Aula 3.4 - Acústica

Escrita por Paulo Henrique - Revisado por João Victor Evers

Introdução

Diferentemente do que vimos até agora, ondas sonoras são ondas longitudinais. Ou seja, a oscilação se dá na mesma direção da propagação da onda. Por esse motivo esse tipo de onda é, naturalmente, mais difícil de visualizar. Exemplos de ondas longitudinais são: ondas sonoras, ondas de compressão numa mola, entre outros. Quantitativamente não há muita diferença entre ondas transversais numa corda e ondas sonoras: elas obedecem a mesma equação de onda (claro, as velocidades dependem de coisas distintas). A obtenção da forma exata da equação de onda será mostrada num apêndice no final da aula: sua dedução necessita de conceitos mais avançados.

Características gerais de uma onda sonora

As ondas sonoras são ondas longitudinais, sua propagação espaço se dá através de compressão e descompressão das moléculas de ar. Dada uma perturbação, são criadas ondas de deslocamento que alteram o volume de uma determinada parcela de gás, mas nós sabemos que se é gerada uma compressão do gás há um aumento de pressão e vice-versa, portanto essa onda de deslocamento gera consigo uma onda de pressão. Podemos também considerar ondas de temperatura e densidade, porém essas serão menos usadas.

Note que estamos falando de gases, porém ondas sonoras podem se propagar em qualquer meio mecânico, seja ele gasoso, líquido ou sólido. A abordagem é feita focando nos gases, em particular, o ar, por que é a maneira mais usual de se propagar som, mas poderia ser estendida para esses outros meios.

Velocidade de propagação

Geralmente, assumimos que os meio de propagação possuem uma resposta linear à pressões aplicadas, isto é \beta=-\frac{\Delta P}{\Delta V/V}, onde \beta é o coeficiente de Bulk, ou de compressibilidade de um meio e tem um valor constante para diversos meios.

Nós podemos assumir que a propagação de ondas sonoras em um gás é adiabática, já que se tratam de frequências relativamente altas, o que impede que hajam trocas de calor. Portanto, de acordo com a demonstração do apêndice, temos:

V=\sqrt{\dfrac{{\gamma}P}{\rho}}=\sqrt{\dfrac{{\gamma}RT}{M}}

Onde M é massa molar do gás em questão, T sua temperatura e \gamma o coeficiente de Poisson \dfrac{C_{P}}{C_{V}}. Para uma onda se propagando no ar (uma mistura de 70% de N_2 e 30% de O_2) e no nível do mar temos V\approx 330m/s.

Tubos sonoros

A análise dos tubos sonoros é muito semelhante àquela de ondas estacionárias em uma corda fixada entre duas paredes: as condições de contorno (nodo de deslocamento na parede no caso da corda por exemplo) determinam a forma da onda.

No caso das ondas sonoras se propagando num tubo (como um órgão, clarinete, etc.), as extremidades podem ser abertas ou fechadas, analogamente a extremidade livres e paredes no caso da corda, respectivamente. A condição de contorno na extremidade fechada é de zero deslocamento. Caso houvesse algum deslocamento, seria gerado um vácuo na extremidade, dessa forma, a pressão do outro lado imediatamente empurraria as moléculas de volta a parede. Essa situação é análoga a propagação da corrente elétrica em um circuito: os elétrons funcionam como as moléculas de ar e o campo elétrico atua, como a diferença de pressão no caso do tubo, para uniformizar a corrente no circuito.

E na extremidade aberta? Esse caso não é tão óbvio quanto ao caso análogo da corda. O que acontece é que as amplitudes das ondas de deslocamento são pequenas e, por isso, não geram alterações significativas na pressão do lado de fora do tubo. Portanto, na extremidade aberta, a pressão do gás deve ser aproximadamente igual a pressão de equilíbrio p_0, fazendo com que a onda de pressão gerada seja nula nesse ponto. Mas nós sabemos que as ondas de pressão e deslocamento são defasadas de \pi/2 (demonstração no apêndice), o que faz com que a onda de pressão se anulando naquele ponto corresponda a um extremo da onda de deslocamento.

