Reações de alcenos e alcinos

Escrito por Ygor de Santana

Alcenos são compostos que têm uma ligação dupla em sua estrutura e alcinos são compostos que tem uma ligação tripla em sua estrutura.

Exemplos:

Reações de alcenos

Alcenos contém ligações duplas. É importante olhar para hibridização do carbono nesse caso: sp2. Um carbono saturado tem hibridização sp3, ou seja, tem 25% de caráter s e 75% de caráter p, já o orbital sp2 tem 33% de caráter s e 67% de caráter p. O orbital s tem uma energia menor e por isso, elétrons são mais estáveis nesse orbital, o que faz o carbono ficar mais eletronegativo com essa hibridização. Isso faz com que a ligação fique mais polarizada e o carbono fica mais negativamente carregado. Isso somado ao fato de que a ligação pi não é muito forte resulta em uma alta propensão a adições eletrofílicas, sendo esse o principal tipo de reação dos alcenos. Como a adição é eletrofílica, o mecanismo geralmente passa por um carbocátion, portanto fatores que estabilizem o carbocátion fazem o alceno mais reativo. A ordem de estabilidade dos carbocátion depende dos grupos aos quais o carbono está ligado. Grupos alquil ligados ao carbono aumentam a estabilidade pois doam elétrons por efeito indutor e por hiper conjugação. A hiperconjugação ocorre quando o orbital vazio do carbono positivo interage com o orbital preenchido da ligação C-H e isso estabiliza o carbocátion. Grupos doadores de elétrons por ressonância são mais eficazes para estabilizar o carbocátion. Devido a esses fatores, a estabilidade dos carbocátions é: primário<secundário<terceário<alílico<benzílico

Exemplo:

 

Uma reação interessante dos alcenos é a bromação. Nesse tipo de reação um alceno reage com Br2 e um bromo é adicionado de cada lado da ligação dupla, mas algo curioso é que o bromo é adicionado de forma anti, ou seja, se um bromo for adicionado de um lado o outro vai ser adicionado de outro. Vamos ver se o mecanismo que vimos anteriormente consegue explicar esse fato. O primeiro passo é o ataque da ligação dupla a um dos dois átomos de Br, formando uma carga positiva em um carbono, uma ligação C-Br e a liberação de um Br-. Com isso o brometo ataca o carbono positivo e o mecanismo estaria acabado. No entanto, vamos analisar o ataque do brometo no carbono positivo. Esse carbono tem uma geometria trigonal plana e por isso não há uma grande preferência por um dos lados o que não explica a adição anti. Portanto o que acontece? Mesmo que o bromo seja mais eletronegativo que o carbono, o bromo está com uma carga negativa grande e o carbono está com uma carga positiva grande e por isso uma ligação entre o bromo e o carbono com carga positiva é formada na mesma etapa em que o brometo é liberado. Pela análise espacial, as duas ligações devem estar orientadas para o mesmo lado, devido a isso o ataque do brometo só pode acontecer pelo outro lado.

Regra de Markovnikov

A regra de Markovnikov é uma regra experimental e diz que um a adição se dá no lado menos hidrogenado. Isso se deve ao fato de o primeiro passo do mecanismo de adição passar por um intermediário catiônico. O carbono que melhor suporta uma carga positiva, tem menor energia de ativação e é formado mais prontamente, sendo o produto majoritário. Grupos assistentes também interferem no processo.

Exemplos

Porém caso quiséssemos adicionar uma hidroxila ao invés do cloreto, a reação provavelmente não seria tão eficiente, já que precisaríamos usar um meio ácido e em meio ácido a desidratação e a hidratação competem. Para resolver esse problema podemos usar a oximercuração redução que ocorre de acordo com a regra de Markovnikov e evita rearranjo como veremos a seguir. O acetato de mercúrio(II) é usado como reagente. A primeira etapa é a dissociação de um acetato deixando o mercúrio com uma carga positiva e depois a ligação dupla ataca o mercúrio. O carbono mais substituído pode doar mais elétrons para o mercúrio e fica mais positivo, por isso quando o nucleófilo ataca, ele o faz no lado mais substituído, respeitando a regra de Markovnikov. O que sobra é uma ligação C-Hg que pode ser removida com boridreto de sódio, num mecanismo radicalar.

