Escrito por Paulo Henrique
Introdução à Relatividade
Até a primeira publicação sobre a teoria da relatividade por Albert Einstein, a mecânica Newtoniana nunca falhou em sua missão de explicar os fenômenos mecânicos da natureza. Em seu artigo, Einstein mostrou que partículas "relativísticas", ou seja, partículas que se movem com velocidade comparável com a da luz, não obedecem as leis de Newton. Durante o curso, o aluno aprenderá todas as modificações e novas leis da chamada Relatividade Especial ou restrita. As mediações físicas, em geral, são feitas em relação à um referencial específico, e obtemos diferentes resultados quando analisamos o fenômeno em diferentes referenciais. O estudo desses resultados é o que chamamos de Relatividade.
Transformações de Galileu
Antes de considerarmos a Relatividade em si, vale a pena comentar sobre as transformações de Galileu. Em mecânica Newtoniana, um referencial Inercial é um referencial no qual as leis de Newton são válidas. Sabemos que, dado um referencial inercial, qualquer outro referencial que move-se com velocidade constante em relação ao primeiro será, também, um referencial inercial. As transformações de Galileu relacionam os resultados de um fenômeno vistos em um referencial inercial com os de outro referencial inercial. Mais especificamente, as transformadas relacionam as coordenadas espaciais e temporal de um evento visto por dois referencias distintos. Seja um desses referenciais e o outro. Sabemos que um evento tem coordenadas e aconteceu em um tempo no referencial , onde e quando o evento aconteceu visto pelo referencial , que se move com velocidade constante em relação a ? A consideração primordial da mecânica Newtoniana (lembre-se que ainda estamos nesse ramo) é que há apenas um tempo universal, ou seja:
Esse é, naturalmente, o resultado que qualquer um esperaria. E quanto as coordenadas do evento visto no referencial ? Primeiramente, rotacionemos nossos eixos cartesianos, de tal forma que . Sendo assim, todos os três eixos coincidem. Definamos também, sem perda de generalidade, o instante como sendo o instante que as origens coincidem. Com esses eixos fica fácil ver que:
Agora, para generalizarmos para qualquer sistema de eixos, observamos a definição do eixo : considere que ocorreu em . Sabemos que , usando que:
ficamos com:
Mas, por definição: . Portanto:
E isso completa o resultado que queríamos.
Exercício 1
Considere o conjunto de quatro números relacionado ao evento no referencial , onde é o tempo no qual aconteceu e , onde e representa as coordenadas em que ocorreu. tem mesma definição que , só que agora, suas coordenadas são vistas a partir do referencial . Dado que o referencial se move com velocidade constante ao longo do eixo , e que as origens coincidem no instante , determine sabendo que:
Todas as coordenadas estão em metro e considere transformações de Galileu.
Gabarito:
Experimento Michelson-Morley
No final do século XIX, grande parte dos físicos acreditavam a velocidade da luz deveria tomar diferentes valores para diferentes direções, quando medida na Terra. Esperava-se que a variação fosse pequena, evidentemente. O físico Albert Michelson conduziu experimentos em um interferômetro que deveria detectar as variações na velocidade da luz, por mais baixas que fossem. Assistido por Morley posteriormente, eles não encontraram qualquer variação. Vários outros experimentos foram feitas, mas nenhum chegou em uma variação. Muitos físicos acreditavam que havia apenas um referencial no qual a velocidade da luz era a mesma em todas as direções. Após esse experimento, e tendo em vista que a terra não se move com velocidade constante em relação ao sol, por exemplo, concluiu-se que não havia apenas um referencial em que a velocidade da luz era igual para diferentes direções. Mesmo após esses experimentos, essa ideia não foi aceita durante muito tempo. Teorias como a do éter, que tentavam explicar o experimento de Michelson-Morley falhavam na explicação de outros fenômenos. A primeira pessoa a aceitar a ideia foi Einstein, que propôs dois postulados baseado na ideia que a velocidade da luz é universal.
Postulados da relatividade
Os postulados da relatividade, propostos por Einstein são axiomas motivados pelo experimento de Michelson-Morley. Primeiramente, Einstein definiu como referencial inercial todos referenciais tais que as leis da física são válidas. O primeiro postulado da relatividade é um axioma que estende a validade de todas leis da física para outros referenciais:
Primeiro postulado: Todo referencial que se move com velocidade constante em relação a um referencial inercial é também um referencial inercial.
Portanto, o primeiro postulado declara à invariância de todas as leis da física quando vistas em diferentes referenciais inerciais. O segundo postulado encorpora o resultado do experimento de Michelson-Morley:
Segundo postulado: A velocidade da luz no vácuo tem o mesmo valor em todos os referenciais inerciais.
As consequências desses postulados são a base do estudo da relatividade restrita. Conforme veremos, alguns resultados estranhos surgiram ao aceitarmos o segundo postulado. Um mundo de possibilidades surgem com uma única frase. A nossa intuição tentará nos enganar em várias situações na relatividade, mas a própria teoria explica essa falha: para velocidades pequenas comparadas à da luz, os resultados da relatividade coincidem com os da mecânica Newtoniana. Como, em todas situações do nosso cotidiano, estamos no regime de baixas velocidades, nenhum resultado da relatividade é percebido facilmente. Portanto, efeitos fundamentais como dilatação do tempo, contração do comprimento, perda de simultaneidade, entre outros que serão estudados, são imperceptíveis a o olho nu. O porquê disso mostraremos na próxima seção.
