Escrita por Ícaro Bacelar (Revisão por Ualype Uchôa e Rafael Ribeiro)
Você pode acessar a prova aqui
Questão 1
Um motorista esquece um pequeno pacote de no teto do seu carro de e, então, parte com o carro com velocidade de acordo com o gráfico abaixo. Sabe-se que os coeficientes de atrito cinético e estático entre o carro e o pacote são, respectivamente, e . Quanto tempo leva, aproximadamente, para o pacote cair do carro?
Mecânica - Força de Atrito
Antes de mais nada, analisemos a situação física do problema:
A partir do momento em que o carro começa a acelerar, a intensidade da força de atrito estática que o carro aplica sobre ele (que possui sentido para a direita, contrário à tendência de deslizamento) passa a aumentar até alcançar a intensidade máxima, dada por
.
A partir desse momento, a força de atrito passa a ser do tipo cinético, com intensidade constante
,
e ocorre deslizamento relativo entre as superfícies; ou seja, o bloco vai para a esquerda até cair.
Primeiramente, devemos analisar se o bloco realmente chega a deslizar sobre a superfície. A única força que contribui para o movimento do pacote no referencial da Terra é o atrito que o carro aplica sobre ele (que possui sentido para a direita, contrário à tendência de deslizamento). Para que não houvesse movimento relativo entre o carro e o pacote, a força de atrito atuando nele teria de ser estática, com intensidade menor ou igual a
.
Além disso, ela atua como força resultante no bloco ao longo do eixo horizontal. Nesse caso, a aceleração do bloco seria igual à do carro; usando a 2a Lei de Newton, achamos o valor da força resultante que atuaria no bloco:
.
Ora, mas como , o atrito estático não é suficiente para "segurar" o bloco no mesmo local do teto, e portanto a a força de atrito atuando no pacote na presente situação é cinética, e o bloco adquire uma aceleração diferente daquela do carro, o que faz com que ele eventualmente fique "para trás" e caia. Então, achemos a aceleração do bloco no referencial da Terra, com a 2a Lei de Newton:
.
A do carro já fora calculada como sendo .
Para encontrarmos o tempo que leva para o pacote cair, usamos a função horária da posição no MRUV para o pacote e para a traseira do teto do carro, impondo a igualdade das duas no momento desejado.
,
.
Usando e ajustando os algarismos significativos:
.
.
Questão 2
O campo elétrico sobre o eixo (perpendicular e passando pelo centro) de um disco de raio uniformemente carregado com densidade de carga σ a uma distância do disco é:
Figura 1: Campo em um ponto alinhado ao centro de um disco
Sendo é a constante de Coulomb.
a) Usando a expressão do campo do disco dada acima, determine o campo elétrico de um plano de carga.
b) A figura ao lado mostra uma pequena esfera não condutora de carga e massa suspensa por um fio isolante de comprimento preso num ponto de um plano uniformemente carregado. A esfera está em equilíbrio e faz um ângulo com um plano. Qual é a densidade superficial de carga do plano em função de , e ?
Eletrostática
a) Para encontrarmos o capo em um plano (infinito) usando o de um disco, basta tendermos o raio do disco a infinito, e assim obtemos:
b) Nesse item, nos vemos diante de um problema de estática. O equilíbrio horizontal nos diz que:
Já o equilíbrio vertical nos fornece que:
E assim chegamos a:
E por fim:
a)
b)
Questão 3
Para aumentar a intensidade sonora, os fabricantes de pianos instalam duas ou mais cordas para uma mesma tecla do piano. Quando a tecla é acionada um pequeno martelo as toca produzindo exatamente a mesma frequência de vibração. Sendo assim, as cordas devem estar sujeitas à mesma tensão. Suponha que a nota de possua três cordas idênticas. Se a tensão de uma dessas cordas diminui em e de outra corda aumenta em , qual é a frequência de batimento quando a tecla correspondente é acionada? Desprezar a interação entre as cordas. Use a aproximação para .
Ondulatória - Ondas em cordas e Batimento
Existem duas possíveis interpretações para essa questão, uma que considera a interferência apenas das duas cordas defeituosas e outra que considera as três cordas. Comecemos pela primeira, que acreditamos ser a solução esperada pela OBF, por se restringir apenas ao batimento comum que geralmente é trabalhado a nível de ensino médio.
Primeira interpretação: Interferência entre dois sons
Sabemos que a velocidade de um pulso em uma corda se dá por:
Em que é a tensão da corda e sua densidade linear de massa, utilizamos a equação para obter a frequência:
Suponha agora que a tensão passe de à . Assumindo que o comprimento de onda permanece igual devido à corda não ser estendida, a nova frequência será então
Sendo , podemos empregar a aproximação para :
Para um aumento de na tensão, i.e., , temos que a frequência correspondente é:
Já quando há perda de tensão:
Logo, utilizando a fórmula da frequência de batimento, esta será dada por:
Abaixo trazemos o gráfico da função , que evidencia o fenômeno de batimento. Note a envoltória cossenóide que representa a variação da amplitude da função.
