Aula 5.2 - Linhas de Campo, Fluxo Elétrico e Lei de Gauss

Escrito por Ualype Uchôa

Nesta aula, aprenderemos um modo eficiente de esquematizar o campo de cargas elétricas, através do conceito de linhas de campo. A partir disso, vamos introduzir uma grandeza chamada fluxo elétrico, o que nos permitirá o entendimento de uma lei de suma importância: a Lei de Gauss.

Linhas de Campo:

Uma tentativa de "visualização" dos campos eletrostáticos se dá através do conceito de linhas de campo. Vamos nos manter, por enquanto, às linhas de campo de cargas pontuais. Imagine uma carga pontual positiva, situada em um ponto qualquer do espaço. Sabemos que o campo gerado por ela aponta sempre radial, e para fora da carga. Para começar, vamos desenhar esquematicamente o vetor campo elétrico:

Figura 1: Esquema do vetor campo elétrico gerado por uma carga positiva pontual.

Como a intensidade do campo cai o inverso da distância ao quadrado, as setas ficam menores conforme nos afastamos da carga. Conectando as setas (vetores), obtemos o que chamamos de "as linhas de campo":

Figura 2: Esquema das linhas de campo elétrico geradas por uma carga positiva.

Note que, mesmo representando o campo desta forma, ainda se é possível obter informação sobre a sua intensidade: quanto mais longe da carga fonte, mais afastadas estarão as linhas, e menor será a densidade de linhas de campo, e, portanto, menor é a intensidade deste. Para uma carga negativa, o cenário é o mesmo, com a exceção de que as linhas de campo apontam radialmente para dentro. Sendo assim, observe as linhas de campo de duas cargas iguais (mesmo módulo) opostas próximas:

Figura 3: Linhas de campo de cargas iguais opostas próximas.

Agora, de cargas exatamente iguais:

Figura 4: Linhas de campo de duas cargas iguais de mesmo sinal próximas.

É importante ressaltar o fato de que as linhas de campo saem de cargas positivas e terminam em cargas negativas, mas podem também se estenderem até o infinito. Além disso, as linhas de campo nunca se cruzam! Caso contrário, o campo possuiria mais de uma direção em um mesmo ponto do espaço, o que não faz sentido. Lembre-se também de que as linhas emanam simetricamente de uma carga pontual em todas as direções. Quando esquematizando o campo de qualquer configuração, você pode desenhar quantas linhas quiser (afinal, existem infinitas), mas faça quantas achar necessário para a identificação do comportamento do campo elétrico.

Fluxo Elétrico:

Vamos agora definir uma grandeza (escalar) que será de extrema importância: o fluxo elétrico. Primeiro, vamos imaginar uma região do espaço, na qual existe um campo elétrico homogêneo e constante \vec{E}. As linhas de campo estão inclinadas de \theta em relação à superfície imaginária S, que possui área A, conforme a figura a seguir:

Figura 4: Superfície S sendo atravessada por um campo elétrico \vec{E}.

O fluxo elétrico através dessa superfície será:

\phi=\vec{E} \cdot \vec{A}=EA\cos{\theta}.

Aqui, \vec{A} é o vetor que representa a área da superfície S, ele é perpendicular a S e possui magnitude A. Sendo assim, o fluxo elétrico é uma grandeza que relaciona o campo elétrico com a área que ele atravessa em uma determinada região do espaço; ele mede o campo elétrico através de uma certa superfície. Sua unidade no SI é volt metros (V m), ou N m^2 C^{-1}. Perceba que as componentes do campo tangentes à superfície não contribuem para o fluxo elétrico (o que é evidenciado pelo produto escalar em sua definição). Quando o campo não é constante (e/ou a superfície contém curvas), devemos somar todas as contribuições de fluxo elétrico em cada pequena porção da superfície, realizando uma integral:

\phi=\displaystyle \int_S \vec{E} \cdot d\vec{A}.

Além disso, quando estamos falando de uma superfície fechada (digamos, uma esfera), usaremos a seguinte notação:

\phi_{fechada}=\displaystyle \oint_S \vec{E} \cdot d{\vec{A}},

onde "\oint_S" denota uma integral de superfície ao longo de uma superfície fechada. O cálculo do campo elétrico neste tipo de superfície nos leva à formulação de uma das leis mais célebres já inventadas, que será discutida a seguir.

