Aula 5.5 - Corrente Elétrica e Resistores

Escrito por Ualype Uchôa 

Nosso estudo da Eletrostática terminou na aula passada; hoje, iniciaremos o estudo dos circuitos elétricos (Eletrodinâmica), introduzindo algumas ideias e conceitos de corrente elétrica e o estudo teórico de componentes chamados de resistores; aplicaremos também a noção de corrente elétrica e densidade de corrente elétrica, e serão apresentadas as famosas leis de Ohm.

Introdução

Desde o começo do curso, estávamos lidando com uma área da Eletricidade chamada de Eletrostática. Como já vimos, o estudo da eletrostática se refere ao estudo de cargas elétricas em repouso, significado que está implícito no nome. Quando isso não acontece, e as cargas elétricas em estudo estão se movendo, há a ocorrência de correntes elétricas, e surge um ramo chamado Eletrodinâmica que se responsabiliza por estudar os fenômenos relacionados às cargas elétricas em movimento. Iremos colocar na prática os conceitos estudados na Eletrostática! Primeiramente, vamos definir o que é uma corrente elétrica.

Corrente Elétrica

Definição

A corrente elétrica corresponde a um tipo de movimento de cargas. Mais formalmente, nos referimos à corrente elétrica como um movimento ordenado de portadores de carga, com direção e sentido. Estes portadores podem ser partículas físicas como prótons ou elétrons (mais comum), mas isso não realmente irá nos importar. Sendo assim, vamos definir a corrente elétrica média da seguinte forma:

I_{med}=\dfrac{\Delta Q}{\Delta t},

ou seja, se em uma determinada região do espaço, digamos, uma seção de um fio, passa uma certa carga \Delta Q durante um intervalo de tempo \Delta t, a corrente média nesse intervalo é a carga que passa sobre o tempo medido. Dessa forma, a corrente é uma grandeza escalar e a sua unidade no SI será o ampere (A), em homagem ao físico de mesmo nome, com

1 A = 1 \dfrac{C}{s}.

com C denotando o coulomb. E, do mesmo modo, a corrente elétrica instantânea será a derivada da carga com relação ao tempo:

I=\dfrac{dQ}{dt}.

É óbvio que, para uma taxa constante de carga por unidade de tempo, ambas as definições coincidem, e a corrente será constante. Dessas definições, decorre que podemos encontrar a carga total que atravessa uma região durante um certo tempo por meio da área embaixo do gráfico i versus t, ou integrando a expressão acima.

É possível dividir as correntes em duas categorias principais:

Correntes contínuas ou diretas (DC - direct current): Uma corrente se diz contínua se o seu sentido (seu valor algébrico -  negativo ou positivo) se mantém constante durante o tempo. Perceba que que sua intensidade (valor absoluto) pode variar com o passar do tempo.

Correntes alternantes (AC - alternating current): Uma corrente se diz alternada se o seu sentido varia com o passar do tempo, geralmente de forma periódica, por exemplo, conforme uma função senoidal. É este tipo de corrente que circula pela rede elétrica que alimenta nossas casas!

Estudaremos majoritariamente o primeiro tipo na nossa análise de circuitos elétricos.

Uma corrente pode estar associada tanto à aplicação de um campo elétrico às cargas como por forças mecânicas exercidas, por exemplo, em um condutor; no último caso, teremos as chamadas correntes de convecção, nas quais matéria e carga movem-se em conjunto. Veja o exemplo a seguir:

Exemplo 1: 

Uma esfera condutora de raio R possui carga Q e gira em torno de um fio isolante com velocidade angular \omega. Determine a corrente média representada por essa carga em rotação.

Figura 1: Esfera carregada girando em torno do seu eixo

Solução: 

Vamos utilizar a definição de corrente média. Durante uma rotação completa de duração T=\dfrac{2 \pi}{\omega}, a carga total que passa é a carga Q da esfera. Sendo assim:

I_{med}=\dfrac{\Delta Q}{\Delta t}=\dfrac{Q}{\dfrac{2 \pi}{\omega}}=\dfrac{\omega Q}{2 \pi}.

Sentido da corrente

O sentido da corrente, é, por convenção, o sentido oposto ao do movimento dos portadores de cargas negativas. Por exemplo, se os elétrons livres - que possuem carga negativa - em um fio movem-se para a direita, o sentido da corrente será para a esquerda. Essa convenção pode lhe parecer estranha e até mesmo inconveniente; no entanto, ela foi criada antes mesmo de os físicos perceberem que a corrente em materiais condutores metálicos era devido ao movimento dos elétrons!