Figura 5: Batimento
Anexo: Demonstração da frequência de batimento
A seguir, incluímos uma pequena demonstração da expressão para a frequência de batimento, que pode não ser tão conhecida para alguns estudantes.
Conhecendo a identidade trigonométrica da soma de senos, dada por
,
podemos encontrar uma expressão simplificada para a onda resultante de e , as funções de ondas associadas às frequências e , respectivamente, as quais são dadas por:
Podemos interpretar essa função como uma onda senoidal , cuja amplitude varia com o tempo e é dada por . Assim, a frequência da envoltória é dada por . Porém, a audição humana não é sensível à variações de fase do som (isto é, ao sinal positivo ou negativo da função), apenas ao seu módulo. Desse modo, o período percebido corresponde ao tempo decorrido entre dois vales consecutivos, que é a metade do real, e a frequência percebida será o dobro da real. Logo:
Você pode conferir uma discussão mais detalhada acerca desse assunto na Aula 3.2 do curso NOIC de Física.
Segunda interpretação: Interferência entre três sons
Na segunda interpretação, consideramos a interferência do som que provém das três cordas. Então, devemos somar ainda a função de onda associada ao som da corda de , dada por:
Somando as contribuições de , e , obtemos:
Devemos encontrar os instantes em que a envoltória se anula para podemos encontrar a frequência de batimento. Com isso:
ou
ou
Logo, sendo e os instantes de primeira e segunda anulação:
Abaixo trazemos o gráfico da função :
Figura 6: Gráfico de deslocamento por tempo
O gráfico evidencia a existência de duas diferentes frequências de batimento. O primeiro instante em que a envoltória se anula corresponde a metade do período do batimento maior, enquanto a diferença entre o segundo instante de anulação e o instante corresponde ao período completo do batimento menor, segundo a definição de batimento vista no anexo acima. Logo:
Utilizando a relação , obtemos:
Ressaltamos, todavia, que a segunda interpretação provavelmente não era a resposta esperada pela OBF, já que o nível dessa abordagem foge totalmente do que fora visto na prova de 2014 e na olimpíada em geral, sendo mais adequado, por exemplo, para a SOIF ou olimpíadas internacionais.
Questão 4
Eduard Rüchardt propôs um método simples para se medir a razão de um gás ideal, onde é a capacidade calorífica a pressão constante e a capacidade calorífica a volume constante. A figura ao lado mostra esquematicamente o arranjo usado. O recipiente contém um gás, considerado ideal, inicialmente com volume , pressão e está em equilíbrio térmico. O êmbolo cilíndrico tem massa , área da base , altura e é livre para se mover ao longo do recipiente. Na posição de equilíbrio o peso do êmbolo equivale à força exercida pelo gás. O êmbolo é tirado da posição de equilíbrio por uma pequeno deslocamento alterando o estado do gás. O gás exercerá sobre o êmbolo uma força restauradora fazendo-o oscilar com uma frequência característica que depende de . Supondo que a transformação seja adiabática e desprezando-se o atrito entre o êmbolo e o recipiente:
Figura 4: Pistão e cilindro
a) Encontre a variação de pressão . Para isso use a aproximação , já que a variação relativa do volume é pequena;
b) Encontre a força restauradora atuando no êmbolo mantendo apenas termos de ordem linear em ;
c) Determine em função período de movimento do êmbolo e dos dados fornecidos no problema.
Termodinâmica e Oscilações
a) Em uma transformação adiabática, temos:
.
A variação de volume ocupado pelo gás é dada por , de modo que o volume do recipiente como uma função de é dado por:
Sem perdas de generalidade, tomemos . Sendo a pressão do gás após o deslocamento do êmbolo, podemos escrever que:
,
onde foi usado a aproximação binomial fornecida pelo enunciado. Portanto:
.
b) Por questões de simplicidade, consideremos . A força restauradora será dada por:
c) Usando o resultado anterior, a força resultante é dada por:
O equilíbrio na posição inicial nos diz que:
Logo:
Em um MHS qualquer, é válido que , onde é a frequência angular do movimento e é seu período. Logo, para esse MHS, obtemos que:
a)
b)
c)
Questão 5
A primeira medida da velocidade da luz a partir de dados não astronômicos foi realizada pelo físico francês Armand H. L. Fizeau em 1849. A figura mostra um diagrama simplificado do aparato montado por Fizeau. Uma fonte luminosa emite um raio de luz que passa por um divisor de feixe – espelho semitransparente. Parte da luz é perdida e a outra parte passa entre os dentes de um disco dentado sendo refletida num espelho plano posicionado a uma distância da engrenagem. O feixe refletido no espelho plano retorna pelo mesmo caminho e é observado em O. O disco, que tem dentes é, então, posto a girar e o observador vê a imagem intermitente. A medida que a velocidade angular aumenta as interrupções diminuem. Para uma certa velocidade angular a luz refletida é completamente obstruída, ou seja, nenhuma luz chega ao observador.
