Escrito por Rafael Prado Basto
Revisado por Ualype de Andrade e Matheus Felipe R. Borges
Questão 1
Um globo terrestre é feito de material altamente elástico e está sendo inflado lentamente com uma taxa de variação de volume contínua. Quando o globo tem um volume de , e já se encontra na forma esférica, observa-se que uma pequena formiga passa sobre seu equador em direção ao polo norte com velocidade constante , medida em relação à superfície do globo onde se movimenta. Não se sabe a razão pela qual a formiga tem esse comportamento, talvez seja devido à gota de mel que foi colocada no polo norte. Após , o globo terrestre atinge seu volume final de . Neste instante, supondo que a formiga não alterou seu movimento em direção ao polo norte, nem pretende alterá-lo, que distância ela precisa percorrer até chegar ao seu destino?
Cinemática
Essa questão deve ser analisada com muito cuidado, pois há algumas informações que podem levar a uma solução incorreta ou até mesmo mais complicada. Primeiramente, há uma esfera inflando com uma taxa de variação contínua. A palavra contínua, na matemática, é usada para representar uma função que possui uma derivada definida em todos os pontos do seu domínio. Em outras palavras, a função não é "quebrada". Esta palavra pode ser associada com constante, mas isso não é o caso! O volume pode variar de qualquer maneira: linear, quadrática, exponencial… No fim, o que de fato importará são os valores iniciais e finais de volume, fornecidos no enunciados.
Para resolver este problema, vamos transformar uma questão de movimento circular em movimento retilínio. Como a formiga tem como objetivo percorrer apenas meio hemisfério, a distância total é (considerando ):
Onde r é o raio da esfera em cada instante considerado. Agora, consideremos um trajeto retilíneo de distância . Este trajeto inicialmente possui distância , onde é o raio equivalente à esfera de volume . No final ,, onde é o raio equivalente à esfera de volume . Podemos visualizar as duas pistas, uma em cima da outra, de acordo com a figura abaixo:
Onde o é o ponto de partida (equador), é o ponto final (polo norte) no instante , e no instante , é o equador, e é o polo norte. Um fato muito importante de se notar é que, como a formiga possui velocidade constante, e o globo não possui velocidade tangencial (apenas radial, devido à sua expansão), ela irá percorrer, no referencial da superfície, uma distância , independente da taxa de variação do raio. Portanto, podemos pensar que a distância que falta para a formiga chegar no seu destino é:
Visualizando a esfera como uma pista retilínea, vemos que o que falta é apenas a distância de até menos a distância percorrida pela formiga. Agora só falta calcular os raios inicial e final! O primeiro é, utilizando :
Portanto:
Substituindo na equação para :
Onde colocamos o pois a resposta final deve ter apenas 1 algarismo significativo.
Questão 2
Um termômetro não ideal de capacidade calorífica , inicialmente à temperatura ambiente , é usado para medir a temperatura de uma massa de água. Após atingido o equilíbrio térmico com a água, o termômetro registra um valor de . Qual era a temperatura da água antes de ser posta em contato com o termômetro?
Calorimetria
Primeiramente, devemos entender por que o termômetro registra uma temperatura da água diferente da temperatura antes da medição. Como o termômetro não é ideal, ou seja, possui uma capacidade calorífica maior que zero, ao entrar em contato com a água, ele absorve calor, diminuindo a temperatura da água. Dessa forma, ao entrar em equilíbrio térmico, o Sistema termômetro-água estará com uma temperatura menor que a original. Para encontrar a termperatura inicial da água, podemos usar conservação de energia, ou seja, o calor recebido pelo termômetro é igual ao perdido pela água :
Onde é a temperatura final, a temperatura inicial da água, e seu calor específico. Resolvendo para :
Substituindo os valores dados no enunciado e na capa da prova:
Ainda devemos converter para Kelvin, para escrever o resultado em unidades do SI. Utilizando :
Onde escrevemos o pois a resposta final deve ter 2 algarismos significativos.
Questão 3
A 2ª lei de Kepler, muitas vezes conhecida como lei das áreas, estabelece que a linha imaginária que une um planeta ao Sol varre áreas iguais em tempos iguais. Como as trajetórias dos planetas são elípticas, o uso dessa lei para prever a localização de planetas é, em geral, matematicamente inacessível para estudantes do Nível Fundamental, pois nesse nível ainda não se domina o cálculo de áreas de setores elípticos. No entanto, podemos entender como se aplica a 2ª Lei de Kepler aproximando a trajetória elíptica por uma curva formada por duas circunferências de raio cujos centros estão afastados por uma distância dada conforme a figura abaixo. Nessa aproximação, os centros das circunferências são equivalentes aos focos da elipse. Considere um planeta que percorre uma trajetória na qual , no sentido antihorário, com um período . Se em dado instante o planeta está localizado no afélio, que é dado na figura pelo ponto , determine o intervalo de tempo que ele leva para chegar ao ponto .