Densidade de corrente

Uma quantidade também de suma importância será a densidade de corrente. Tal grandeza nos dará informação sobre o sentido e direção de movimento das cargas -  logo, ela será vetorial -  além de nos permitir relacionar o campo elétrico aplicado aos portadores de carga com a corrente gerada pelo movimento destes. Se uma corrente infinitesimal dI atravessa uma pequena região de secção reta d\vec{A}=dA \hat{n} no sentido mostrado pelas linhas em rosa na figura abaixo, o vetor densidade de corrente J será:

Figura 2: Superfície sendo atravessada por uma densidade de corrente J.

dI=\vec{J} \cdot d\vec{A},

Integrando-se sobre a superfície de interesse, somamos todas as contribuições, e então a corrente total é dada por:

I=\displaystyle \int_S \vec{J} \cdot d\vec{A}.

Para o caso em que \vec{J} é constante, obtemos

\vec{J}=\dfrac{I}{A}\hat{n},

onde A será a secção reta total do condutor percorrido por essa corrente. Veja, então, que podemos fazer uma analogia da corrente com o fluxo elétrico, que possui a mesma forma matemática; a corrente atua como o fluxo da densidade da corrente.

Continuidade da corrente

O que acontece com uma corrente em um fio quando o mesmo apresenta ramificações? Vamos considerar a seguinte situação: um fio é atravessado por uma corrente i_1 e se ramifica em duas seções. Então, passa a fluir uma corrente i_2 num ramo e i_3 em outro:

   

Figura 3: Corrente i_1 se dividindo em i_2 e i_3.

 

Como relacionar essas correntes? Tendo em vista que não pode haver acúmulo de carga na junção, (o "nó"), é necessária a continuidade, também chamada de "conservação" da corrente:

I_1=I_2+I_3

Ou, generalizando:

\displaystyle \sum I_{entra} = \displaystyle \sum I_{sai}.

Isto é, a soma das correntes "entrando" é igual à soma das correntes "saindo".

As Leis de Ohm

Primeira Lei de Ohm

Considere um condutor, cuja D.D.P aplicada entre suas extremidades é V. Se o condutor estiver a uma temperatura constante, quando a corrente o atravessa, a queda de potencial \Delta V é proporcional à intensidade da corrente I:

\Delta{V}=RI,

sendo R uma característica do condutor chamada de resistência elétrica. Sua unidade no SI é o ohm (\Omega), sendo 1 ohm = 1 \dfrac{volt}{ampere}. Aos condutores que obedecem essa relação linear entre a D.D.P. e a corrente, damos o nome de resistores ôhmicos. Em outras palavras, a curva característica V versus I para um resistor ôhmico é uma reta:

Figura 4: Curva característica V versus I de um resistor ôhmico.

E o coeficiente angular é a resistência do material *.

OBS* : Essa relação pode ser expandida para resistores não-ôhmicos (cuja relação entre V e I não é linear), conforme dV=R_{diff} dI, o que significa que, em um determinado ponto do gráfico, podemos traçar uma reta tangente  à curva V x I, cujo coeficiente angular - a derivada - R_{diff} corresponde à chamada resistência diferencial do componente, e é variável.

Segunda Lei de Ohm

Considere um condutor cilíndrico (neste caso, um resistor) de secção reta A, sobre o qual se estabelece uma diferença de potencial \Delta V entre suas extremidades (por exemplo, através de um gerador, como veremos posteriormente).

Figura 4: Esquema de um resistor.

Com isso, flui através dele uma corrente I (no sentido indicado pelo vetor densidade de corrente \vec{J}) e haverá um campo elétrico uniforme (podemos provar isso, utilizando a eq. de Laplace), que deverá obedecer:

\Delta V=El,

como bem sabemos. Outra forma de enunciar a primeira lei de Ohm, é dizer que, em materiais ôhmicos, o vetor densidade de corrente é proporcional ao campo elétrico:

\vec{J}=\sigma \vec{E}.

Esta forma não será tão útil na resolução prática de circuitos elétricos. A constante de proporcionalidade é chamada de condutividade elétrica, e sua unidade é o \Omega \cdot m. Usando a definição de J e que \Delta V=RI=El escrevemos que

\dfrac{I}{A}=\sigma \dfrac{RI}{l},

R=\dfrac{\rho l}{A},

com \rho=\dfrac{1}{\sigma}, o inverso da condutividade, levando o nome de resistividade elétrica. Essa relação entre as propriedades geométricas (comprimento, secção reta) de um resistor, sua resistividade e a resistência é chamada de segunda lei de Ohm. Perceba que, mantendo constantes as dimensões do nosso componente, a resistência é proporcional à resistividade (daí o nome), e inversamente proporcional à condutividade. Por isso, bons condutores possuem uma resistência muito baixa.

Você deve ter percebido que foi necessária a condição de temperatura constante quando começamos a falar de primeira Lei de Ohm. Isso ocorre pois a resistividade varia com a temperatura do condutor, de forma aproximadamente linear com a temperatura (para temperaturas até cerca de 400 ^{\circ} C):

\rho ( \theta) = \rho_0 \left(1+ \alpha \Delta \theta\right).

