Por Manuela Issi Bastos.
Gases
1.1 Sobre o estado gasoso
Para o início dessa aula acerca de gases, iniciaremos com alguns conceitos básicos, sendo que o primeiro deles será, justamente, a própria caracterização do estado gasoso da matéria.
No que tange ao estado gasoso, pode-se notar que esse apresenta o menor nível de organização de partículas, apresentando também maior distância entre elas que, por consequência, significa maior capacidade de movimentação e assim acaba por explicar a capacidade dos gases de se expandirem e ocuparem todo o volume disponível. Além disso, é válido mencionar que as densidades dos gases costumam ser pequenas, haja vista que esses costumam ocupar grandes volumes com pequenas massas (d=m/v).
O principal enfoque dessa aula, no entanto, não será nas características do estado gasoso, mas sim na forma como o comportamento dos gases é influenciado, de modo que isso ocorre, majoritariamente, devido às variáveis de estado, sendo elas: pressão, temperatura e volume.
2. Pressão
A definição de pressão na física é: , de modo que P é a pressão, F é a força exercida e A é a área na qual tal força é exercida. Aproximando esse conceito da química, pode-se definir a pressão como a razão entre a força com a qual as partículas dos gases se chocam com as paredes de um certo recipiente e a área em que esses choques ocorrem. A unidade de medida de pressão no SI é o Pascal (Pa), no entanto, utiliza-se, usualmente a unidade atm, a qual designa a força da atmosfera exercida em nós ao nível do mar. Além dessas duas unidades para a pressão tem-se o mmHg e o torr. Nesse sentido, torna-se extremamente relevante o conhecimento da conversão dessas unidades, assim:
3. Temperatura
A definição de temperatura é: grau de agitação das moléculas. Esse conceito será extremamente relevante para que certas consequências possam ser entendidas futuramente.
Embora no Brasil adote-se a escala Celcius para medir temperatura, com 0 graus sendo a temperatura de fusão da água e 100 graus sendo a temperatura de fusão dessa, no SI a unidade de medida de temperatura é o Kelvin (K). Desse modo, é fundamental mencionar a equação de conversão de temperatura de Celcius para Kelvin, assim tem-se:
Dada essa breve introdução sobre temperatura, pode-se entender que quanto maior a temperatura, maior é a cinética das moléculas, no que tange a gases ideais.
4. Volume
A definição de volume é basicamente a mais simples de todo esse módulo, uma vez que o volume de um certo gás é igual ao volume do recipiente que o contém. Isso se deve ao fato de os gases não possuirem forma definida e, portanto, assumirem a forma do recipiente em que estão contidos.
Com isso, é importante reforçar algumas conversões de unidades, no SI a unidade de medida é o , observe abaixo as principais conversões de unidades quando o assunto é volume:
5. Lei de Boyle e Mariotte: transformação isotérmica
Agora chegamos na parte mais interessante desse conteúdo, posto que os assuntos apresentados anteriormente representam apenas uma básica revisão. Iniciaremos então as transformações gasosas pela lei de Boyle e Mariotte, a qual prevê certos comportamentos para os gases em condições nas quais a temperatura se mantém constante.
A lei de Boyle e Mariotte afirma: "O volume de um gás varia de maneira inversamente proporcional à pressão quando a temperatura é mantida constante". Então, por exemplo, ao se dobrar uma certa pressão, o volume do gás diminuiria pela metade.
Perceba que mesmo com as alterações de volume e pressão, em um sistema fechado, o número de partículas permanece constante.
Desse modo, sabendo que volume e pressão são inversamente proporcionais é possível chegar a uma formulação matemática de modo que:
Logo, considerando P1 como pressão inicial e V1 como volume inicial, P2 como pressão final e V2 como volume final pode-se determinar que:
6. Lei de Charles e Gay-Lussac: transformação isobárica
A lei de Charles e Gay-Lussac afirma que o volume é diretamente proporcional à temperatura em uma transformação na qual a pressão se mantenha constante (isobárica)
Isso ocorre, pois o menor volume disponível faz com que as moléculas tenham menor frequência de choque com as paredes do recipiente em que se chocam, de modo que a diminuição do volume compense a diminuição da temperatura, não gerando alterações na pressão.
