Escrita por Paulo Henrique
Introdução
Diferentemente do que vimos até agora, ondas sonoras são ondas longitudinais. Ou seja, a oscilação se dá na mesma direção da propagação da onda. Por esse motivo esse tipo de onda é, naturalmente, mais difícil de visualizar. Exemplos de ondas longitudinais são: ondas sonoras, ondas de compressão numa mola, entre outros. Quantitativamente não há muita diferença entre ondas transversais numa corda e ondas sonoras: elas obedecem a mesma equação de onda (claro, as velocidades dependem de coisas distintas). A obtenção da forma exata da equação de onda será mostrada num apêndice no final da aula: sua dedução necessita de conceitos mais avançados.
Características gerais de uma onda sonora
As ondas sonoras são ondas longitudinais, sua propagação espaço se dá através de compressão e descompressão das moléculas de ar. Dada uma perturbação, são criadas ondas de deslocamento que alteram o volume de uma determinada parcela de gás, mas nós sabemos que se é gerada uma compressão do gás há um aumento de pressão e vice-versa, portanto essa onda de deslocamento gera consigo uma onda de pressão. Podemos também considerar ondas de temperatura e densidade, porém essas serão menos usadas.
Note que estamos falando de gases, porém ondas sonoras podem se propagar em qualquer meio mecânico, seja ele gasoso, líquido ou sólido. A abordagem é feita focando nos gases, em particular, o ar, por que é a maneira mais usual de se propagar som, mas poderia ser estendida para esses outros meios.
Velocidade de propagação
Geralmente, assumimos que os meio de propagação possuem uma resposta linear à pressões aplicadas, isto é , onde é o coeficiente de Bulk, ou de compressibilidade de um meio e tem um valor constante para diversos meios.
Nós podemos assumir que a propagação de ondas sonoras em um gás é adiabática, já que se tratam de frequências relativamente altas, o que impede que hajam trocas de calor. Portanto, de acordo com a demonstração do apêndice, temos:
Onde é massa molar do gás em questão, sua temperatura e o coeficiente de Poisson . Para uma onda se propagando no ar (uma mistura de 70% de e 30% de ) e no nível do mar temos .
Tubos sonoros
A análise dos tubos sonoros é muito semelhante àquela de ondas estacionárias em uma corda fixada entre duas paredes: as condições de contorno (nodo de deslocamento na parede no caso da corda por exemplo) determinam a forma da onda.
No caso das ondas sonoras se propagando num tubo (como um órgão, clarinete, etc.), as extremidades podem ser abertas ou fechadas, analogamente a extremidade livres e paredes no caso da corda, respectivamente. A condição de contorno na extremidade fechada é de zero deslocamento. Caso houvesse algum deslocamento, seria gerado um vácuo na extremidade, dessa forma, a pressão do outro lado imediatamente empurraria as moléculas de volta a parede. Essa situação é análoga a propagação da corrente elétrica em um circuito: os elétrons funcionam como as moléculas de ar e o campo elétrico atua, como a diferença de pressão no caso do tubo, para uniformizar a corrente no circuito.
E na extremidade aberta? Esse caso não é tão óbvio quanto ao caso análogo da corda. O que acontece é que as amplitudes das ondas de deslocamento são pequenas e, por isso, não geram alterações significativas na pressão do lado de fora do tubo. Portanto, na extremidade aberta, a pressão do gás deve ser aproximadamente igual a pressão de equilíbrio , fazendo com que a onda de pressão gerada seja nula nesse ponto. Mas nós sabemos que as ondas de pressão e deslocamento são defasadas de (demonstração no apêndice), o que faz com que a onda de pressão se anulando naquele ponto corresponda a um extremo da onda de deslocamento.
Como no caso das cordas, a formação de ondas estacionárias é totalmente análoga: uma fonte de ondas progressivas faz gerar ondas refletidas que se somam com as primeiras para formar ondas estacionarias.