Como no caso das cordas, a formação de ondas estacionárias é totalmente análoga: uma fonte de ondas progressivas faz gerar ondas refletidas que se somam com as primeiras para formar ondas estacionarias.

A onda de pressão para um tubo aberto em x=0, por exemplo, é do tipo:

\psi_p=A\sin{kx}\cos{{\omega}t}

Caso a outra extremidade em x=L estivesse aberta também, isso forçaria k a tomar certos valores:

\sin{kL}=0

k=\dfrac{m\pi}{L}

Com m inteiro. Como k=2{\pi}f/V, temos valores de f dados por:

f_m=\dfrac{mV}{2L}

Se a onda vibra de fato com essa frequência, dizemos que ela está em um modo normal de vibração, caracterizado por sua frequência f_m. Pode-se mostrar que qualquer propagação de ondas nessa configuração de extremidades é uma superposição dos modos normais, fazendo com que seja possível vibrar com uma frequência bem definida (existência de apena um modo) ou com uma frequência que não é bem definida (vários modos superpostos). A figura abaixo mostra os modos normais mais simples para diferentes configurações de extremidades:

Observe que as "linhas" não são as ondas sonoras de fato. Elas descrevem como variam as funções das ondas de deslocamento e pressão ao longo do tubo. A ondulação em si (compressão das moléculas de ar) é longitudinal e é mais complicada de ser representada, veja a seguir:

Observe (em vermelho) as moléculas de ar, veja que estão mais comprimidas onda a onda de pressão (em azul) atinge seus valores máximos e menos comprimidas onda a onda de pressão atinge seus valores mínimos.

Efeito doppler

O efeito, muito conhecido, se dá quando a fonte de ondas sonoras se movimenta em relação ao observador (e vice-versa). Como é de se esperar, quando uma fonte se movimenta na direção do observador mais frentes de onda o atingem por unidade de tempo. A conclusão do observador é que a frequência da fonte é elevada. Essa efeito devido a mudança aparente na frequência (aparente pois não é a frequência de fato emitida pela fonte, mas sim a percebida pelo observador) ocasionada pelo movimento relativo entre fonte e observador é chamado de efeito Doppler.

Nosso objetivo é demonstrar a relação entre a frequência aparente percebida pelo observador (frequência doppler f_{d}) e a frequência natural da fonte f_0. Note que a velocidade do som é bem definida em relação à atmosfera em repouso: ela não é afetada pelo movimento fonte. Portanto, quando uma fonte emite um pulso sonoro, as frentes de ondas se propagam esfericamente, independente do movimento da fonte. O que acontece é que, quando a fonte se move, essas esferas se deslocam, e as superfícies das ondas de duas esferas emitidas podem se aproximar, aumentando a frequência observada naquele ponto. Veja a figura abaixo:

Os pontos azuis representam as posições sucessivas da fonte. Observe que cada circunferência tem a posição da fonte como centro. No lado direito da figura, a frequência é elevada. No lado esquerdo, a frequência é reduzida. Agora, seremos quantitativos quanto a esse efeito.

Fonte em movimento, observador parado

Como caso inicial, considere que o observador esteja parado e a fonte se move diretamente em sua direção com velocidade v_{fonte}. A velocidade do som é v_{som}. Suponha que a onda emita um pulso no tempo t=0 e que a distância da fonte ao observador seja x. Depois de um tempo \Delta{t} a fonte emite outro pulso e a distância foi reduzida para x-v_{fonte}\Delta{t}. Calculemos o tempo que esses dois pulsos chegam no observador. O primeiro é fácil:

t_1=\dfrac{x}{v_{som}}

O tempo do segundo (medido a partir de t=0) é o tempo que ele foi emitido mais o tempo de propagação, logo:

t_2=\Delta{t}+\dfrac{x-v_{fonte}\Delta{t}}{v_{som}}

Como \Delta{t} é o intervalo de tempo entre duas emissões, o mesmo é simplesmente o período da fonte T_0=1/{f_0}. O intervalo de tempo entre a chegada das duas ondas no observador é:

\Delta{t'}=1/{f_d}=\Delta{t}\left(1-\dfrac{v_{fonte}}{v_{som}}\right)

Portanto:

f_d=f_0\dfrac{v_{som}}{v_{som}-v_{fonte}}

Observe que o resultado é independente da distância fonte-observador. Como era esperado: se a distância fosse aumentada, o acrésimo de tempo devido a esse percurso é somado ao tempo das duas ondas sucessivas. De forma que a diferença é inalterada. Evidentemente, se a fonte está, na realidade, se afastando do observador, basta trocarmos o sinal de v_{fonte} na equação acima. Se a fonte está num ângulo intermediário:

Basta multiplicarmos sua velocidade por cos{\theta}.

Fonte parada, observador em movimento

Você poderia pensar que a resposta seria exatamente a mesma que no caso passado, trocando a velocidade da fonte pela velocidade do observador. Mas isso está errado. As duas situações não são simétricas: no primeiro caso só as frentes de onda se movem, já no segundo, as frentes de ondas continuam se propagando e o observador também. Calculemos a frequência doppler da mesma forma que foi feito no exemplo passado. Considere que o observador se mova diretamente na direção da fonte, e queremos calcular o intervalo de tempo entre dois pulsos consecutivos. Suponha que um pulso é emitido em t=0 e outro em t=\Delta{t}. O tempo que o primeiro pulso atinge o observador é a distância inicial (x) dividido pela velocidade relativa:

t_1=\dfrac{x}{v_{ob}+v_{som}}

O tempo do segundo pulso é obtido igualando suas funções horárias:

v_{som}\left(t_2-\Delta{t}\right)=x-v_{ob}t_2

O que gera:

t_2=\dfrac{x}{v_{som}+v_{ob}}+\dfrac{v_{som}\Delta{t}}{v_{som}+v_{ob}}

Agora, calculemos a diferença t_2-t_1 e invertamos para obter a frequência doppler. O resultado é:

f_d=f_0\dfrac{v_{som}+v_{ob}}{v_{som}}

Novamente, se o observador tiver à um ângulo intermediário, basta multiplicar sua velocidade pelo cosseno desse ângulo.

Fonte e observador se movem

Observe a figura abaixo, representando a situação:

Seguindo a estratégia dois exemplos passados, pode-se mostrar que:

f_d=f_0\dfrac{v_{som}+v_{ob}\cos{{\theta}_2}}{v_{som}+v_{fonte}\cos{{\theta}_1}}

Um caso particular é quando cos{{\theta}_2}=-1 e v_{ob}=v_{som}. Nesse caso, f_d=0. O que acontece é que o observador está se afastando da fonte com velocidade do som. Dessa forma, nenhuma onda sonora alcança o observador, o que concorda com o resultado da fórmula.

É importante notar que esses ângulos devem ser medidos com relação a posição da fonte quando emite a onda e a posição do receptor quando recebe a onda.

Cone de Mach

O que acontece quando a fonte se move mais rápido que o som? Podemos fazer uma construção parecida com aquela que fizemos no efeito Doppler. Nesse caso, a fonte não fica mias dentro das frentes de onda emitidas: ela avança mais rapidamente. O resultado disso é que as frentes de ondas geradas pela fonte ficam contidas num cone atrás da fonte. O cone é chamado de cone de Mach.

 

Na figura, Ma chamado de número de Mach, é definido como a razão entre a velocidade da fonte e a do som.

O ângulo de abertura desse cone é facilmente calculado e será deixado como exercício, a resposta é:

\sin{\alpha}=\dfrac{V}{v_{fonte}}

Onde V é a velocidade de propagação do som.

Intensidade e energia

Nessa secção usaremos resultados do apêndice, portanto, pode-se pular a dedução em uma primeira leitura.

Considere uma secção transversal da camada de moléculas. Qual a potência transferida para essa secção pela pressão do ar à sua esquerda? A potência é a força multiplicado pela velocidade, logo (conforme a notação do apêndice):

P=A\left(p_0+\psi_p\right)\dfrac{\partial \psi }{\partial t}

Onde p_0 é o valor da pressão de equilíbrio, igual para todos os valores de x. O termo  contendo p_0 zera na média, então, como vamos querer o valor médio da potência, vamos desconsiderar esse termo logo. Considere que a função que descreve a onda de deslocamento seja:

\psi(x,t)=\psi_0cos\left(kx-{\omega}t\right)

Onde k=\dfrac{2\pi}{\lambda} é o número de onda e \omega é a frequência angular. Os resultados abaixo são válidos para qualquer tipo da função de deslocamento, desde que essa satisfaça a equação de onda, ou seja, seja da forma f\left(x-Vt\right). A função acima (senoidal) facilita as contas. Sabemos que:

\psi_p(x,t)=-\left(1/{\beta}\right)\dfrac{\partial \psi(x,t)}{\partial x}

Efetuando as operações de derivadas, chegamos em

\left(P/A\right)(x,t)=\left(k/{\beta}\right){\omega}{\psi_0}^2sin^2\left(kx-{\omega}t\right)

No lado esquerda da equação temos potência por área em função de x e t. O valor médio disso é chamado de intensidade. Portanto, como o valor médio de sin^2 é meio e k= \dfrac{\omega}{V}:

I=\dfrac{1}{2}{\rho}V{\omega}^{2}{\psi_0}^2

Onde substituímos o valor da velocidade de propagação: V^2=\dfrac{1}{{\beta}\rho}.

 

Batimentos sonoros

Quando duas ondas sonoras de frequências próximas são superpostas geramos picos periódicos de intensidade, os quais serão chamados de batimentos, que geram "bips" periódicos na percepção do som. Podemos gerar batimentos não apenas com ondas sonoras, como com qualquer tipo de onda, seja ela longitudinal ou transversal. Considere duas ondas de deslocamento de mesma amplitude se propagando em um meio cuja velocidade do som é v. Elas possuem frequências próximas, dadas por \omega_1 e \omega_2, respectivamente, com \omega_1=\omega_2+\Delta\omega e \Delta\omega\ll\omega. Os respectivos números de onda são k_1 e k_2, valendo k_1=k_2+\Delta k. Veja as funções de onda:

\psi_1(x,t)=Acos(\omega_1 t-k_1x)

\psi_2(x,t)=Acos(\omega_2 t-k_2x)

Onde A é a amplitude da onda. Aqui podemos ter em mente o princípio da superposição, que nos diz que a função de onda total \psi(x,t) se propagando será a soma das duas funções de onda acima e, portanto:

\psi (x,t)=A[cos(\omega_1 t-k_1x)+cos(\omega_2 t-k_2x)]

Nós podemos usar as transformações de soma em produto (apêndice matemático) para encontrar:

\psi (x,t)=2Acos(\bar\omega t-\bar kx)cos\left(\frac{\Delta\omega}{2} t-\frac{\Delta k}{2}x\right)

Onde \bar\omega=\frac{\omega_1+\omega_2}{2}. Se consideramos que \Delta\omega\ll\omega então (sabendo que a velocidade só depende do meio de propagação e, nesse caso, vale v):

\frac{\omega+\Delta\omega}{k+\Delta k}=v

Mas sabemos que \frac{\omega}{k}=v, portanto:

\frac{1+\Delta\omega/\omega}{1+\Delta k/k} \implies \frac{\Delta\omega}{\Delta k}=\frac{\omega}{k}=v

Encontramos que, nesse caso, \Delta\omega/\Delta k, ou seja, a velocidade de grupo, é igual a velocidade de fase (\omega/k) que, por sua vez, é igual a v.

Perceba que a função de onda \psi(x,t) é composta pela multiplicação de dois fatores e que ambos podem ser interpretados como ondas se propagando no espaço e no tempo. No entanto, cada uma delas possui periodicidade diferente e isto gera um "envelopamento", de forma que a onda com menor periodicidade, ou seja, com o argumento \frac{\Delta\omega}{2} t-\frac{\Delta k}{2}x, se torna um envelope para onda com maior peridicidade determinando onde de fato vão ocorrer máximos e mínimos.

Para simplificar um pouco as coisas, faça:

\Phi_1(x,t)=cos(\bar\omega t-\bar kx)

\Phi_2(x,t)=cos\left(\frac{\Delta\omega}{2} t-\frac{\Delta k}{2}x\right)

Portanto:

\psi(x,t)=2A\Phi_1(x,t)\Phi_2(x,t)=2A\Phi(x,t)

Veja a figura abaixo que ilustra as duas funções:É interessante notar o que acontece na linha traçada que contem os pontos A e B. Veja que a função \Phi_1 atinge o seu valor mínimo, enquanto \Phi_2 vale zero e por isso anula o valor da função de onda total, mesmo com um de seus fatores atingindo um dos valores extremos. Também vale a pena pontuar que em todos os pontos a função \Phi(x,t) não pode ser maior que \Phi_2(x,t), criando o envelopamento citado.

Veja a imagem a seguir:Ela pode representar tanto uma onda se propagando pelo espaço em um determinado tempo t quanto uma onda se propagando no tempo em um determinado ponto do espaço.

Vamos definir a frequência de batimento como frequência entre os "bips" (máximos de intensidade sonora). Olhando para a onda se propagando no tempo, perceba que a distância entre dois máximos corresponde a metade do período de \Phi_2(x,t) e portanto, temos:

T_{bat}=\frac{1}{2}\frac{2\pi}{\Delta\omega/2}\implies T_{bat}=\frac{2\pi}{\Delta\omega}

Dessa forma para a frequência de batimento f_{bat}=1/T_{bat} temos:

f_{bat}=\Delta f

Onde \Delta f=\Delta\omega/(2\pi) e corresponde a diferença de frequências das duas ondas \Psi_1 e \Psi_2 originais. Mostramos portanto que a frequência de batimento é igual a diferença de frequências das ondas sonoras originais.

Por exemplo, se temos uma onda de 501 \;\rm{Hz} e outra de 500 \;\rm{Hz} então, em um determinado ponto do espaço será ouvindo um máximo de intensidade por segundo, já que a frequência de batimento é 1 \;\rm{Hz}.

Você mesmo pode testar isso utilizando o aplicativo PhyPhox, na funcionalidade gerador de tom. Vá para essa função e selecione multi, onde apareceram a opção de inserir duas frequências que serão geradas. Escolha duas frequências próximas para que seja possível diferenciar os batimentos, por exemplo 449 \;\rm{Hz} e 450 \;\rm{Hz}, que geram um batimento por segundo. Teste!

Observe um gráfico gerado a partir dessa funcionalidade no PhyPhox. Foram usados 449 \;\rm{Hz} e 450 \;\rm{Hz}, que gera dificuldade para o ser humano diferenciar, porém está na região de sensibilidade do simulador, que gera dados dentro de um tempo de 0,05 \;\rm{s}.

 

Nível de intensidade sonoro

O nível de intensidade sonoro é  a forma com que quantificamos a intensidade do som. Você já deve ter ouvido diversas vezes sobre a unidade decibel (\;\rm{dB}) utilizada para isso, mas nunca deve ter se perguntado: afinal, qual é de fato seu significado?

Antes dessa conversa é necessário saber um pouco de biologia (infelizmente...). Existe uma relação empírica na biofísica chamada de lei de Weber-Fechner que diz que, para percebermos uma mudança na intensidade de um determinado estímulo físico, então sua variação deve ser proporcional ao próprio valor do estímulo. Um exemplo bem simples, considere um garrafão com 10 litros de água e o oceano atlântico, com seus humildes 3,1\times10^{20} litros de água. Ainda existem 10 litros restantes no garrafão e você, muito preocupado com o aumento dos níveis dos oceanos, decide tirar 10 litros de água do oceano e colocar no garrafão, deixando-o a ponto de transbordar. Vamos para o acerto de contas, o garrafão chegou na sua capacidade máxima enquanto, me desculpe por avisar, não mudou nada no nível do oceano e sua atitude foi inútil. O garrafão sentiu sua atitude, o oceano não.

O mesmo vale para estímulos sonoros e, devido a isso, estamos interessados em criar uma escala para o nível de intensidade sonora que siga a seguinte relação:

\Delta \text{N}\propto\frac{\Delta \text{I}}{\text{I}}

 

O que nos entrega uma escala logarítmica (demonstração no apêndice 2), de modo que, considerando a constante de proporcionalidade igual a 1, podemos escrever:

\text{N}=\ln\left(\frac{\text{I}}{\text{I}_0}\right)

Em que I_0 será uma intensidade de referência. Mas então, respondemos o que é decibel? Ainda não. O decibel vem de algumas adaptações nessa escala que criamos acima. (i) Vamos mudar a base do logaritmo para base 10, é bem mais razoável de trabalhar. (ii) Vamos adicionar uma constante de proporcionalidade igual a 10, nos entregando a seguinte expressão:

\text{N}=10\log_{10}\left(\frac{\text{I}}{\text{I}_0}\right)

Perceba que mudar a base e essa constante, na verdade não muda nada,  já que ambas ações afetam apenas em um fator de escala, mas elas nos trazem valores mais razoáveis de se trabalhar, aumentando o range da nossa escala e tornando-a mais natural.

Para a nossa intensidade de referência I_0 vamos escolher o limiar da audição humana, isto é, o mínimo de intensidade de uma onda sonora no qual pode-se ouvi-la. Para o ser humano esse limiar é I_0=10^{-12} W/m². Agora sim, o nível de intensidade sonora acima é medido em decibéis e representa a sensibilidade humana a esse tipo de estímulo.

Decaimento da intensidade da onda

Você pode se perguntar então por que escutamos um som cada vez mais baixo conforme nos afastamos dele. A resposta é simples, a intensidade diminui conforme nos afastamos. Considere que a potência total de uma fonte sonora pontual e isotrópica é P_0, então a intensidade a uma distância r dessa fonte é:

I=\frac{P_0}{4\pi r^2}

Sendo o 4\pi r^2 a área da esfera onde se distribui toda a potência da fonte sonora, uma vez que a fonte libera a mesma energia em todas as direções. Existem outros modelos para esses fontes, como uma cilíndrica muito longa que emite uma potencia p_0 por unidade de comprimento. A intensidade a uma distância r, sendo potência por área, será:

I=\frac{p_0l}{2\pi rl}=\frac{p_0}{2\pi r}

Onde l é o comprimento do cilindro imaginário que usamos para o cálculo da intensidade. Como você pode ver, em todos os casos a intensidade diminui quando r aumenta e, portanto, o nível de intensidade sonora diminui conforme a distância aumenta.

Apêndice 1: Obtenção da equação de onda

Nessa demonstração serão necessários alguns conhecimentos mais aprofundados em cálculo e equações diferenciais.

Existe uma onda de deslocamento \psi(x,t) e uma onda de pressão \psi_p(x,t) se propagando no gás, nossa intenção é encontrar equações de onda para cada uma dessas funções. Matematicamente, ondas unidimensionais são descritas pelo seguinte:

\frac{\partial^2\psi}{\partial x^2}=\frac{1}{v^2}\frac{\partial^2\psi}{\partial t^2}

Onde v representa a velocidade da onda.

Suponha a seguinte situação, uma certa parcela de gás de densidade de equilíbrio \rho_0 e volume de equilíbrio V=A\Delta x em um tubo sonoro (de área A). Pequenas perturbações são geradas, de forma que ondas se propagam no tubo sonoro, assim como a figura abaixo mostra (tanto \psi(x,t) como \psi_p(x,t) representam variações com relação ao equilíbrio).

Perceba que a variação de volume dessa parcela é dada por:

\Delta V=A\left(\Delta x+\psi(x_0+\Delta x, t)-\Delta x-\psi(x_0,t)\right)

\Delta V=A\frac{\Delta\psi}{\Delta x}\Delta x

Aqui, \Delta psi(x,t)\equiv \psi(x+\Delta x,t)-\psi(x,t). Agora vamos dar uma pausa e relembrar de um conceito citado na aula para então aplicá-lo. Lembre-se que a variação de pressão em relação ao equilíbrio e a variação de volume em uma parcela de gás podem ser relacionas a partir do módulo de Bulk \beta. Veja:

\beta=-V\frac{\Delta p}{\Delta V}

Mas, reforçando, esse \Delta p é a própria variação da pressão com relação ao equilíbrio, ou seja, o próprio \psi_p(x,t). Portanto, substituindo:

\psi_p(x,t)=-\beta \frac{\Delta\psi}{\Delta x}

Aqui tomamos conta de que V=A\Delta x e \Delta V=A\Delta\psi. Nós queremos analisar uma parcela de gás cada vez menor, de forma que seja cada vez mais precisa a análise, por isso o \Delta se torna um diferencial, resultando:

\psi_p(x,t)=-\beta \frac{\partial\psi}{\partial x}

Agora vamos aplicar a 2ª Lei de Newton para a parcela de gás. A força do lado direito é negativa e vale A(P_0+\psi_p(x_0+\Delta x,t)), enquanto do lado esquerdo é positiva e vale A(P_0+\psi_p(x_0,t)). Note que P_0 é a pressão de equilíbrio. Levando em conta todas as contribuições, obtemos:

\rho_0A\Delta x\frac{\partial^2\psi}{\partial t^2}=-A\Delta\psi_p

Vamos para o que cada termo significa. (i) \rho_0A\Delta x é a massa da parcela de gás. (ii) \frac{\partial^2\psi}{\partial t^2} é a aceleração da parcela de gás, a derivada segunda da posição com relação ao tempo. (iii) \Delta\psi_p é a variação da pressão de um lado para o outro da parcela. Eliminando termos e transformando \Delta's em diferenciais:

\rho_0\frac{\partial^2\psi}{\partial t^2}=-\frac{\partial \psi_p}{\partial x}

Portanto, substituindo a expressão encontrada para \frac{\partial\psi_p}{\partial x}:

\frac{\rho_0}{\beta}\frac{\partial^2\psi}{\partial t^2}=\frac{\partial^2\psi}{\partial x^2}

Finalmente, encontramos que:

v=\sqrt{\frac{\beta}{\rho_0}}

E isto vale para qualquer material, não apenas o ar.

Para ondas sonoras em um gás podemos considerar a frequência tão alta que praticamente não dá tempo do gás trocar calor com o meio, de forma que possamos considerar as transformações adiabáticas, seguindo a seguinte equação:

pV^{\gamma}=cte.

Diferenciando ambos os lados da igualdade obtemos que:

V^{\gamma}dp+\gamma p V^{\gamma-1}dV=0

\beta=-V\frac{dp}{dV}=\gamma p_0

Onde p_0 é a pressão de equilíbrio. Dessa forma:

V_{som}=\sqrt{\frac{\gamma P_0}{\rho_0}}

Finalmente, usando a equação geral dos gases:

\boxed{V_{som}=\sqrt{\frac{\gamma RT}{M}}}

E M é a massa molar do gás e R a constante dos gases ideais.

Apêndice 2: Transformações de soma em produto

Considere o \cos p e o \cos q. Note que:

p=\frac{p+q}{2}+\frac{p-q}{2}

q=\frac{p+q}{2}-\frac{p-q}{2}

Então:

\cos p=\cos\left(\frac{p+q}{2}\right)\cos\left(\frac{p-q}{2}\right)-\sin\left(\frac{p+q}{2}\right)\sin\left(\frac{p-q}{2}\right)

\cos p=\cos\left(\frac{p+q}{2}\right)\cos\left(\frac{p-q}{2}\right)+\sin\left(\frac{p+q}{2}\right)\sin\left(\frac{p-q}{2}\right)

O que implica que:

\cos p+\cos q=2\cos\left(\frac{p+q}{2}\right)\cos\left(\frac{p-q}{2}\right)

Apêndice 3: Demonstração da escala logarítmica

Aqui é necessário o conhecimento básico de integrais, veja que nossa escala é caracterizada por:

\Delta \text{N}=\frac{\Delta \text{I}}{\text{I}}

Em que I é a intensidade no momento do estímulo. Veja que acima temos uma equação que trata de variações discretas, mas podemos torná-las contínuas trocando o \Delta por diferenciais, com isso:

d\text{N}=\frac{d\text{I}}{\text{I}}\implies\int d\text{N}=\int \frac{d\text{I}}{\text{I}}

A partir disso e tomando conta de que a integral \int dx/x vale \ln x, obtemos:

\text{N}=\ln\left(\frac{\text{I}}{\text{I}_0}\right)

Para mudarmos para a base 10 basta dividir toda a equação por \ln 10 e usar a propriedade de mudança de base dos logaritmos.