A Lei de Gauss

Desenvolvida por Carl Friedrich Gauss (1777-1855), ela configura um método muito eficiente - sob certas condições (mostraremos por que e quais são) - para o cálculo do campo elétrico em qualquer ponto do espaço. Ela pode ser enunciada da seguinte forma:

"O fluxo elétrico sobre uma superfície fechada é igual à carga interna à superfície dividido pela permissividade do vácuo."

Matematicamente, temos:

\displaystyle \oint_S \vec{E} \cdot d\vec{A} = \dfrac{q_{int}}{\epsilon_0}

Prova: Considere uma carga pontual q na origem do nosso sistema de coordenadas. Para um elemento de área d\vec{A} que faz um ângulo \theta com o vetor \hat{r}, o ângulo sólido subentendido é:

d \omega =\dfrac{dA \cos \theta}{r^2} = \dfrac{d\vec{A} \cdot \hat{r}}{r^2}.

Então, o fluxo gerado pela carga nesta pequena área será

d \phi=\vec{E} \cdot d\vec{A}=\dfrac{1}{4\pi \epsilon_0}\dfrac{q}{r^2}\hat{r} \cdot d\vec{A}= \dfrac{1}{4\pi \epsilon_0}\dfrac{q}{r^2}d\vec{A} \cdot \hat{r},

onde usamos o fato de que o produto escalar é uma operação comutativa. Então, substituindo d\vec{A} \cdot \hat{r} como função de d \omega:

d \phi=\dfrac{q}{4 \pi \epsilon_0}d\omega.

Integrando de ambos os lados, computaremos o fluxo total na superfície fechada que estamos tomando. Os limites de integração no lado direito são 0 e 4 \pi, de forma a varrer toda a superfície. Assim:

\phi=\displaystyle \oint_S \vec{E} \cdot d\vec{A}=\dfrac{q}{\epsilon_0},

como queríamos demonstrar. Perceba que, mesmo se tratando de um caso particular (carga pontual), a relação é geral pelo princípio da superposição.

Aplicações:

Você deve ter percebido o seguinte incômodo na Lei de Gauss: o campo elétrico (nossa quantidade de interesse) encontra-se dentro da integral. Como fazer para retirá-lo de lá? Aqui, nos deparamos com um dos pontos cruciais para a aplicação desta lei: simetria. Para certas distribuições de carga, a Lei de Gauss é uma ferramenta extremamente útil, e nos permite calcular o campo com extrema facilidades. As simetrias que buscamos são:

  1. Simetria esférica: a superfície gaussiana é uma esfera concêntrica.
  2. Simetria cilíndrica: a superfície gaussiana é um cilindro coaxial.
  3. Simetria plana: usaremos uma "pillbox" gaussiana (caixa de pílulas) que fura a superfície.

Discutiremos uma por uma, por meio de exemplos.

Exemplo 1: Simetria Esférica

Calcule o campo elétrico em todo o espaço gerado por uma esfera condutora (a carga está confinada à superfície) uniformemente carregada com carga q e raio R.

Solução: Deve-se perceber que estamos lidando com uma simetria esférica. Vamos calcular o campo elétrico para r<R. Como a carga interna é nula, o campo nesta região também é nulo.

E(r)=0, para r<R.

Para r data-recalc-dims=R" />, procedemos da seguinte forma: escolhemos uma superfície fechada (comumente chamada de gaussiana) esférica de raio r, concêntrica à esfera carregada, e, então, aplicamos a lei de Gauss nesta superfície. O campo possui simetria radial, assim como d\vec{A}. Logo, vale:

\displaystyle \oint_S \vec{E} \cdot d\vec{A}=\displaystyle \oint_S EdA.

E, já que sua magnitude é constante ao longo da gaussiana, podemos sacá-lo para fora da integral. Como a área total é 4 \pi r^2 e a carga interna é, evidentemente, q:

E*4\pi r^2=\dfrac{q}{\epsilon_0},

\vec{E}(\vec{r})=\dfrac{1}{4 \pi \epsilon_0}\dfrac{q}{r^2}\hat{r}, para r data-recalc-dims=R" />.

Note que, para pontos exteriores à esfera, o campo se comporta exatamente como aquele gerado caso a carga estivesse concentrada na origem!