A onda de pressão para um tubo aberto em , por exemplo, é do tipo:
Caso a outra extremidade em estivesse aberta também, isso forçaria a tomar certos valores:
Com inteiro. Como , temos valores de dados por:
Se a onda vibra de fato com essa frequência, dizemos que ela está em um modo normal de vibração, caracterizado por sua frequência . Pode-se mostrar que qualquer propagação de ondas nessa configuração de extremidades é uma superposição dos modos normais, fazendo com que seja possível vibrar com uma frequência bem definida (existência de apena um modo) ou com uma frequência que não é bem definida (vários modos superpostos). A figura abaixo mostra os modos normais mais simples para diferentes configurações de extremidades:
Observe que as "linhas" não são as ondas sonoras de fato. Elas descrevem como variam as funções das ondas de deslocamento e pressão ao longo do tubo. A ondulação em si (compressão das moléculas de ar) é longitudinal e é mais complicada de ser representada, veja a seguir:
Observe (em vermelho) as moléculas de ar, veja que estão mais comprimidas onda a onda de pressão (em azul) atinge seus valores máximos e menos comprimidas onda a onda de pressão atinge seus valores mínimos.
Efeito doppler
O efeito, muito conhecido, se dá quando a fonte de ondas sonoras se movimenta em relação ao observador (e vice-versa). Como é de se esperar, quando uma fonte se movimenta na direção do observador mais frentes de onda o atingem por unidade de tempo. A conclusão do observador é que a frequência da fonte é elevada. Essa efeito devido a mudança aparente na frequência (aparente pois não é a frequência de fato emitida pela fonte, mas sim a percebida pelo observador) ocasionada pelo movimento relativo entre fonte e observador é chamado de efeito Doppler.
Nosso objetivo é demonstrar a relação entre a frequência aparente percebida pelo observador (frequência doppler ) e a frequência natural da fonte . Note que a velocidade do som é bem definida em relação à atmosfera em repouso: ela não é afetada pelo movimento fonte. Portanto, quando uma fonte emite um pulso sonoro, as frentes de ondas se propagam esfericamente, independente do movimento da fonte. O que acontece é que, quando a fonte se move, essas esferas se deslocam, e as superfícies das ondas de duas esferas emitidas podem se aproximar, aumentando a frequência observada naquele ponto. Veja a figura abaixo:
Os pontos azuis representam as posições sucessivas da fonte. Observe que cada circunferência tem a posição da fonte como centro. No lado direito da figura, a frequência é elevada. No lado esquerdo, a frequência é reduzida. Agora, seremos quantitativos quanto a esse efeito.
Fonte em movimento, observador parado
Como caso inicial, considere que o observador esteja parado e a fonte se move diretamente em sua direção com velocidade . A velocidade do som é . Suponha que a onda emita um pulso no tempo e que a distância da fonte ao observador seja . Depois de um tempo a fonte emite outro pulso e a distância foi reduzida para . Calculemos o tempo que esses dois pulsos chegam no observador. O primeiro é fácil:
O tempo do segundo (medido a partir de ) é o tempo que ele foi emitido mais o tempo de propagação, logo:
Como é o intervalo de tempo entre duas emissões, o mesmo é simplesmente o período da fonte . O intervalo de tempo entre a chegada das duas ondas no observador é:
Portanto:
Observe que o resultado é independente da distância fonte-observador. Como era esperado: se a distância fosse aumentada, o acrésimo de tempo devido a esse percurso é somado ao tempo das duas ondas sucessivas. De forma que a diferença é inalterada. Evidentemente, se a fonte está, na realidade, se afastando do observador, basta trocarmos o sinal de na equação acima. Se a fonte está num ângulo intermediário:
Basta multiplicarmos sua velocidade por .
Fonte parada, observador em movimento
Você poderia pensar que a resposta seria exatamente a mesma que no caso passado, trocando a velocidade da fonte pela velocidade do observador. Mas isso está errado. As duas situações não são simétricas: no primeiro caso só as frentes de onda se movem, já no segundo, as frentes de ondas continuam se propagando e o observador também. Calculemos a frequência doppler da mesma forma que foi feito no exemplo passado. Considere que o observador se mova diretamente na direção da fonte, e queremos calcular o intervalo de tempo entre dois pulsos consecutivos. Suponha que um pulso é emitido em e outro em . O tempo que o primeiro pulso atinge o observador é a distância inicial () dividido pela velocidade relativa:
O tempo do segundo pulso é obtido igualando suas funções horárias:
O que gera:
Agora, calculemos a diferença e invertamos para obter a frequência doppler. O resultado é:
Novamente, se o observador tiver à um ângulo intermediário, basta multiplicar sua velocidade pelo cosseno desse ângulo.
Fonte e observador se movem
Observe a figura abaixo, representando a situação:
Seguindo a estratégia dois exemplos passados, pode-se mostrar que:
Um caso particular é quando e . Nesse caso, . O que acontece é que o observador está se afastando da fonte com velocidade do som. Dessa forma, nenhuma onda sonora alcança o observador, o que concorda com o resultado da fórmula.