Por essa lógica, é possível chegar à expressão matemática:
Em que V1 é o volume inicial, T1 é a temperatura inicial, V2 é o volume final e T2 é a temperatura final.
7. Lei de Charles e Gay-Lussac: transformação isocórica
A Lei de Charles e Gay-Lussac para transformações isocóricas determina que quando os valores de volume permanecem constantes a pressão e a temperatura variam de forma diretamente proporcional.
Isso ocorre, pois do ponto de vista submicroscópico, o aumento da temperatura causa excitação das moléculas do gás, isso gera maior energia cinética e, por conseguinte, maior frequência de colisão dessas e, assim, é provocado um aumento de pressão.
Matematicamente pode-se descrever essa lei da seguinte forma:
Em que, P1 é a pressão inicial, T1 é a temperatura inicial, P2 é a pressão final e T2 é a pressão final.
8. Equação dos gases ideais
A equação geral dos gases é uma equação capaz de prever o comportamento de um gás analisando as três variavéis apresentadas nesse módulo: pressão, temperatura e volume.
Nesse sentido, é válido perceber que para a formulação dessa equação, alguns outros fatores são relevantes a serem analisados, como a quantidade de matéria. Note que essa deve sempre permanecer constante, dado que a transformação ocorre em um sistema fechado.
Assim, partindo da hipótese de Avogadro (a qual determina que volumes iguais de gases diferentes, nas mesmas condições de pressão e temperatura, contêm o mesmo número de moléculas), é possível concluir que, nas mesmas condições de temperatura e pressão, o volume ocupado por n mol de um gás qualquer é igual a n vezes o volume ocupado por 1 mol desse gás.
Assim, 1 mol de gás ocupa 1 volume; 2 mol, 2 volumes; e n mol, n volumes.
Logo,
Em que:
De forma que: m é a massa em gramas e M é a massa molar.
Quando substituímos os valores das condições normais de temperatura e pressão (CNTP) na equação encontrada anteriormente, é possível calcular o valor da constante. Nas CNTP, temos a temperatura valendo 273 K, a pressão com valor de 1 atm e o volume em 22,4 L quando a quantidade de matéria em mols é igual. Logo, ao fazermos o cálculo, o valor encontrado é de 0,082 atm L/mol K e é conhecido como constante universal dos gases, sendo simbolizado pela letra R. Assim, pode-se ajustar a expressão matemática para:
A equação apresentada é chamada de equação dos gases ideais, ou equação de Clapeyron, cientista francês que dedicou uma parte de seus estudos ao comportamento dos gases. Na relação, P indica a pressão do gás, V o seu volume, n a quantidade de matéria em mol, R a constante universal dos gases e T a temperatura.
9. Pressão parcial em misturas gasosas
O conceito de pressão parcial envolve misturas gasosas. Nesse tipo de mistura cada gás da mistura possui sua própria pressão, a essa pressão é dado o nome de pressão parcial. Essa pressão pode ser calculada utilizando a equação dos gases ideiais, de modo que, por exemplo, se uma mistura conter hélio e nitrogênio, calcula-se a pressão do hélio utilizando-se do volume total do sistema, do número de mols do hélio, da constante universal dos gases e da temperatura do sistema.
Já para o cálculo da pressão total de uma mistura gasosa, basta somar os valores das pressões parciais. Cabe frisar ainda, que é possível calcular essa pressão total pela equação dos gases ideias, de modo que utilizar-se-á o volume total do sistema, o número de mols total do sistema, a constante universal dos gases e a temperatura do sistema.
Dado que tanto na forma da pressão parcial, quando na fórmula da pressão total os valores de volume, temperatura e constante universal dos gases são os mesmos, pode-se estabelecer a seguinte relação:
Em que "Pa" é a pressão parcial de um gás a qualquer, "na" é o número de mols do gás a, "nt" é o número de mols do sistema e "Pt" é a pressão total do sistema.