Exemplo 2: Simetria Esférica

Calcule o campo elétrico em todo o espaço gerado por uma esfera isolante(as cargas estão confinadas em seu interior) de raio R, cuja carga é distribuída uniformemente com densidade volumétrica \rho.

Solução: Tomaremos as mesmas gaussianas do exemplo anterior. A única mudança será a carga interna. Para uma esfera gaussiana de raio r \leq R, a carga interna à ela é \rho V, onde V=\dfrac{4}{3}\pi r^3 é o volume subentendido por esta superfície. Temos então, para o interior da esfera, utilizando a lei de Gauss:

E*4\pi r^2=\dfrac{4}{3}\dfrac{\rho \pi r^2}{\epsilon_0},

\vec{E}=\dfrac{\rho r}{3 \epsilon_0}\hat{r}, para r \leq R.

É interessante perceber que o campo aumenta linearmente com a distância ao centro. Agora, vamos encontrar o campo para r \geq R. A carga interna à gaussiana é a carga total da esfera, \dfrac{4}{3}\rho \pi R^3. Então, utilizando a lei de Gauss outra vez:

E*4\pi r^2=\dfrac{4}{3\epsilon_0}\rho \pi R^3,

\vec{E}=\dfrac{\rho R^3}{3\epsilon_0 r^2}, para r \geq R.

Exemplo 3: Simetria Cilíndrica 

Calcule o campo elétrico gerado por um fio infinito que carrega uma densidade de carga linear \lambda.

Solução: Neste caso, a simetria é do tipo cilíndrica. Utilizaremos a seguinte superfície gaussiana: um cilindro de comprimento coaxial com o fio, de raio r e comprimento l. Como o campo é radialmente simétrico e possui magnitude constante ao longo desta superfície:

E*A=\dfrac{q_{int}}{\epsilon_0}.

Onde A é a área lateral do cilindro (não há fluxo nas suas pontas, pois o campo não possui componentes tangenciais). A carga contida na gaussiana será q_{int}=\lambda l, logo:

2 \pi r l E =\dfrac{\lambda l}{\epsilon_0},

\vec{E}=\dfrac{1}{2\pi \epsilon_0}\dfrac{\lambda}{r}\hat{r}.

Observe que o campo cai com o inverso da distância ao fio, e, como esperado, não depende do comprimento l. Ainda assim, o problema em questão só é facilmente resolvido pela Lei de Gauss se o fio for infinito. Caso fosse finito, o campo não possuiria magnitude constante ao longo da gaussiana, tampouco teria simetria radial em todos os pontos do espaço. Convido o leitor a resolver este mesmo problema, mas utilizando a Lei de Coulomb (e Cálculo, é claro).

Exemplo 4: Simetria Plana

Calcule o campo elétrico gerado por uma fina placa infinita, cuja carga é distribuída uniformemente com densidade superficial \sigma.

Solução: Aqui, temos uma simetria do tipo plana. Utilizaremos uma superfície gaussiana que é uma espécie de "caixinha", que perfura o plano e se estende um pouco por seus dois lados. Esta superfície é comumente chamada de "pillbox". Veja a figura a seguir:

Figura 5: "Pillbox" gaussiana perfurando uma folha de densidade superficial de carga \sigma.

Devido à simetria, o fluxo total na "pillbox" será 2EA (onde A é a área da secção reta desta), visto que ela se estende para ambos os lados. Sendo assim, a carga interna à gaussiana é \sigma A, então, pela Lei de Gauss:

2EA=\dfrac{\sigma A}{\epsilon_0},

\vec{E}=\dfrac{\sigma}{2\epsilon_0}\hat{n}.

Onde \hat{n} é o versor unitário na direção normal, indicando que o campo elétrico é sempre normal à superfície da placa. Perceba que ele possui magnitude constante, independente da distância.

 

Com a Lei de Gauss em mãos, seremos capazes de resolver inúmeros problemas de Eletrostática. Ela é de extrema importância para o Eletromagnetismo, sendo a base de outras célebres invenções, como a Equação de Poisson e também de Laplace, além do estudo de ondas eletromagnéticas. Recorreremos a ela diversas vezes ao longo do curso. Devo chamar atenção para os resultados obtidos nos exemplos; eles são casos que costumam aparecer muito em problemas, e, por isso, considero importante tê-los tenham em mente.