Geometria e 2ª Lei de Kepler
Essa questão usa como ideia principal a segunda lei de Kepler. Como fora fornecido no enunciado:
"A 2ª lei de Kepler, muitas vezes conhecida como lei das áreas, estabelece que a linha imaginária que une um planeta ao Sol varre áreas iguais em tempos iguais. [...]"
Essa lei pode ser expressa utilizando uma grandeza chamada "velocidade areolar", , que corresponde à área "varrida" pelo vetor posição (linha imaginária que une um planeta ao Sol) por unidade de tempo. Veja que a 2ª lei de Kepler nos diz então que é constante. Dessa forma, podemos escrever:
Primeiramente, foi dado que o ponto é o afélio da órbita. Logo, o Sol está localizado no centro do círculo da esquerda, pois os centros dos círculos à esquerda e à direita ( e , respectivamente) são equivalentes aos "focos da elipse".
Como a área total percorrida em uma órbita completa de período é a área da figura (área de dois semicírculos de raio somado com a área de um quadrado de lado ), obtemos a velocidade areolar:
,
.
Entre os pontos e , a área percorrida pelo vetor posição é a de um setor (um quarto de um círculo), mais um triângulo retângulo de base e altura . Veja:
Assim, a área percorrida é:
.
Dessa forma, como a velocidade areolar é constante, o tempo de percurso é dado por:
Perceba, inclusive, que não era sequer necessário substituir o valor de .
Questão 4
Aerofotografias ou fotografias aéreas têm uma importância crescente em diversas áreas, como por exemplo, cartografia, agricultura, monitoramento ambiental e planejamento urbano. Um dos usos das fotografias aéreas é a produção de ortofotomapas que são formados a partir de várias fotografias tiradas com câmara voltada verticalmente para baixo. Para que a composição das diversas fotos em um único mapa seja feita computacionalmente, é preciso obtê-las sequencialmente com sobreposições entre imagens consecutivas. A figura abaixo ilustra o processo no qual é indicada a posição do avião em três instantes consecutivos em que fotos são tiradas. Para simplificar, vamos imaginar que o solo é plano, a altura do voo é constante e é utilizada uma câmara com ângulo de visão fixo. Nessa figura a região indica a sobreposição frontal, ou seja, tomada na direção do movimento, de uma imagem com sua antecessora. Suponha um operador que deve tirar aerofotografias com uma sobreposição frontal fixa de voando a . Ele ajusta sua câmara para tirar automaticamente 5 fotos por minuto e escolhe lentes com ângulo de visão . Determine a velocidade de voo do avião, em relação ao solo, durante a aquisição das imagens.
Cinemática
Para encontrar a velocidade do avião, devemos usar os dados fornecidos pela questão para saber a distância que ele percorre por segundo. Primeiramente, sabemos que ele tira 5 fotos por minuto com uma sobreposição de , ou seja, a extremidade de uma foto fica na mesma posição que o meio da outra. Antes de prosseguir, convém informar que a frase"Ele ajusta sua câmara para tirar automaticamente 5 fotos por minuto[...]" pode gerar duas interpretações distintas sobre como as fotos são tiradas. Todavia, uma delas está errada. Iremos primeiramente discutir sobre a solução errada, e depois apresentaremos a correta.
1ª interpretação - o avião tira uma foto a cada 15 segundos (ERRADA)
Chamando a distância entre o meio da foto e sua extremidade de , temos, nessa interpretação, que o avião percorre passados 60 segundos (ver figura abaixo). Em outras palavras, o intervalo de tempo entre duas fotos consecutivas vale .
Para achar , podemos usar a tangente de , metade do ângulo de visão do avião:
Como ele percorre em 60 segundos (ou em 15 segundos):
O erro desse raciocínio consiste em dizer que o intervalo de tempo entre fotos consecutivas é de . Segundo isso, o avião percorre após tirar as 5 fotos. Continuando o processo até que o avião tenha percorrido mais (passou-se mais um minuto), você provavelmente deve pensar que 10 fotos serão tiradas, porém, foram apenas 9 (olhe a figura abaixo).
Obviamente isso consiste de um absurdo, pois a condição de 5 fotos por minuto estabelece uma proporção: 10 fotos a cada 2 minutos, 15 fotos a cada 3 minutos e por aí vai. Claramente nessa interpretação, essa proporção não é obedecida: você teria as 5 primeiras fotos e somaria com as próximas 5, pois cada grupo de 5 fotos foi tirado em cada minuto. Entretanto, observe a figura abaixo: a foto de número 5 pertence aos dois grupos. Efetivamente, ela teria que ser contada duas vezes para fazer esse raciocínio válido, o que não é o caso.
Para se convencer ainda mais, pense no caso limite de 1 foto por minuto: o avião precisaria tirar uma foto na posição 1, por exemplo, e tirar outra foto somente na posição 2 após 2 minutos segundo esse raciocínio, o que não faz sentido.
2ª interpretação - o avião tira uma foto a cada 12 segundos (CORRETA)
No caso anterior estávamos considerando haver um intervalo de segundos entre cada foto, o que geraria uma taxa de 5 fotos por minuto, mas com a peculiaridade de uma foto pertencer simultaneamente a dois grupos consecutivos de 5 fotos. Porém, observe que o intervalo de tempo entre 2 fotos consecutivas é de segundos. Perceba que, nesse caso, a proporcionalidade é realmente obedecida, e ao final de 120 segundos haverá 10 fotos, em 180 segundos 15 fotos, e por aí vai, e não temos então o problema de somar a mesma foto duas vezes como na 1ª interpretação. Na figura abaixo, note que o avião tira uma foto no primeiro ponto (aquele sem o avião, na figura), porém essa foto "pertence" ao minuto anterior, que contém outro grupo de 5 fotos.
Como ele percorre em 12 segundos:
Onde usamos da capa da prova. Como a resposta deve ser em 1 algarismo significativo:
Questão 5
Uma estudante de física está planejando o posicionamento de painéis solares instalados no quintal de sua casa e está considerando a questão da sombra projetada por uma edificação vizinha, de altura , situada a oeste. O terreno de seu quintal é plano e horizontal, está localizado próximo à linha do equador e todo o estudo é feito em um dia próximo do equinócio, no qual o Sol está no zênite (ponto na esfera celeste interceptado pelo eixo vertical imaginário que passa pela cabeça do observador em pé na Terra) quando o relógio marca . Neste dia, a sombra projetada pela edificação atinge os painéis solares quando são . Para dar lugar a uma horta, a estudante precisa reinstalar os painéis deslocando-os para oeste, mas não quer que fiquem sombreados antes das . Determine a máxima distância que os painéis podem ser movidos.
Trigonometria e noções de Astronomia
Primeiramente, devemos entender a configuração do sistema. Podemos imaginar um edifício de metros, e os raios solares incidindo em direção ao leste (pois o sol está se pondo no oeste) nos horários de e . Como o evento ocorre no próximo do equador, e ocorre próximo do equinócio, o sol se põe as , passando exatamente horas acima do horizonte. Dessa forma, o sol percorre por hora. Dessa forma, as , ele terá percorrido em relação ao zênite, e as terá percorrido em relação ao zênite.
As 16h00 os painéis solares entram na sombra do edifício, como na figura abaixo:
Como o edifício possui metros de altura, os painéis estão a uma distância de:
Já as , o ângulo na figura será de . Como a estudante quer que os painéis não sejam sombreados antes desse horário, a distância máxima que eles podem estar do edifício é de:
A máxima distância que ela pode mover os painéis é de:
Questão 6
Gotas de água caem do alto do poço de um elevador de de altura a uma taxa uniforme de uma gota a cada um segundo. Um elevador que sobe com velocidade constante de é atingido por uma gota quando está a de altura. (a) Após quanto tempo e (b) a que altura o elevador é atingido pela próxima gota?
Cinemática: movimento retilíneo e uniforme e queda livre
Para saber quanto tempo e em que altura o elevador é atingido pela próxima gota, precisamos inicialmente entender o que está acontecendo. Em um dado instante, uma gota cai do alto do poço, e atinge o elevador em uma altura de metros. Assim, a gota percorreu metros até atingir o elevador, e o tempo até este evento é de:
Como o tempo total é de segundos, outras gotas cairam antes da primeira atingir o elevador. A segunda gota, liberada segundo após a primeira, caiu por segundos até a primeira atingir o elevador, percorrendo uma distância de:
(a) Para encontrar o instante onde essa segunda gota atingiu o elevador, podemos escrever as equações de movimento de ambos objetos. O elevador, por possuir velocidade constante, tem equação de movimento da seguinte forma:
Já a gota está em queda livre, de forma que:
No instante de colisão, o elevador e gota terão a mesma posição, então devemos igualar as duas equações de movimento:
Esta equação possui duas soluções, e a unica com sentido físico é o tempo positivo, ou seja (utilizando a formula de Bháskara):
Onde escrevemos o como resposta final pois o resultado deve ter 1 algarismo significativo.