10. Fração em quantidade de matéria
A fração em quantidade de matéria, ou fração molar, determinada pela variável "X" representa a porção de cada componente na mistura, sendo, assim, a quantidade de matéria de um componente (hipoteticamente ) dividido pela quantidade de matéria do total (representado por
). Sua fórmula é:
11. Lei de Amagat
A Lei de Amagat tem como papel calcular o volume parcial, ou seja, o volume de cada gás na mistura. Isso pode ser feito utilizando a equação geral dos gases, utilizando a pressão total do sistema, o número de mols do gás, a constante universal dos gases e a temperatura do sistema.
No entanto, é possível obtem uma expressão mais interessante ao relacionarmos a pressão parcial com a equação dos gases ideais da mistura total, tem-se:
Em que, "Va" é o volume do gás em questão, "na" é o número de mols desse gás, "nt" é o número de mols total e "Vt" é o volume total.
12. Densidade dos gases
Já se sabe a fórmula da densidade:
Em que "d" é a densidade, "m" é a massa e "V" é o volume.
Como os gases dependem de outras variáveis além de volume e massa, é possível formular a equação matemática para encontrar a densidade de gases incluindo valores de temperatura. Para essa formulação utilizaremos como base a equação geral dos gases ideais e a própria fórmula da densidade.
Substituindo o número de mols por massa/massa molar na equação geral dos gases ideais, tem-se:
Rearranjando a equação tem-se:
13. Difusão e efusão
Gases possuem certas propriedades específicas, como as capacidades de expansão e de compressão. Outros dois aspectos peculiares dos gases são a efusão e a difusão. A difusão é a capacidade de um gás de se espalhar de forma uniforme em um recipiente. Já a efusão é a capacidade do gás de ultrapassar as paredes que o contém.
Ao estudar tais fenômenos, o cientista Thomas Graham chegou à conclusão de que quanto maior a massa molar do gás, mais lento é o movimento de efusão. Desse modo, obtém-se a fórmula:
De forma que, "VefA" é a velocidade de efusão do gás A e "VefB" é a velocidade de efusão do gás B, "MB" é a massa molar do gás B e "MA" é a massa molar do gás A.
Analisando essa mesma fórmula, mas incluindo a densidade, tem-se:
14. Teoria cinética dos gases
A teoria cinética dos gases é de extrema importância, uma vez que nos permite compreender melhor de forma microscópica as leis de Boyle, de modo que as análises feitas por essa teoria não são meramente empíricas, mas também se baseiam em leis da física.
As suposições dessa teoria são as seguintes:
1) Um gás puro é aquele que possui um alto número de moléculas idênticas separadas por grandes distancias quando essas são comparadas ao tamanho das moléculas.
2) As moléculas dos gases sempre se movimentam em direcoes aleatórias com distribuição de velocidade
3) As moléculas não exercem forças umas sobre as outras entre as colisões, portanto, entre colisões, elas se movem em linha reta com velocidades constantes
4) As colisões das moléculas com as paredes do recipiente são elásticas; nenhuma energia é perdido durante uma colisão.
Usa-se a teoria da cinética dos gases para encontrar relações entre pressão, volume e movimento de moléculas. Comparando as relações encontradas com a equação geral dos gases ideais é possível entender melhor o conceito abstrato de temperatura.
Para compreender melhor essa teoria vamos estudar melhor alguns conceitos.
