Fundamentos de Cálculo Financeiro
Contexto Econômico do Juro
Do ponto de vista econômico, a existência do juro está intimamente ligada à preferência temporal dos agentes: indivíduos, empresas e governo. Consumir hoje ou no futuro é uma decisão que envolve sacrifício quando se posterga o consumo. Poupar significa abrir mão de consumir agora, exigindo uma recompensa, o juro, que compensa o adiamento. Assim, a taxa de juros torna-se um indicador-chave do custo do dinheiro no tempo.
Para o administrador financeiro, compreender esse conceito é essencial, pois a taxa de juros serve como parâmetro para avaliar a atratividade de investimentos, o custo de financiamentos, a formação de preços de ativos financeiros e a gestão de caixa.
1. Juros Simples
Conceito:
No regime de juros simples, os juros incidem apenas sobre o capital inicial (principal) ao longo de todos os períodos, resultando em um crescimento linear do montante total.
Aplicações Práticas:
Embora menos comum no longo prazo, os juros simples ainda são utilizados em operações financeiras de curtíssimo prazo, especialmente no mercado financeiro internacional, em que as taxas nominais são frequentemente referenciadas pelo critério simples. Porém, o resultado efetivo de uma operação quase sempre é avaliado sob a ótica dos juros compostos.
Fórmulas Essenciais:
- Capital inicial: CC
- Taxa unitária de juros: ii (por exemplo, 2% = 0,02)
- Número de períodos: nn
Cálculo dos Juros Simples:
Montante (M): Soma do principal e dos juros:
Exemplo Prático:
Empréstimo de $50.000,00, a 2% a.m., por 5 meses, juros simples:
- Juros totais:
- Montante:
Aqui, os juros são lineares: todo mês, o juro é $1.000,00, sempre calculado sobre o capital inicial.
Taxa Nominal e Taxa Proporcional (Juros Simples)
- Taxa Nominal: É a taxa declarada para um período maior que o da incidência dos juros. Por exemplo, 30% a.a. com pagamentos mensais significa 2,5% a.m. (30%/12).
- Taxa Proporcional: Quando a taxa expressa em diferentes unidades de tempo mantém proporção direta. Ex.: 3% a.m. é proporcional a 36% a.a.
Exemplo de Cálculo com Taxa Nominal:
Aplicação de $150.000,00 a 26,4% a.a. por 8 meses:
Taxa mensal proporcional:
Montante:
Juros:
2. Juros Compostos
Conceito:
Nos juros compostos, os juros de cada período são incorporados ao principal para o cálculo dos juros seguintes. Isso gera “juros sobre juros” e crescimento exponencial do montante.
Onde se aplica:
A maioria das operações de médio e longo prazo (financiamentos, investimentos, empréstimos bancários, cartões de crédito) usam juros compostos.
Fórmula Básica:
Onde:
- PV (Valor Presente): Capital inicial
- FV (Valor Futuro): Montante ao final de n períodos
- i: Taxa de juros por período
- n: Número de períodos
Exemplo Prático:
Investimento de $100.000,00 a 2% a.m. por 3 meses:
- Após 1 mês:
- Após 2 meses:
- Após 3 meses:
Montante final: $106.120,80. Note como o montante cresce mais rápido do que nos juros simples.
Determinação de PV, i e n:
Podemos rearranjar a fórmula para encontrar valor presente, taxa de juros ou número de períodos, conforme necessário. Por exemplo,
Taxas Equivalentes e Efetivas (Juros Compostos)
- Taxa Equivalente: Duas taxas são equivalentes se produzem o mesmo montante ao final do período. Por exemplo, converter 21% a.a. em uma taxa mensal equivalente:
- Taxa Efetiva: Considera a capitalização. Uma taxa nominal de 20% a.a. com capitalização semestral resulta numa taxa efetiva anual maior que 20%. Por exemplo:
3. Juros Compostos: Série de Pagamentos ou Recebimentos
Além de um único desembolso ou recebimento, é comum lidarmos com séries de fluxos de caixa (pagamentos ou recebimentos) ao longo do tempo, que podem ser uniformes ou não.
Séries Não Uniformes:
Quando os pagamentos ou recebimentos de determinada operação não forem uniformes em relação ao valor de seus termos ou periodicidade, o cálculo do **Valor Presente** () envolve a soma de cada fluxo de caixa atualizado ao momento atual. A fórmula geral é:
Onde:
-: Fluxo de caixa no período ;
-: Taxa de desconto por período;
-: Número total de períodos.