(b) Para encontrar a posição onde a colisão ocorre, Podemos apenas substituir na equação de movimento para o elevador:
Onde escrevemos na resposta final pois a casa decimal é uma medida imprecisa nessa operação.
(a)
(b)
Questão 7
A potência irradiada ou absorvida por uma superfície de área que está à temperatura absoluta é dada pela lei de Stefan-Boltzmann:
onde é a constante universal de Stefan-Boltzmann e , a emissividade característica da superfície, que é um valor entre e . Uma superfície com é chamada perfeitamente emissora ou absorvedora e uma superfície com é chamada perfeitamente refletora. Sabendo que o Sol emite radiação com potência e seu raio médio é , estime sua temperatura superficial admitindo que o mesmo é um corpo perfeitamente emissor.
Noções básicas
Para encontrar a temperatura superficial do Sol, podemos apenas substituir os dados fornecidos no enunciado na lei de Stefan-Boltzmann. Resolvendo a equação para a temperatura, e já usando :
Como o Sol pode ser considerado uma esfera de raio , sua área superficial . Logo:
Onde usamos como solicitado na capa da prova. Substituindo os dados do enunciado:
Onde escrevemos como resposta final pois a resposta deve ter apenas um algarismo significativo.
Questão 8
Em uma bancada horizontal lisa está embutida uma plataforma plana circular horizontal de raio , que gira uniformemente com frequência em torno de um eixo vertical fixo. A plataforma girante está dividida em duas regiões, uma maior lisa e outra menor áspera, de forma que um pequeno disco de massa pode deslizar livremente por toda a bancada com exceção da parte áspera onde desliza com atrito. A figura abaixo apresenta um diagrama desse arranjo experimental, no sistema de referência adotado, o centro da plataforma girante localiza-se no ponto P, de coordenadas e , e o disco localiza-se na origem. Há ainda um dispositivo lançador (não representado na figura) que, quando disparado, exerce uma força constante sobre o disco de intensidade , que atua desde até . Considerando que no instante a plataforma girante está na orientação ilustrada na figura, determine (a) a velocidade do disco quando chega à plataforma (b) um instante de lançamento para que o disco que atinja o ponto .
Trabalho e cinemática
(a) Para encontrar a velocidade que o disco chega na plataforma, podemos usar o teorema da energia cinética; isto é, o trabalho que a Força realiza é igual a variação de energia cinética do disco:
Resolvendo para e substituindo os dados do enunciado:
O aluno poderia, alternativamente, ter usado a equação de Torricelli e a segunda lei de Newton.
(b) Como podemos escolher um instante qualquer de lançamento, é instintivo escolher o instante de mais fácil análise, ou seja, aquele no qual o disco não irá entrar em contato com a parte áspera. O tempo total que o disco leva para atravessar a plataforma é de:
O tempo que o disco leva para dar uma volta complete, ou seja, seu período é de:
O caso em que o disco não encosta na parta áspera é quando, no instante em que o disco chega na plataforma, a linha que divide a parte áspera e lisa está na vertical, e o disco primeiro entra em contato com a parte lisa. Para melhor visualizar essa configuração, rotacione a orientação da plataforma na figura de no sentido horário. Este instante é o buscado pois a plataforma dá um quarto de volta em segundos, e o disco percorre neste mesmo tempo, então quando o disco chega no ponto , a linha divisória está na horizontal. Como a plataforma gira no sentido anti-horário, a parte áspera sempre estaria à esquerda do disco e nunca encostaria nele!
O tempo que o disco leva para chegar na plataforma é, utilizando o teorema do impulso:
Onde é a quantidade de movimento do disco. Substituindo os dados do enunciado:
Portanto, até o disco chegar na plataforma, ela percorre meia volta. Dessa forma, deve-se esperar a plataforma dar um quarto de volta para lançar, pois no instante em que o disco chegar na plataforma, ela estará na configuração desejada. O tempo de um quarto de volta é:
Que é o instante pedido na questão.
(a)
(b)