminada sob a forma de calor.