Muito semelhante com a dilatação térmica de materiais! Mas, aqui, \alpha é o coeficiente de temperatura, e não deve ser confundido com o coeficiente de dilatação. Esse fenômeno ocorre pois, com o aumento de temperatura, os átomos e moléculas no caminho dos elétrons ficam mais agitados, e oferecem uma maior resistência ao movimento destes. Podemos explorar um modelo como esse para tentar explicar as leis de Ohm de uma forma mais microscópica; vejamos o próximo exemplo.

Exemplo 2: 

Um modelo interessante para explicar as leis de Ohm é considerar que as cargas (em geral, elétrons livres) dentro de um resistor movimentam-se com uma velocidade aproximadamente constante. Vamos considerar o seguinte: um elétron de carga -e, dentro do resistor, está sujeito à uma força de resistência devido às colisões com outros elétrons e a presença de outros átomos e moléculas, do tipo -bv (sendo b uma constante) com sentido oposto ao de sua velocidade. Sendo \eta a densidade volumétrica de elétrons no condutor, A a  secção reta do condutor e l seu comprimento, mostre que a D.D.P. entre os terminais é proporcional à corrente que flui dentro dele.

Solução:

Como o elétron movimenta-se com velocidade constante, é necessário que a força resultante seja zero. Isto é:

eE=bv.

Podemos encontrar a velocidade média dos elétrons como função da corrente média que atravessa o resistor. Num tempo \Delta t, a carga (em módulo) atravessando o volume Av \Delta t no resistor é \Delta Q= \eta e Av \Delta t. Assim:

i=\dfrac{\Delta Q}{\Delta t}=\eta A v e,

v=\dfrac{i}{\eta A e}.

Considerando o campo elétrico homogêneo, a D.D.P será V=El. Isolando E e v e substituindo na primeira equação, por fim obtemos a desejada relação:

\dfrac{eV}{l}=b \dfrac{i}{\eta A e},

V=\left(\dfrac{b}{\eta e^2} \dfrac{l}{A}\right) I.

Ou seja, com um modelo simples conseguimos obter a relação linear entre a D.D.P. e a corrente que passa por uma resistência ôhmica.

Exemplo 3: 

Dois condutores cilíndricos de raio R e de resistividades \rho_1 e \rho_2, respectivamente, são conectados em série, e percorridos por uma corrente I (com sentido do condutor 1 para o 2). Qual é a carga acumulada na junção entre eles? A permissividade do meio é \epsilon_0.

Solução:

Primeiramente, devemos entender o porquê de haver carga acumulada. Se escolhermos uma "pillbox" gaussiana na junção entre os condutores. A Lei de Gauss nos diz que:

\phi_{pillbox}=\dfrac{q_{int}}{\epsilon}

Como em ambas as faces da pillbox haverá um campo elétrico diferente (devido à resistividade distinta dos condutores), o fluxo resultante nela será diferente de zero. Logo, irá haver acúmulo de carga na fronteira. Podemos calcular os campos E_1 e E_2 no interior dos condutores utilizando a primeira lei de Ohm:

J_1=J_2=\sigma_1 E_1 = \sigma_2 E_2.

Mas J=J_1=J_2=\dfrac{I}{\pi R^2}. Assim:

E_1=\dfrac{\rho_1 I}{\pi R^2} e E_2=\dfrac{\rho_2 I}{\pi R^2}.

O fluxo elétrico na pillbox será dado por:

\phi=\left(E_2-E_1\right)A,

haja vista que E_2 "sai" de uma face e E_1 "entra" na outra. Por fim, substituindo na lei de Gauss, encontramos a carga que se acumula na junção:

Q=\dfrac{\left(\rho_2-\rho_1\right) \epsilon_0}{\pi R^2}.

Potência Dissipada: Efeito Joule

Vamos investigar a potência necessária pra manter uma corrente elétrica circulando. A definição de potência é:

P_{ot}=\dfrac{\Delta E}{\Delta t}

A energia \Delta E será devido às cargas que passam por uma região onde há diferença de potencial (mais à frente, veremos que ela é causada por componentes como geradores ou baterias). Sendo ela V, a energia que deve ser fornecida, num tempo \Delta t é \Delta Q V. Logo:

P_{ot}=\dfrac{\Delta Q}{\Delta t}V=VI.

Num resistor ôhmico, V=RI, então:

P_{ot}=RI=\dfrac{V^2}{R}.

Essa potência também corresponde exatamente à potência dissipada no resistor por Efeito Joule, que pode ser reaproveitada, por exemplo, para aquecer um certo objeto. O Efeito Joule estabelece que toda a potência elétrica fornecida ao condutor ôhmico é dissipada na forma de calor. Uma aplicação prática disso é a da lâmpada incandescente, presente em muitas de nossas casas. Ela brilha devido à energia elétrica que lhe é fornecida, e, ao fazer isso, dissipa energia na forma de calor, e por isso esquenta.