É importante notar que esses ângulos devem ser medidos com relação a posição da fonte quando emite a onda e a posição do receptor quando recebe a onda.
Cone de Mach
O que acontece quando a fonte se move mais rápido que o som? Podemos fazer uma construção parecida com aquela que fizemos no efeito Doppler. Nesse caso, a fonte não fica mias dentro das frentes de onda emitidas: ela avança mais rapidamente. O resultado disso é que as frentes de ondas geradas pela fonte ficam contidas num cone atrás da fonte. O cone é chamado de cone de Mach.
Na figura, chamado de número de Mach, é definido como a razão entre a velocidade da fonte e a do som.
O ângulo de abertura desse cone é facilmente calculado e será deixado como exercício, a resposta é:
Onde é a velocidade de propagação do som.
Intensidade e energia
Nessa secção usaremos resultados do apêndice, portanto, pode-se pular a dedução em uma primeira leitura.
Considere uma secção transversal da camada de moléculas. Qual a potência transferida para essa secção pela pressão do ar à sua esquerda? A potência é a força multiplicado pela velocidade, logo (conforme a notação do apêndice):
Onde é o valor da pressão de equilíbrio, igual para todos os valores de . O termo contendo zera na média, então, como vamos querer o valor médio da potência, vamos desconsiderar esse termo logo. Considere que a função que descreve a onda de deslocamento seja:
Onde é o número de onda e é a frequência angular. Os resultados abaixo são válidos para qualquer tipo da função de deslocamento, desde que essa satisfaça a equação de onda, ou seja, seja da forma . A função acima (senoidal) facilita as contas. Sabemos que:
Efetuando as operações de derivadas, chegamos em
No lado esquerda da equação temos potência por área em função de e . O valor médio disso é chamado de intensidade. Portanto, como o valor médio de é meio e :
Onde substituímos o valor da velocidade de propagação: .
Apêndice: obtenção da equação de onda
Conforme dito antes, a dedução da equação de onda não é tão simples. Para facilitar consideremos o problema essencialmente unidimensional. Considere um camada de ar cilíndrica de secção transversal , que sofre um pequeno deslocamento, conforme a figura abaixo:
Onde representa o deslocamento relativo a posição de equilíbrio . A variação de pressão (em relação ao seu valor de equilíbrio) em função será denominada . Observe que o volume dessa camada de ar variou por . Agora devemos relacionar essa variação de volume com a diferença de pressão aplicada nas bordas da camada de ar. Lembre-se que estamos tratando com deslocamentos muito pequenos (infinitesimais), portanto, um eventual termo quadrático em deve ser ignorado. Efetue o seguinte experimento mental: considere que duas camadas dessas da imagem acima sejam colocadas uma ao lado da outra. Aplique a mesma diferença de pressão na segunda camada repetida. A variação de volume total deverá ser o dobro que a variação de uma única camada (para pequenos ). Portanto, vemos que essa variação deve ser proporcional ao volume de equilíbrio. Também é esperado que seja proporcional a diferença de pressão, claro, uma maior pressão comprime mais o volume. Agora, um passo importante: para sermos mais quantitativos na análise devemos saber com qual tipo de gás estamos lidando. O resultado não é válido para qualquer tipo, como você deve esperar. Consideremos um gás ideal. Não só o tipo de gás deve ser especificado, mas também a forma como ele se transforma a medida que sofre essas compressões. Normalmente, o tempo característico das oscilações das moléculas de ar é bem menor que o tempo característico da propagação de calor. Então, se alguém acompanhar o movimento oscilatório dessas moléculas por alguns períodos, em média, não houve calor transferido. Logo, a transformação é dita adiabática. A equação que rege essa transformação para um gás ideal é bastante conhecida:
Diferenciando a equação acima, obtém-se:
Conforme esperado, a variação de volume é proporcional ao volume e à diferença de pressão. Como as variações de volume e pressão são tidas como infinitesimais, os valor de e em podem ser os da situação de equilíbrio. Na nossa análise acima, identificamos com nosso , assim como com . Portanto:
Na equação acima foi tomado o limite de variações infinitesimais para trocar os por derivadas parciais. Da equação acima obtêm-se:
Logo
Agora, apliquemos a segunda lei de Newton para a camada de ar
Escrevendo , chegamos na equação de onda
Sendo assim, a velocidade de propagação da onda é identificada: