Aula 3.4 - Acústica

Escrita por Paulo Henrique

Introdução

Diferentemente do que vimos até agora, ondas sonoras são ondas longitudinais. Ou seja, a oscilação se dá na mesma direção da propagação da onda. Por esse motivo esse tipo de onda é, naturalmente, mais difícil de visualizar. Exemplos de ondas longitudinais são: ondas sonoras, ondas de compressão numa mola, entre outros. Quantitativamente não há muita diferença entre ondas transversais numa corda e ondas sonoras: elas obedecem a mesma equação de onda (claro, as velocidades dependem de coisas distintas). A obtenção da forma exata da equação de onda será mostrada num apêndice no final da aula: sua dedução necessita de conceitos mais avançados.

Características gerais de uma onda sonora

As ondas sonoras são ondas longitudinais, sua propagação espaço se dá através de compressão e descompressão das moléculas de ar. Dada uma perturbação, são criadas ondas de deslocamento que alteram o volume de uma determinada parcela de gás, mas nós sabemos que se é gerada uma compressão do gás há um aumento de pressão e vice-versa, portanto essa onda de deslocamento gera consigo uma onda de pressão. Podemos também considerar ondas de temperatura e densidade, porém essas serão menos usadas.

Note que estamos falando de gases, porém ondas sonoras podem se propagar em qualquer meio mecânico, seja ele gasoso, líquido ou sólido. A abordagem é feita focando nos gases, em particular, o ar, por que é a maneira mais usual de se propagar som, mas poderia ser estendida para esses outros meios.

Velocidade de propagação

Geralmente, assumimos que os meio de propagação possuem uma resposta linear à pressões aplicadas, isto é \beta=-\frac{\Delta P}{\Delta V/V}, onde \beta é o coeficiente de Bulk, ou de compressibilidade de um meio e tem um valor constante para diversos meios.

Nós podemos assumir que a propagação de ondas sonoras em um gás é adiabática, já que se tratam de frequências relativamente altas, o que impede que hajam trocas de calor. Portanto, de acordo com a demonstração do apêndice, temos:

V=\sqrt{\dfrac{{\gamma}P}{\rho}}=\sqrt{\dfrac{{\gamma}RT}{M}}

Onde M é massa molar do gás em questão, T sua temperatura e \gamma o coeficiente de Poisson \dfrac{C_{P}}{C_{V}}. Para uma onda se propagando no ar (uma mistura de 70% de N_2 e 30% de O_2) e no nível do mar temos V\approx 330m/s.

Tubos sonoros

A análise dos tubos sonoros é muito semelhante àquela de ondas estacionárias em uma corda fixada entre duas paredes: as condições de contorno (nodo de deslocamento na parede no caso da corda por exemplo) determinam a forma da onda.

No caso das ondas sonoras se propagando num tubo (como um órgão, clarinete, etc.), as extremidades podem ser abertas ou fechadas, analogamente a extremidade livres e paredes no caso da corda, respectivamente. A condição de contorno na extremidade fechada é de zero deslocamento. Caso houvesse algum deslocamento, seria gerado um vácuo na extremidade, dessa forma, a pressão do outro lado imediatamente empurraria as moléculas de volta a parede. Essa situação é análoga a propagação da corrente elétrica em um circuito: os elétrons funcionam como as moléculas de ar e o campo elétrico atua, como a diferença de pressão no caso do tubo, para uniformizar a corrente no circuito.

E na extremidade aberta? Esse caso não é tão óbvio quanto ao caso análogo da corda. O que acontece é que as amplitudes das ondas de deslocamento são pequenas e, por isso, não geram alterações significativas na pressão do lado de fora do tubo. Portanto, na extremidade aberta, a pressão do gás deve ser aproximadamente igual a pressão de equilíbrio p_0, fazendo com que a onda de pressão gerada seja nula nesse ponto. Mas nós sabemos que as ondas de pressão e deslocamento são defasadas de \pi/2 (demonstração no apêndice), o que faz com que a onda de pressão se anulando naquele ponto corresponda a um extremo da onda de deslocamento.

Como no caso das cordas, a formação de ondas estacionárias é totalmente análoga: uma fonte de ondas progressivas faz gerar ondas refletidas que se somam com as primeiras para formar ondas estacionarias.

A onda de pressão para um tubo aberto em x=0, por exemplo, é do tipo:

\psi_p=A\sin{kx}\cos{{\omega}t}

Caso a outra extremidade em x=L estivesse aberta também, isso forçaria k a tomar certos valores:

\sin{kL}=0

k=\dfrac{m\pi}{L}

Com m inteiro. Como k=2{\pi}f/V, temos valores de f dados por:

f_m=\dfrac{mV}{2L}

Se a onda vibra de fato com essa frequência, dizemos que ela está em um modo normal de vibração, caracterizado por sua frequência f_m. Pode-se mostrar que qualquer propagação de ondas nessa configuração de extremidades é uma superposição dos modos normais, fazendo com que seja possível vibrar com uma frequência bem definida (existência de apena um modo) ou com uma frequência que não é bem definida (vários modos superpostos). A figura abaixo mostra os modos normais mais simples para diferentes configurações de extremidades:

Observe que as "linhas" não são as ondas sonoras de fato. Elas descrevem como variam as funções das ondas de deslocamento e pressão ao longo do tubo. A ondulação em si (compressão das moléculas de ar) é longitudinal e é mais complicada de ser representada, veja a seguir:

Observe (em vermelho) as moléculas de ar, veja que estão mais comprimidas onda a onda de pressão (em azul) atinge seus valores máximos e menos comprimidas onda a onda de pressão atinge seus valores mínimos.

Efeito doppler

O efeito, muito conhecido, se dá quando a fonte de ondas sonoras se movimenta em relação ao observador (e vice-versa). Como é de se esperar, quando uma fonte se movimenta na direção do observador mais frentes de onda o atingem por unidade de tempo. A conclusão do observador é que a frequência da fonte é elevada. Essa efeito devido a mudança aparente na frequência (aparente pois não é a frequência de fato emitida pela fonte, mas sim a percebida pelo observador) ocasionada pelo movimento relativo entre fonte e observador é chamado de efeito Doppler.

Nosso objetivo é demonstrar a relação entre a frequência aparente percebida pelo observador (frequência doppler f_{d}) e a frequência natural da fonte f_0. Note que a velocidade do som é bem definida em relação à atmosfera em repouso: ela não é afetada pelo movimento fonte. Portanto, quando uma fonte emite um pulso sonoro, as frentes de ondas se propagam esfericamente, independente do movimento da fonte. O que acontece é que, quando a fonte se move, essas esferas se deslocam, e as superfícies das ondas de duas esferas emitidas podem se aproximar, aumentando a frequência observada naquele ponto. Veja a figura abaixo:

Os pontos azuis representam as posições sucessivas da fonte. Observe que cada circunferência tem a posição da fonte como centro. No lado direito da figura, a frequência é elevada. No lado esquerdo, a frequência é reduzida. Agora, seremos quantitativos quanto a esse efeito.

Fonte em movimento, observador parado

Como caso inicial, considere que o observador esteja parado e a fonte se move diretamente em sua direção com velocidade v_{fonte}. A velocidade do som é v_{som}. Suponha que a onda emita um pulso no tempo t=0 e que a distância da fonte ao observador seja x. Depois de um tempo \Delta{t} a fonte emite outro pulso e a distância foi reduzida para x-v_{fonte}\Delta{t}. Calculemos o tempo que esses dois pulsos chegam no observador. O primeiro é fácil:

t_1=\dfrac{x}{v_{som}}

O tempo do segundo (medido a partir de t=0) é o tempo que ele foi emitido mais o tempo de propagação, logo:

t_2=\Delta{t}+\dfrac{x-v_{fonte}\Delta{t}}{v_{som}}

Como \Delta{t} é o intervalo de tempo entre duas emissões, o mesmo é simplesmente o período da fonte T_0=1/{f_0}. O intervalo de tempo entre a chegada das duas ondas no observador é:

\Delta{t'}=1/{f_d}=\Delta{t}\left(1-\dfrac{v_{fonte}}{v_{som}}\right)

Portanto:

f_d=f_0\dfrac{v_{som}}{v_{som}-v_{fonte}}

Observe que o resultado é independente da distância fonte-observador. Como era esperado: se a distância fosse aumentada, o acrésimo de tempo devido a esse percurso é somado ao tempo das duas ondas sucessivas. De forma que a diferença é inalterada. Evidentemente, se a fonte está, na realidade, se afastando do observador, basta trocarmos o sinal de v_{fonte} na equação acima. Se a fonte está num ângulo intermediário:

Basta multiplicarmos sua velocidade por cos{\theta}.

Fonte parada, observador em movimento

Você poderia pensar que a resposta seria exatamente a mesma que no caso passado, trocando a velocidade da fonte pela velocidade do observador. Mas isso está errado. As duas situações não são simétricas: no primeiro caso só as frentes de onda se movem, já no segundo, as frentes de ondas continuam se propagando e o observador também. Calculemos a frequência doppler da mesma forma que foi feito no exemplo passado. Considere que o observador se mova diretamente na direção da fonte, e queremos calcular o intervalo de tempo entre dois pulsos consecutivos. Suponha que um pulso é emitido em t=0 e outro em t=\Delta{t}. O tempo que o primeiro pulso atinge o observador é a distância inicial (x) dividido pela velocidade relativa:

t_1=\dfrac{x}{v_{ob}+v_{som}}

O tempo do segundo pulso é obtido igualando suas funções horárias:

v_{som}\left(t_2-\Delta{t}\right)=x-v_{ob}t_2

O que gera:

t_2=\dfrac{x}{v_{som}+v_{ob}}+\dfrac{v_{som}\Delta{t}}{v_{som}+v_{ob}}

Agora, calculemos a diferença t_2-t_1 e invertamos para obter a frequência doppler. O resultado é:

f_d=f_0\dfrac{v_{som}+v_{ob}}{v_{som}}

Novamente, se o observador tiver à um ângulo intermediário, basta multiplicar sua velocidade pelo cosseno desse ângulo.

Fonte e observador se movem

Observe a figura abaixo, representando a situação:

Seguindo a estratégia dois exemplos passados, pode-se mostrar que:

f_d=f_0\dfrac{v_{som}+v_{ob}\cos{{\theta}_2}}{v_{som}+v_{fonte}\cos{{\theta}_1}}

Um caso particular é quando cos{{\theta}_2}=-1 e v_{ob}=v_{som}. Nesse caso, f_d=0. O que acontece é que o observador está se afastando da fonte com velocidade do som. Dessa forma, nenhuma onda sonora alcança o observador, o que concorda com o resultado da fórmula.

É importante notar que esses ângulos devem ser medidos com relação a posição da fonte quando emite a onda e a posição do receptor quando recebe a onda.

Cone de Mach

O que acontece quando a fonte se move mais rápido que o som? Podemos fazer uma construção parecida com aquela que fizemos no efeito Doppler. Nesse caso, a fonte não fica mias dentro das frentes de onda emitidas: ela avança mais rapidamente. O resultado disso é que as frentes de ondas geradas pela fonte ficam contidas num cone atrás da fonte. O cone é chamado de cone de Mach.

 

Na figura, Ma chamado de número de Mach, é definido como a razão entre a velocidade da fonte e a do som.

O ângulo de abertura desse cone é facilmente calculado e será deixado como exercício, a resposta é:

\sin{\alpha}=\dfrac{V}{v_{fonte}}

Onde V é a velocidade de propagação do som.

Intensidade e energia

Nessa secção usaremos resultados do apêndice, portanto, pode-se pular a dedução em uma primeira leitura.

Considere uma secção transversal da camada de moléculas. Qual a potência transferida para essa secção pela pressão do ar à sua esquerda? A potência é a força multiplicado pela velocidade, logo (conforme a notação do apêndice):

P=A\left(p_0+\psi_p\right)\dfrac{\partial \psi }{\partial t}

Onde p_0 é o valor da pressão de equilíbrio, igual para todos os valores de x. O termo  contendo p_0 zera na média, então, como vamos querer o valor médio da potência, vamos desconsiderar esse termo logo. Considere que a função que descreve a onda de deslocamento seja:

\psi(x,t)=\psi_0cos\left(kx-{\omega}t\right)

Onde k=\dfrac{2\pi}{\lambda} é o número de onda e \omega é a frequência angular. Os resultados abaixo são válidos para qualquer tipo da função de deslocamento, desde que essa satisfaça a equação de onda, ou seja, seja da forma f\left(x-Vt\right). A função acima (senoidal) facilita as contas. Sabemos que:

\psi_p(x,t)=-\left(1/{\beta}\right)\dfrac{\partial \psi(x,t)}{\partial x}

Efetuando as operações de derivadas, chegamos em

\left(P/A\right)(x,t)=\left(k/{\beta}\right){\omega}{\psi_0}^2sin^2\left(kx-{\omega}t\right)

No lado esquerda da equação temos potência por área em função de x e t. O valor médio disso é chamado de intensidade. Portanto, como o valor médio de sin^2 é meio e k= \dfrac{\omega}{V}:

I=\dfrac{1}{2}{\rho}V{\omega}^{2}{\psi_0}^2

Onde substituímos o valor da velocidade de propagação: V^2=\dfrac{1}{{\beta}\rho}.

 

 

Apêndice: obtenção da equação de onda

Conforme dito antes, a dedução da equação de onda não é tão simples. Para facilitar consideremos o problema essencialmente unidimensional. Considere um camada de ar cilíndrica de secção transversal A, que sofre um pequeno deslocamento, conforme a figura abaixo:

Onde \psi(x) representa o deslocamento relativo a posição de equilíbrio x. A variação de pressão (em relação ao seu valor de equilíbrio) em função x será denominada \psi_p(x). Observe que o volume dessa camada de ar variou por \Delta{V}=A\left(x+\Delta{x}+\psi(x+\Delta{x})-\left(x+\psi(x)\right)\right)-A\Delta{x}=A\left(\psi(x+\Delta{x})-\psi(x)\right)\equiv{\Delta{\psi(x)}}. Agora devemos relacionar essa variação de volume com a diferença de pressão aplicada nas bordas da camada de ar. Lembre-se que estamos tratando com deslocamentos muito pequenos (infinitesimais), portanto, um eventual termo quadrático em \Delta{x} deve ser ignorado. Efetue o seguinte experimento mental: considere que duas camadas dessas da imagem acima sejam colocadas uma ao lado da outra. Aplique a mesma diferença de pressão na segunda camada repetida. A variação de volume total deverá ser o dobro que a variação de uma única camada (para pequenos \Delta{V}_s). Portanto, vemos que essa variação deve ser proporcional ao volume de equilíbrio. Também é esperado que seja proporcional a diferença de pressão, claro, uma maior pressão comprime mais o volume. Agora, um passo importante: para sermos mais quantitativos na análise devemos saber com qual tipo de gás estamos lidando. O resultado não é válido para qualquer tipo, como você deve esperar. Consideremos um gás ideal. Não só o tipo de gás deve ser especificado, mas também a forma como ele se transforma a medida que sofre essas compressões. Normalmente, o tempo característico das oscilações das moléculas de ar é bem menor que o tempo característico da propagação de calor. Então, se alguém acompanhar o movimento oscilatório dessas moléculas por alguns períodos, em média, não houve calor transferido. Logo, a transformação é dita adiabática. A equação que rege essa transformação para um gás ideal é bastante conhecida:

pV^{\gamma}=constante

Diferenciando a equação acima, obtém-se:

dV=-\left(\dfrac{1}{{\gamma}p}\right)Vdp\equiv{-{\beta}dp}

Conforme esperado, a variação de volume é proporcional ao volume e à diferença de pressão. Como as variações de volume e pressão são tidas como infinitesimais, os valor de p e V em \beta podem ser os da situação de equilíbrio. Na nossa análise acima, identificamos dV com nosso \Delta{V}, assim como dp com \psi_p(x). Portanto:

\dfrac{\Delta{V}}{V}=\dfrac{A\Delta{\psi}}{A\Delta{x}}=\dfrac{\partial {\psi}}{\partial {x}}=-{\beta}\psi_p(x)

Na equação acima foi tomado o limite de variações infinitesimais para trocar os \Delta por derivadas parciais. Da equação acima obtêm-se:

\dfrac{\partial \psi_p }{\partial {x}}=-\left(1/{\beta}\right)\dfrac{\partial^2 \psi }{\partial x^2 }

Logo

\Delta{\psi_p}=\psi_p(x+\Delta{x})-\psi_p(x)=-\left(1/{\beta}\right)\dfrac{\partial^2 \psi }{\partial x^2}\Delta{x}

Agora, apliquemos a segunda lei de Newton para a camada de ar

F=A\left(p(x)-p(x+\Delta{x})\right)=-A\Delta{\psi_p}={\rho}V\dfrac{\partial^2 \psi }{\partial t^2}

Escrevendo V=A\Delta{x}, chegamos na equação de onda

\dfrac{\partial^2 \psi }{\partial t^2}=\dfrac{{\gamma}p_0}{\rho}\dfrac{\partial^2 \psi }{\partial x^2 }

Sendo assim, a velocidade de propagação da onda é identificada:

V=\sqrt{\dfrac{{\gamma}p}{\rho}}