De forma semelhante, o cálculo do **Valor Futuro** () é a soma dos fluxos de caixa ajustados ao final do último período. A fórmula geral é:
Séries Uniformes (Anuidades):
Valor Presente da Anuidade
Quando os fluxos são constantes e periódicos, usamos fórmulas simplificadas:
(Demonstração)
Considere uma anuidade com pagamentos periódicos e iguais , realizados ao final de cada período, por períodos, com taxa de juros (desconto) por período igual a . Queremos encontrar o Valor Presente () desses pagamentos.
Os fluxos de caixa são:
Fim do 1º período:
Fim do 2º período:
...
Fim do -ésimo período:
O é a soma descontada desses valores:
Fatorando :
O termo entre parênteses é uma soma de termos de uma Progressão Geométrica com razão .
A soma de uma PG finita com primeiro termo e razão , até termos, é:
No nosso caso:
Simplificando o denominador , temos:
Logo:
Valor Futuro da Anuidade:
O Valor Futuro () é dado por:
(Demonstração)
Os fluxos de caixa são capitalizados até o final do período:
Fatorando :
Essa soma é uma Progressão Geométrica:
Exemplo Prático - Valor Futuro (VF):
Aplicando $4.000,00 todo mês, por 12 meses, a 1,5% a.m.:
Exemplo Prático - Valor Presente (VP):
Para calcular o valor presente de uma série de pagamentos de $4.000,00 mensais por 12 meses, a 1,5% a.m.:
Anuidades Perpétuas
Uma anuidade perpétua é um caso especial em que os pagamentos são infinitos.
Perpetuidade sem Crescimento:
(Demonstração)
Esta é uma série geométrica infinita com:
-Primeiro termo: ,
-Razão: .
Sabemos que a soma de uma série geométrica infinita, para , é dada por:
Substituindo os valores de e :
Simplificando o denominador :
Portanto, a fórmula do Valor Presente () de uma anuidade perpétua é:
Exemplo Prático
Considere uma renda perpétua de anuais com uma taxa de desconto de ao ano ():
Logo, o Valor Presente da anuidade perpétua é .
Perpetuidade com Crescimento (Modelo de Gordon):
A perpetuidade com crescimento ocorre quando os fluxos de pagamentos ou recebimentos crescem a uma taxa constante , onde , sendo a taxa de desconto. Essa fórmula é amplamente utilizada na avaliação de empresas e ativos financeiros que geram fluxos de caixa crescentes no tempo.
Fórmula do Valor Presente ()
O Valor Presente () de uma perpetuidade com crescimento é calculado pela fórmula:
Onde:
-: O pagamento no primeiro período.
-: Taxa de desconto.
-: Taxa de crescimento dos fluxos de caixa.
(Demonstração)
Suponha que:
-O primeiro pagamento no próximo período seja ,
-O segundo pagamento seja ,
-O terceiro pagamento seja , e assim por diante.
O Valor Presente () pode ser expresso como:
Fatorando :
Observe que a soma dentro dos colchetes é uma série geométrica infinita, onde cada termo cresce a uma taxa e é descontado a uma taxa .
Definindo , a série torna-se:
Simplificando:
Substituindo de volta na equação do :
Portanto, a fórmula do Valor Presente é:
Exemplo Prático
Considere um investimento que paga no próximo período e cresce a uma taxa de ao ano (), com uma taxa de desconto de ao ano ().
Aplicando a fórmula:
Logo, o Valor Presente da perpetuidade com crescimento é .
4. Conceitos Básicos de Taxa Interna de Retorno (IRR)
A Taxa Interna de Retorno (IRR - Internal Rate of Return) é a taxa de desconto que iguala o valor presente dos fluxos de caixa de uma operação ao valor inicial do investimento, ou seja, resulta em um **Valor Presente Líquido (VPL)** igual a zero.
A IRR é amplamente utilizada em Finanças corporativas para:
- Avaliar a rentabilidade de projetos de investimento;
- Determinar o custo efetivo de financiamentos;
- Comparar alternativas de investimentos ou empréstimos.
A IRR () é a solução para a equação:
Onde:
- : Fluxo de caixa no período ;
- : Taxa interna de retorno (IRR);
- : Período (0, 1, 2, ..., ).
Como a equação é não-linear, sua solução requer métodos numéricos (como iteração) ou o uso de calculadoras financeiras.