Reações anti Markovnikov

Um dos pré-requisitos para que uma adição seja do tipo Markovnikov é o carbocátion intermediário. Se não há o carbocátion, essa regra não necessariamente é seguida. Um exemplo é a hidroboração. O primeiro passo desse mecanismo é um ataque da ligação dupla ao orbital vazio do borano e, não necessariamente no mesmo momento, a transferência do hidreto ao outro carbono. Aqui há dois motivos para a adição ser anti Markovnikov: há a formação de uma carga parcial positiva no carbono que vai receber o hidreto, por isso ele precisa suportar uma carga positiva de forma melhor e como o grupo borano é relativamente grande o ataque se dá no lado menos impedido. Após essa etapa ocorre uma oxidação com peróxido em meio básico. O peróxido é desprotonado e ataca o orbital vazio do boro. Depois, a ligação C-B ataca o oxigênio do peróxido liberando uma hidroxila. Depois disso ocorre a hidrólise formando o álcool.

Além da hidroboração, a adição de bromo na presença de peróxido também segue uma via anti-markovnikov. Como a ligação O-O é fraca ela quebra formando dois radicais livres. Quando um desses radicais encontra uma molécula de HBr ela abstrai o próton formando o radical Br· que quando reage com a ligação dupla no lado menos substituído porque o radical é mais estável no carbono mais substituído

Rearranjo de Wagner-Marween

Algumas vezes o produto de uma hidratação, por exemplo, não é o que esperávamos, como no exemplo:

Por que o oxigênio foi adicionado num lugar que nem tinha ligação dupla? Vamos analisar o mecanismo. O primeiro passo é o ataque da ligação dupla ao próton. Isso forma um carbocátion secundário. Porém, sabemos que um carbocátion terciário é mais estável que um secundário, então ocorre uma transferência do hidrogênio (que é chamada de rearranjo) do carbono terceário para onde a carga positiva está  e a carga positiva fica no carbono terciário. Depois ocorre o ataque nucleofílico da água e o álcool formado é terciário.

Outro exemplo intrigante é o seguinte:

 

Nesse caso até o esqueleto carbônico mudou. Novamente vamos analisar o mecanismo. O primeiro passo é o ataque da ligação dupla ao próton e da mesma forma que no exemplo anterior, forma um carbocátion secundário. Pela mesma lógica, um carbocátion terceário seria mais estável, mas dessa vez não pode ser um hidrogênio a ser transferido então quem migra é a metila:

Rearranjos de grupos alquil em carbocátion são denominados de rearranjos de Wagner-Marween.

Oxidações e reduções

Além de adições, alcenos sofrem alguns tipos de oxidações e reduções. As reduções mais comuns são as hidrogenações. Geralmente são catalisadas por metais como o Ni, Pd e Pt, tanto de forma heterogênea (o catalisador não se dissolve no meio reacional), quanto de forma homogênea (o catalisador está no mesmo meio reacional que o substrato). Exemplos:

Nesse tipo de hidrogenação é importante notar a estereoquímica do produto. Os hidrogênios são adicionados de forma sin, ou seja, do mesmo lado. Vamos analisar o mecanismo para entender mais o motivo da estereoespecificidade. Na catálise heterogênea a reação acontece na superfície do catalisador. A primeira etapa é a aproximação do hidrogênio. Os átomos do metal doam densidade eletrônica para o orbital anti-ligante da ligação, o que a enfraquece. Eventualmente a ligação é quebrada e o hidrogênio fica ligado diretamente ao metal. Então, o alceno se aproxima e novamente o metal doa densidade eletrônica enfraquecendo a ligação dupla. Nesse ponto, os carbonos e os hidrogênios estão ligados no metal, então, os hidrogênios começam a interagir com os carbonos e a ligação com o metal é enfraquecida. Finalmente a ligação C-H é formada e o produto se desprende da superfície do catalisador.

Alcenos também podem sofrer reações de oxidação. As principais são as dihidrocilações, epoxidações e clivagens oxidativas. As dihidroxilações são reações que convertem o grupo alceno em um diol vicinal. Exemplos:

O permanganato é mais barato, mas deve ser usado em condições específicas por ser um forte oxidante. Além disso, ele apresenta baixa tolerância a outros grupos funcionais na molécula e pode continuar a oxidação do diol fazendo uma clivagem oxidativa. O tetróxido de ósmio e muito tóxico e deve ser manipulado com cuidado, por isso é usado em quantidades catalíticas e é usado com um cooxidante como o NMO. A reação é estereoespecífica e as hidroxilas sempre ficam sin. A primeira etapa do mecanismo é uma cicloadição [3+2] e depois ocorre a hidrólise em meio básico, ou com bissulfito de sódio.

