Escrito por Paulo Henrique
Nessa aula, utilizaremos as transformações de Lorentz para deduzir os efeitos fundamentais da relatividade restrita: a contração das distâncias, dilatação do tempo e perda de simultaneidade. Na aula seguinte, usaremos os resultados aqui apresentados para resolver os paradoxos aparentes clássicos da relatividade, assim como outras situações estranhas nas quais as soluções são obtidas a partir de simples argumentos a respeito dos efeitos fundamentais.
O relógio de luz
Primeiramente, devemos notar que os resultados das medidas de intervalos de tempo e espaço entre eventos não dependem do tipo de evento investigado, isso pode ser visto a partir da dedução das transformações de Lorentz da aula passada: em nenhum momento especificamos o tipo de evento considerado. Evidentemente, essas transformações gerais devem incluir os casos especiais nos quais os eventos envolvem pulsos luminosos. Por causa do segundo postulado, essas situações são bastante especiais e impuseram condições peculiares nas transformações. Com isso, podemos escolher eventos convenientes para estudar a relatividade. Geralmente, esses são justamente os que envolvem pulsos luminosos. Para estudar esses eventos, consideremos o seguinte aparato: o relógio de luz.
Quando um pulso de luz incide no detector, o mesmo envia um pulso de tensão a um osciloscópio, gerando uma deflexão vertical vista na interface do equipamento. A distância entre dois picos representa o intervalo de tempo entre os eventos, que são detectados através de um pulso de luz incidente. Aqui, os relógios que serão usados para explicar as situações da relatividade podem ser considerados como relógios de luz para melhor entendimento.
Dilatação do tempo
Como o nome sugere, o efeito envolve diferentes medidas de intervalo de tempo entre dois eventos, quando vistos em diferentes referenciais. Para entender esse efeito, podemos aplicar de forma direta as transformações de Lorentz. Alternativamente, considere a seguinte situação. Um observador está em repouso no referencial a uma distância de um espelho fixo nesse mesormo referencial. Vamos estudar a situação na qual o observador, com um laser, emite um pulso luminoso em direção ao espelho (veja figura abaixo).
Os dois eventos de interesse são:
Evento 1: emissão do pulso
Evento 2: chegada do pulso de volta ao observador depois da reflexão no espelho.
Sejam e os intervalos de tempo entre esses dois eventos medidos pelos observadores e , respectivamente. Aqui, é um observador fixo num referencial , tal que move-se com velocidade constante para a direita.
No referencial nada emocionante acontece:
Pois o pulso de luz move-se com velocidade e percorre a distância duas vezes até voltar para . Podemos analisar os dois eventos sob a perspectiva de : ele vê o pulso sendo emitido numa posição inicial e sendo recebido de volta numa posição deslocada por em relação à primeira. O grande efeito surge devido ao fato que, como a luz deve ter a mesma velocidade em relação à ambos referenciais e o pulso percorre uma distância maior visto pelo referencial , ele demora mais pra realizar seu trajeto. Dai, então, o nome dilatação do tempo. O diagrama abaixo nos permite calcular o intervalo de tempo medido por .
Pelo teorema de pitágoras:
Logo:
Onde é o chamado intervalo de tempo próprio, que será estudado em detalhes nas próxima aulas. Sendo assim, como , o observador em conclui que o relógio em (que usou para realizar as medidas) está atrasado e, portanto, o tempo em foi dilatado! Observe que o mesmo resultado pode ser obtido através das transformadas de Lorentz. Com o subscrito () representando quantias relacionadas ao evento (), temos:
Onde foi feita a suposição razoável de que , isto é, as medidas foram feitas por um mesmo relógio localizado em .
Observe que esse efeito não tem relação nenhuma com o tempo que a "luz" demora para chegar nos olhos dos observadores. Conforme dito na aula passado, todos os observadores são suficientemente espertos para subtrair esse tempo de suas medições.
Contração de distâncias
O comprimento de um objeto medido por alguém em um referencial no qual o mesmo está em repouso é chamado de comprimento de repouso, representado aqui pelo símbolo . Acontece que, quando o objeto se move em relação a um referencial, os observadores nesse referencial observam o objeto com um comprimento menor que . Esse efeito é o chamado contração das distâncias. Primeiramente, devemos entender o significado de um comprimento de um objeto. Para que um observador meça tal comprimento, ele poderia, por exemplo, fazer a medição das posições das extremidades do objeto em um mesmo tempo, e tomar a diferença. Para exemplificar, consideremos uma barra movendo-se com velocidade ao longo do eixo x. Quantitativamente, temos:
e
Onde as quantias com plicas estão relacionadas ao referencial que se move com a barra, e as sem plicas ao referencial , onde está o observador que quer calcular o comprimento da barra. Os subscritos e referem-se aos extremos da barra e foi usadas as transformações de Lorentz. Os eventos tomados foram as medições feitas pelo observador em em um tempo . Sendo assim:
Observe que e, portanto:
Logo, um observador em observa a barra contraída por um fator . Para , , evidentemente. É importante perceber que a barra, para um observador em , não está "aparentemente"contraída: ela realmente é menor vista naquele referencial. A Contração de distâncias não tem relação com o que as coisas "aparentam" ser. E sim, com onde estão as extremidades de um objeto em tempos simultâneos no referencial (onde queremos obter o comprimento do objeto). É interessante notar que o comprimento da barra não depende de onde está o observador em : ele só depende do referencial , através da velocidade relativa entre e .
Perda de simultaneidade
Baseado nesse efeito, vários paradoxos aparentes surgem no estudo da relatividade restrita. Para entendê-lo, considere um evento e outro . Os dois eventos ocorrem simultaneamente em um referencial . Isso implica que os dois eventos ocorrem simultaneamente em um outro referencial ? Aqui, estamos no regime comum onde move-se com velocidade ao longo do eixo x, em relação ao referencial . Para responder essa pergunta, usemos as transformações de Lorentz:
Ou seja, em geral, eventos simultâneos em um referencial não são simultâneos em outros referenciais (a menos que os eventos aconteçam numa mesma posição, vistor por ). Sendo assim, não faz sentido dizer que dois eventos são simultâneos: é preciso que se especifique o referencial no qual os dois eventos são simultâneos.
A essência de todos esses efeitos é bastante simples, como pudemos ver acima. Entretanto, em algumas situações, é necessário ter bastante cautela para fazer a análise do problema. As próximas aulas serão focadas na aplicação desses efeitos em diversas situações.