Exemplo Prático
Um investimento inicial de gera retornos de no final de cada um dos próximos 3 meses. A IRR é a taxa mensal () que satisfaz:
Solução Numérica
Ao testar valores para , descobrimos que, para (ou 2,48% ao mês), a equação é satisfeita:
Portanto, a IRR = 2,48% a.m.
5. Capitalização Contínua
A capitalização contínua é um limite da capitalização composta, quando o número de períodos de capitalização por ano () tende ao infinito. Nesse caso, o cálculo usa a base dos logaritmos naturais () para determinar o valor futuro.
A fórmula geral para capitalização contínua é:
(Demonstração)
Considere a fórmula para capitalização composta com capitalizações por ano:
Se aumentarmos o número de capitalizações (), obtemos o limite:
Logo, o montante futuro na **capitalização contínua** é dado por:
Onde:
- : Valor futuro;
- : Valor presente (capital inicial);
- : Taxa de juros por período;
- : Número de períodos.
Exemplo Prático
Considere um capital inicial de , aplicado por 3 anos () a uma taxa de juros de 10% ao ano () em regime de capitalização contínua.
1. Cálculo do valor futuro ():
2. Substituindo os valores:
3. Utilizando :
Comparação com Capitalização Composta
Na capitalização anual composta ():
1. Cálculo do valor futuro ():
2. Substituindo os valores:
Resultado: O montante futuro na **capitalização contínua** () é ligeiramente maior que na **capitalização anual composta** (), devido ao maior número de capitalizações.
6. Inflação no Cálculo Financeiro
A inflação reduz o poder de compra da moeda, afetando a representatividade dos valores nominais em análises financeiras. Para decisões corretas, é essencial ajustar os valores nominais pela inflação, obtendo os valores reais, que refletem o poder de compra constante.
Relação Entre Taxa Nominal (), Inflação () e Taxa Real ()
A relação entre a taxa nominal (), a inflação () e a taxa real () é dada pela seguinte fórmula:
Reorganizando para encontrar :
Onde:
- : Taxa nominal de retorno ou custo;
- : Taxa de inflação no período;
- : Taxa real de retorno ou custo.
Essa fórmula mostra que a taxa real exclui o impacto da inflação, ajustando o ganho ou custo nominal para refletir o ganho ou custo efetivo no poder de compra.
7. Indexação e Desindexação
- Indexação: Ajustar valores do passado para o poder aquisitivo do futuro.
- Desindexação: Ajustar valores do futuro ou presente para o poder aquisitivo do passado.
Esse procedimento garante comparabilidade em ambientes inflacionários. Por exemplo, se um produto custava $8.000,00 e após 10% de inflação passou a $8.800,00, o aumento real pode ser negativo quando ajustado pelo índice adequado.
8. Taxa de Desvalorização da Moeda (TDM)
A Taxa de Desvalorização da Moeda (TDM) indica a perda de poder de compra da moeda causada pela inflação. Por exemplo, se a inflação () for 100%, a moeda perde metade do seu valor, resultando em uma TDM de 50%.
Fórmula da TDM
A relação entre a taxa de desvalorização da moeda e a inflação é dada pela fórmula:
Onde:
- : Taxa de inflação do período.
Exemplo Prático
Com uma inflação de 9,1% ():
Operações com Rendimentos Pós-Fixados
Nas operações financeiras pós-fixadas, o principal é primeiro ajustado pela inflação e, em seguida, os juros são aplicados. Isso gera um efeito composto, resultando em um custo nominal maior.
Exemplo Prático
Considere um empréstimo com:
- Correção monetária pelo IGP-M de 16% ();
- Juros de 10% ao ano ().
O montante ao final de um ano () é calculado como:
Se , temos:
- Taxa Nominal: 27,6% ().
- Taxa Real: Permanece 10% ().
A inflação eleva o valor final devido à multiplicação dos fatores ().
9. Mortgages
Quando se contrata um empréstimo amortizável, como uma mortgage (hipoteca), a ideia é pagar prestações periódicas fixas (uma anuidade), compostas de parte juros e parte principal, de modo que, ao final do prazo, toda a dívida esteja quitada.
Como Funciona:
- O saldo devedor inicial é o valor tomado emprestado (PV).
- A cada período, você paga uma prestação fixa (anuidade), calculada usando a fórmula de VP da anuidade para obter o PMT.
- Parte do pagamento cobre os juros do período (calculados sobre o saldo devedor do início do período).
- A outra parte do pagamento reduz o principal (saldo devedor).