14.1 Velocidade
Quando tem-se uma movimentação de moléculas em um certo recipiente, essas apresentam uma certa velocidade. A velocidade é expressa na forma de vetor, possuindo, portanto, módulo, direção e sentido. Além disso o vetor velocidade pode ser decomposto em outros três vetores vx, vy e vz. Assim, velocidade é dada por:
14.2 Momento
O momento de uma molécula é dado pela multiplicação da massa pela velocidade. Quando a molécula colide elasticamente com a parede de uma caixa, os componentes y e z da velocidade, vy e vz, permanecem inalterados, mas a componente x (perpendicular à face da caixa) inverte o sinal. A mudança no x componente do momento da molécula, pode ser expresso por:
Assim:
Através da segunda lei de Newton, pode-se compreender que a força exercida na face por repetidas colisões será:
Para n moléculas tem-se:
Sendo:
Como pressão é força sobre área, tem-se:
Como o movimento da molécula em questão não tem preferência de direção, tem-se que vx, vy e vz são iguais. Assim:
Logo,
De acordo, com a lei geral dos gases, pressão por volume é igual a uma constante R multiplicada pelo número de mols e pela temperatura. Assim, podemos relacionar o modelo cinético à equação geral dos gases ideais. Desse modo:
Como n é simplesmente o número de mols multiplicado pelo número de Avogadro (Na), tem-se a seguinte relação quando os dois lados da equação são divididos pelo número de mols:
Como na física a energia cinética é dada por:
Tem-se para n moléculas:
Portanto:
Para encontrar a energia cinética total dividimos a equação pelo número de Avogadro. Assim:
Tal que Kb é a constante de Boltzman, a qual é dada pela constante dos gases ideais dividida pelo número de Avogadro. Logo, fica visível como a energia cinética geral dos gases depende apenas da temperatura.
15. Gases reais
Os gases reais só seguem a equação dos gases ideais em densidades suficientemente baixas. Quando certas condições específicas não são estabelecidas, os gases reais não podem ter seu comportamento previsto pelas leis dos gases ideais.
À pressão atmosférica, a lei dos gases ideais é bastante
bem satisfeito para a maioria dos gases, mas para alguns com moléculas polares (como vapor de água e amônia), há pequenos desvios. A maneira mais fácil de detectar essa variação é calcular o fator de compressibilidade z a partir de dados experimentais P-V-T, tal que:
Quando z difere de 1, a lei dos gases ideais é inadequada e uma equação de estado adaptada é necessária.
15.1 Equação de van der Waals
A equação de Van der Waals é a seguinte:
Essa equação possibilita que entendamos melhor as forças que as moléculas têm em si mesmas.
Sabemos pela teoria cinética dos gases que a pressão é dada pelo produto do momento transferido por colisão no recipiente pelo número de colisões por segundo. Assim, é necessário ver quão grande seria a diferença na taxa de colisões real e na taxa de colisões prevista pela equação geral dos gases.
Desse modo, buscando primeiramente entender o termo da equação . Pode-se interpretar que por causa das forças repulsivas, moléculas não podem ocupar os mesmos espaços ao mesmo tempo. Por isso, o volume que uma certa molécula pode ocupar não é V, mas sim
, em que b é uma constante que descreve o volume excluído por mol de moléculas, sendo dada em
. Essa situação faz com que as moléculas tendam a afastar-se uma das outras e, por consequência, essas vão em direção às paredes do recipiente, situação que aumenta o taxa de colisões nas paredes e, consequentemente, a pressão. Logo, a pressão será maior que a descrita na equação de Van der Waals.
Já quando temos forças atrativas, tem-se que os grupos e pares de moléculas ficam juntos. Essa tendência de agrupamento reduz o número efetivo de moléculas independentes e, portanto, há redução na taxa de colisões com as paredes do recipiente. Logo, há redução na pressão, no que tange ao que é observado na equação geral dos gases. Como essa redução depende da atração entre pares de moléculas, Van der Waals argumentou que essa seria proporcional ao quadrado do número de moléculas por unidade de volume (). Comparando com a equação dos gases ideais, há redução na pressão em
, em que a é uma constante positiva qe depende da força das forças atrativas. A unidade dessa constante é
.
Os efeitos dos dois parâmetros de van der Waals são claramente aparentes no fator de compressibilidade para essa equação de estado:
É fácil ver que as forças repulsivas (através de b) aumentam z acima de 1, enquanto as forças atrativas (através de a) reduzem z.