As epoxidações são reações que formam epóxidos, ciclos de três em que um dos membros é o oxigênio. Exemplos:

Como pode ser visto, o m-CPBA (perácido metacloroparabenzóico) é um bom reagente para formar epóxidos. O mecanismo se dá de forma concertada e por isso a configuração do alceno é retida. O peróxido de hidrogênio com base é usado apenas quando a dupla é deficiente em elétrons. A explicação tem a ver com a nucleofilicidade do reagente. Tanto a ligação dupla quanto o oxigênio têm carga parcial negativa, portanto, para sobrepor essa barreira energética, deve haver um bom grupo abandonador. No caso do peróxido de hidrogênio, o grupo abandonador é uma hidroxila e no caso do perácido é um carboxilato, que é menos básico que a hidroxila e por isso o peróxido de hidrogênio só funciona com duplas deficientes em elétrons. Duplas ricas em elétrons reagem mais rápido com m-CPBA pois são mais nucleofílicas.  Como foi dito, o mecanismo com o m-CPBA é concertado procedendo num estado de transição bicíclico:

As clivagens oxidativas são reações que clivam a ligação C=C e formam o produto da oxidação desses compostos (aldeído, ou ácido carboxílico). Exemplos:

Como podemos ver há algumas formas de fazer isso. A primeira forma é o uso do tetróxido de ósmio seguido de periodato de sódio. A primeira etapa é a formação do diol. Depois disso é formado um ciclo com o iodo que depois colapsa quebrando a ligação C-C reduzindo o iodo. A reação com o ozônio começa com uma adição 1,3 dipolar. Formando o ozonídeo primário. Depois ele rearranja para um ozonídeo secundário, que é mais estável (se você for aluno do Luís Cláudio você provavelmente sabe que alguns medicamentos para malária foram baseados em alguns ozonídeos sintetizados por ele) e é quebrado na próxima etapa.

Reações de alcino

Assim como os alcenos, a hibridização do átomo é importante. A hibridização é sp e o orbital s contribui 50% no híbrido, sendo ainda mais eletronegativo (atraindo ainda mais os elétrons) que o carbono sp2. Como a ligação pi é fraca, também é bastante susceptível a adições nucleofílicas, mas vamos analisar outro tipo de reação que os alcinos podem fazer, que é bem interessante.

Explorando a acidez do alcino

Devido à alta eletronegatividade da hibridização sp, o próton acetilênico tem uma elevada acidez, tão elevada que pode ser desprotonado pelo amideto. Isso é muito interessante porque torna o carbono nucleofílico. Um dos grandes objetivos da química orgânica sintética é produzir compostos orgânicos que geralmente são grandes, mas os compostos comercialmente disponíveis não têm tantos carbonos, assim nós precisamos unir pequenas partes para formar o produto que queremos. Os métodos mais  famosos para formar ligações se baseiam em reações polares, ou seja, um lugar negativo doa carga para um ligar positivo formando uma ligação no caminho, mas se formos analisar a estrutura de um alcano, o carbono não quer nem receber nem doar elétron o que torna quase impossível formar ligações C-C entre alcanos. Por isso métodos que formam C-C são tão importantes em química orgânica. No nosso caso, nós conseguimos transformar um carbono em um nucleófilo. Se o reagirmos com um haleto de alquila teremos então formado uma ligação C-C! Exemplos:

Reações de adição

São muito similares com as dos alcenos com relação aos produtos, mas diferem significativamente com relação a velocidade e mecanismo. Se fôssemos pensar no mesmo mecanismo dos alcenos, o primeiro passo seria o ataque de uma ligação pi ao próton formando um carbocátion, porém uma carga positiva num carbono sp2 é pouco estável. Foi então proposto um mecanismo concertado com três moléculas:

Os alcinos também podem sofrer hidrogenações e virar alcanos consumindo dois equivalentes de hidrogênio passando pelo alceno no processo. Porém algumas vezes queremos que ele pare no alceno. Isso é possível através de catalisadores envenenados. Um desses catalisadores é o paládio em carbono envenenado com quinolina e sulfato de bário para dar um alceno cis. Caso o alceno desejado seja o trans, pode-se usar um redutor como o Na em amônia