Ao longo do tempo, os juros diminuem, pois o principal cai, e a parcela do principal no pagamento aumenta.
Exemplo de Mortgage:
Dados do empréstimo:
- Principal inicial (PV): $300.000,00
- Prazo: 360 meses (30 anos)
- Taxa de juros mensal: i = 0,5% (0,005)
- Pagamento mensal (PMT) calculado: Aproximadamente $1.610,46
Cálculo do PMT (relembrando):
Cada pagamento de $1.610,46 é constante ao longo de todo o empréstimo. O que muda é a proporção de juros e principal pago a cada mês, assim como o saldo devedor remanescente.
Início da Amortização (primeiros meses)
Mês | Saldo Inicial | Juros (Saldo × 0,005) | Pagamento (1.610,46) | Principal Pago (Pag - Juros) | Saldo Final |
---|---|---|---|---|---|
1 | 300.000,00 | 1.500,00 | 1.610,46 | 110,46 | 299.889,54 |
2 | 299.889,54 | 1.499,45 | 1.610,46 | 111,01 | 299.778,53 |
3 | 299.778,53 | 1.498,89 | 1.610,46 | 111,57 | 299.666,96 |
4 | 299.666,96 | 1.498,33 | 1.610,46 | 112,13 | 299.554,83 |
5 | 299.554,83 | 1.497,77 | 1.610,46 | 112,69 | 299.442,14 |
Observe que a cada mês o juros cobrado cai ligeiramente (porque o saldo diminui), aumentando assim a parcela do principal amortizado. No primeiro mês, o principal pago foi de $110,46; já no quinto mês, $112,69.
Meio do Prazo (mês aproximado 180)
Ao redor da metade do prazo (mês ~180), a proporção do principal pago em cada prestação será maior do que no início, pois o saldo já reduziu significativamente. Por exemplo, suponha que após 180 pagamentos o saldo tenha caído (não calculado aqui diretamente, mas é certo que o saldo já estará bem menor do que 300.000).
Se fizermos um cálculo aproximado ou utilizarmos uma planilha para descobrir a situação no mês 180 (apenas exemplo ilustrativo):
Digamos que próximo ao mês 180, o saldo pode ter caído para algo em torno de $220.000 (valor hipotético apenas para demonstrar a lógica). Nesse caso, os juros do mês 180 seriam $220.000 × 0,005 = $1.100 e, portanto, o principal pago nesse mês seria $1.610,46 - $1.100 = $510,46, bem mais que os ~ $110 do início.
Isso mostra que, ao longo do tempo, a maior parte do pagamento passa a ser destinada à amortização do principal.
Final do Prazo (próximo do mês 360)
No último mês (mês 360), o saldo será muito baixo, praticamente próximo de zero. Como exemplo ilustrativo, vejamos os dois últimos meses do cronograma. Próximo ao final, quase todo o pagamento é principal, e os juros são mínimos, pois o saldo restante é muito pequeno.
Suponha (a título exemplificativo, não exato) que no mês 359 o saldo final após pagamento seja de cerca de $1.605, e no mês 360, antes do pagamento final, o saldo inicial é esse valor:
Mês | Saldo Inicial | Juros (Saldo × 0,005) | Pagamento (1.610,46) | Principal Pago | Saldo Final |
---|---|---|---|---|---|
359* | ... | ... | 1.610,46 | ... | ~1.605,00 |
360 | 1.605,00 | 1.605,00×0,005=8,03 | 1.610,46 | 1.610,46-8,03=1.602,43 | ~0,00 |
*Os valores do mês 359 e 360 são exemplificativos para demonstrar o comportamento final, não calculados rigorosamente linha a linha, pois isso exigiria a construção completa da planilha.
No pagamento final, praticamente todo valor pago (cerca de $1.602,43) é principal, e apenas cerca de $8,03 são juros, zerando o saldo.
Padrão de Variação da Amortização ao Longo do Tempo
- Início: A maior parte do pagamento é destinada a cobrir os juros, pois o saldo é alto. O principal amortizado é pequeno.
- Meio do Prazo: Conforme o saldo diminui, os juros mensais caem. Portanto, a parcela do principal em cada pagamento aumenta.
- Final do Prazo: Os juros são muito baixos, quase todo o pagamento vai para o principal, e o saldo se aproxima de zero.
Ao longo do tempo, a amortização do principal acelera, enquanto os juros diminuem gradualmente, mantendo o pagamento total constante.