Transformações de Lorentz
A partir dos dois postulados da relatividade, deduziremos o resultado análogo ao da seção de transformação de Galileu. Nesse caso, utilizaremos somente os dois postulados e portanto a suposição da mecânica Newtoniana que não deve ser feita, a priori. Nossa missão é a mesma: relacionar as coordenadas do evento nos dois referenciais e , com se movendo com velocidade constante em relação a . É comum que se apresente primeiro os efeitos fundamentais (dilatação do tempo, contração de comprimento e perda de simultaneidade) para deduzir essas transformações. Nessa aula, a ordem será invertida. O intuito é que o aluno perceba que tudo devém somente dos dois postulados. Considere que o evento seja acompanhado pelo evento . Aqui, os eventos podem ser qualquer coisa: um bomba explodindo, uma partícula atingindo uma certa posição no espaço, etc. Queremos relacionar o intervalo de tempo entre e nos referenciais e , assim como o intervalo entre as posições em que os eventos ocorrem. Primeiro, perceba que as transformações devem ser lineares, isto é:
e
Onde as constantes dependem de . O motivo da linearidade é simples: todo intervalo é igual a soma de intervalos infinitesimais, e em cada intervalo infinitesimal, termos quadráticos ou de ordem superior são desprezados em comparação ao termo linear. Ao efetuarmos a soma de todos esses intervalos infinitesimais, obtemos somente termos lineares. Usaremos 3 fatos para computarmos as 4 constantes: se move com velocidade constante em relação à (adotaremos a direção de como sendo o sentido positivo de , sem perda de generalidade, como foi feito nas transformações de Galileu). Pelo primeiro postulado, nenhum referencial é privilegiado, portanto, deve ver as coisas exatamente como vê . Isto é, a situação é totalmente simétrica, para é que se move com velocidade em relação a ele. Evidentemente, algum sinal negativo pode surgir, devido ao fato que . O terceiro fato é justamente o segundo axioma da relatividade. É interessante o fato que a descrição de dois eventos arbitrários dependerá do fato que a velocidade da luz é invariante nos dois referenciais. Isso é esperado: as equações que descrevem esses dois eventos arbitrários são gerais, isto é, devem valer quaisquer que sejam os eventos e . Em particular, essas equações devem ser tais que a velocidade de um pulso de luz, por exemplo, tenha mesma velocidade nos dois referenciais. Evidentemente, as transformações de Galileu não satisfazem o segundo postulado.
1. move-se com velocidade em relação à :
Considere um ponto na origem de , por exemplo. Considere os eventos e como sendo o ponto passando por e , respectivamente. Alguém no referencial vê esses dois eventos acontecendo na origem, logo . Portanto: . Por outro lado, deve ser igual a , pois se move com em relação à . Logo:
Eliminando das transformações, ficamos com:
e
2. Analogamente, um ponto sobre a origem de move-se com velocidade em relação à . Logo, procedendo de forma análoga ao item passado:
Reduzindo as transformações de novo:
e
Até agora, as equações acima poderiam ser transformações de Galileu: não utilizamos nenhum postulado da relatividade ainda, só o fato que um referencial se move com velocidade em relação ao outro.
3. Considere um relógio em repouso em . Uma pessoa em observa esse relógio passar mais rápido, mais devagar ou igualmente ao que uma pessoa em observa? Observe aqui a distinção entre "ver" e observar": É suposto que o observador já contabilizou o tempo que a luz demorou para chegar aos seus olhos, de forma que se estivéssemos lidando com mecânica Newtoniana, qualquer observador concluiria mesmo que quando a luz "chega" no observador, seu relógio está mais avançado que o relógio em , visto que a "luz" que chegou representa um instante passado. O observador contabilizou essa diferença e concluiu que os relógios marcam a mesma hora naquele instante. Agora, considere os eventos e como sendo dois "tiques" sucessivos do relógio em . Lidando com relatividade, lembre-se de que não supomos , portanto, podemos escrever que (os dois eventos acontecem na mesma coordenada ). Ou seja, um segundo no relógio em leva segundos no referencial . Agora, considere a mesma situação vista por um observador em . O relógio está em repouso em agora. Primeiro invertemos as transformações para obter e em função dos correspondentes em :
e
Dois tiques em acontecem na mesma coordenada em , ou seja, . Logo:
Ou seja, um segundo no relógio em leva segundos no referencial . Agora, apliquemos o primeiro postulado: nenhum referencial é privilegiado. Como a situação é totalmente simétrica, devemos ter que . Reduzindo as tranformações:
e
Observe que para , obtemos as transformações de Galileu, como era esperado pois implica .
4. Finalmente, utilizemos o segundo postulado: um pulso de luz move-se com em ambos os referenciais. Isso implica que: se deveremos ter . Logo:
Isso gera uma equação para . Resolvendo:
Esse é um dos mais importantes resultados da relatividade restrita. será chamado de fator que Lorentz, representado pelo símbolo . As transformações ficam:
e
OBS: Nas direções perpendicular ao movimento em relação à , temos:
e
O motivo disso constitui um efeito fundamental. Efeitos desse tipo são explorados amplamente na próxima aula do curso.
Exercício 2
Inverta as transformações de Lorentz e resolva para e .
Gabarito:
e
Essas são as transformações de Lorentz. Observe que para , as transformações de Lorentz tornam-se transformadas de Galileu, como era esperado. A partir desse resultado vários fenômenos estranhos acontecem. Os principais são chamados de efeitos fundamentais, que serão explorados na próxima aula.