Figura 5: Experimento
a) Determine a expressão para a velocidade da luz em termos das varáveis fornecidas no texto.
b) No experimento realizado por Fizeau a engrenagem tinha dentes, a distância foi de e a velocidade angular em que o efeito foi observado era de rotações por segundo. Neste caso, determine a velocidade da luz encontrada por Fizeau.
Cinemática
a) Observação inicial: A notação da questão pode ser um tanto confusa para o aluno. A velocidade angular mencionada é, na verdade, usualmente chamada de frequência por estar em (rotações por segundo). Por motivos de consistência com o enunciado, chamaremos então de a frequência da roda, referida pela questão como "velocidade angular". Prossigamos com a solução.
O tempo que a luz leva para ir da roda ao anteparo e então retornar a roda é de:
No cenário em que nenhuma luz volta a passar pela roda no retorno, temos que este tempo é equivalente a metade do tempo que leva para um dente assumir o local do outro no espaço. Você pode imaginar que é como se a luz passasse bem entre os dentes e , enquanto a roda gira no sentido , e quando a luz retorna à roda, o dente está em seu caminho. Algebricamente, temos que o ângulo entre dois dentes consecutivos é , já que há dentes. Como a roda gira metade deste ângulo - () desde o momento em que a luz passa entre dois dentes e retorna ao mesmo ponto encontrando com um dente em seu caminho, o intervalo de tempo necessário para isso vale:
Igualando os tempos, obtemos a velocidade da luz:
b) Substituindo os valores:
a)
b)
Questão 6
Diferentemente de materiais não refletivos que espalham a luz em todas as direções, materiais refletivos como fitas e películas refletivas são construídas para retornar a luz diretamente de volta à sua fonte original. Esse tipo de material ajuda a aumentar a visibilidade em condições de pouca luminosidade. No início da produção deste tipo de material, microesferas de vidro eram aplicadas sobre um fundo prateado. Hoje em dia usa-se uma película refletiva prismática. A figura mostra um raio de luz se propagando no ar e incidindo sobre uma esfera semi-espelhada com índice de refração . Qual deve ser a razão entre a distância sendo diferente de e o raio da esfera para que esse raio de luz foque no ponto e retorne paralelamente ao raio incidente?
Figura 6: Sistema descrito
Óptica Geométrica
Questão 7
Um pêndulo simples de comprimento é posto a oscilar com uma abertura angular de . A massa pendular colide com uma parede onde perde de sua energia. Quantas colisões o pêndulo realiza com a parede? Dados e .
Mecânica - Energia
O ponto de colisão com a parede está a uma altura tal que:
Quando a energia do pêndulo for igual ou menor a potencial gravitacional associada a esta altura, não ocorrerão mais colisões. Essa energia mínima é dada ´por:
Já a energia inicial é dada por:
Sendo a energia do pêndulo após colisões, podemos dizer que
Note que essa expressão corresponde a uma progressão geométrica de razão . Assim, após colisões, o pêndulo terá energia dada por:
Estamos interessados em saber quando irá corresponder à energia mínima para colidir. Assim, igualando ambas as quantidades:
Tirando o logaritimo dos dois lados, obtemos:
Interpretando o resultado concluímos que após a oitava colisão ainda há energia suficiente para a massa chegar à altura e voltar a colidir, porém após a nona colisão, não. Ou seja, o número de colisões é:
Questão 8
O principal elemento presente no Sol é o hidrogênio. É sabido que quando a temperatura de um gás de hidrogênio atinge iniciam-se reações nucleares que convertem hidrogênio em hélio ( 4H→He ) produzindo energia. Estima-se que apenas da massa do sol estejam na parte central do Sol onde a temperatura seja suficientemente alta para desencadear a reação acima. Podemos aproximar o Sol por uma esfera de composta de hidrogênio. A Terra está a uma distância de do Sol e a cada segundo sua atmosfera recebe de energia da radiação solar. Com base nesses dados estime o tempo de vida do Sol em segundos. Dados: massa atômica do ; massa atômica do ; (unidade de massa atômica)
Estimativa
Podemos ver que, cada vez que ocorre a transformação, massa é perdida, sendo esta:
Podemos estabelecer que quando esta massa perdida for equivalente a do núcleo do Sol, onde as reações ocorrem, o mesmo morrerá. Assim, sendo o número de reações até o fim da vida do Sol, temos:
A taxa de liberação de energia solar pode ser obtida multiplicando a intensidade de radiação solar pela área da esfera de raio .
Para saber a energia liberada por cada reação usamos:
Igualando a radiação solar com a energia liberada pela reação nuclear, obtemos:
Logo:
Note que os átomos estão se movendo muito rapidamente, mas não de modo relativístico.