Física - Ideia 01

Escrita por Victor Ivo:

Uma ideia muito forte do eletromagnetismo é que um sistema que seja capaz de comportar carga e conduzir corrente pode ter sua capacitância encontrada a partir de sua resistência, e sua resistência a partir de sua capacitância, se a resistividade e permissividade do meio forem conhecidas. Seja a resistência do sistema R, capacitância C, resistividade \rho e permissividade elétrica \varepsilon:

RC=\rho \varepsilon

Prova:

Considere que um sistema com cargas remanejadas está configurado de tal forma que você pode dividir ele em regiões de cargas com diferente polaridade. Tome a região, digamos S_{1}, pela lei de Gauss, o fluxo elétrico passando por uma superfície fechada que delimita essa região é:

\phi=\int \vec{E} \cdot d\vec{A}=\frac{Q}{\varepsilon_{o}}

Onde Q é a carga dentro da superfície e \varepsilon_{o} é a permissividade elétrica do vácuo. Ademais, você pode dividir qualquer cargas de um sistema em duas partes, uma chamada carga polarizada, que é gerada apenas por uma redistribuição local de cargas que se mantém por interações de dipolo, e outra que é a carga livre, que, diferente da carga polarizada, pode fluir ao longo do sistema e não está presa por nenhuma interação específica. Vamos demonstrar a relação para dois tipos de sistema, um estará em permissividade igual à do vácuo, pois isso facilita as contas e inclui estudantes que não sabem eletromagnetismo na matéria a capacidade de entender a demonstração, e o outro numa genérica (mas homogênea). Se você sabe eletromagnetismo na matéria, leia a demonstração para vácuo e depois tente generalizar a lei por conta própria, caso não consiga, veja a solução logo abaixo. Vale lembrar que nesses dois meios vale a lei de Ohm, isto é, dada uma condutividade do meio \sigma:

\vec{J}=\sigma \vec{E}

Em que \vec{J} é a densidade de corrente do sistema (corrente por área), que tem direção igual à direção de fluxo da corrente, valendo que a corrente I que atravessa uma superfície é:

I=\int \vec{J} \cdot d\vec{A}

Onde a integral é feita sobre a área toda.

Permissividade do vácuo:

Um meio com permissividade igual à do vácuo não tem carga polarizada, e devido a isso a carga é igual à carga livre e a corrente, que é o movimento da carga livre, é só o movimento de carga.  Pode-se dizer então, que a corrente fluindo de uma superfície que delimita o sistema é, sendo uma corrente positiva uma que leva carga para fora da superfície:

I=-\frac{dQ}{dt}=\int \vec{J} \cdot d\vec{A}

Onde Q é a carga interna à superfície. Pela lei de Ohm vale:

\vec{J}=\sigma \vec{E}

Como a superfície que você está selecionado é uma que delimita a região, sendo fechada, a lei de Gauss vale:

-\frac{dQ}{dt}=\int \sigma \vec{E} \cdot d\vec{A}=\sigma \frac{Q}{\varepsilon_{o}}

Daí, usando a definição de condutividade e resistividade \sigma \rho=1 e:

\frac{dQ}{Q}=-\frac{dt}{\rho \varepsilon_{o}}

Integrando dos dois lados de um tempo t=0 até t e de Q_{o} até um Q:

ln\frac{Q}{Q_{o}}=-\frac{t}{\rho \varepsilon_{o}}

Daí:

Q(t)=Q_{o} e^{-\frac{t}{\rho \varepsilon_{o}}}

A carga da região deve cair exponencialmente com o tempo!! Isso lembra você de algum sistema? Se você estudou circuitos elétricos, e capacitores, você provavelmente ouviu falar do circuito RC. No circuito RC você tem a seguinte configuração:

Circuito RC

Figura 01: Circuito com capacitor e resistor, com carga do capacitor caindo exponencialmente.

O capacitor começa a descarregar no resistor, porque a lei de Kirchoff deve ser válida, isto é, uma volta inteira no loop deve levar ao mesmo potencial, então:

RI+\frac{Q}{C}=0

Sendo neste caso I=\frac{dQ}{dt} (sempre verifique a relação da corrente com a taxa de variação de carga do seu sistema para acertar o sinal que multiplica a derivada da carga). Daí, você consegue a equação diferencial:

\frac{dQ}{dt}+\frac{Q}{RC}=0

E:

\frac{dQ}{Q}=-\frac{dt}{RC}

Aplicando a mesma integral do exemplo passado, você obterá:

Q(t)=Q_{o} e^{-\frac{t}{RC}}

Que também é um decaimento exponencial. A semelhança das duas equações não é mera coincidência, divida o seu sistema em duas regiões quaisquer, que podem ser compostas cada uma de uma soma de regiões desconexas, uma com carga Q e outra com carga -Q, tal que toda carga que sai de uma região vai pra outra e existe uma diferença de potencial V entre elas. Essa definição é a mesma que define um resistor e um capacitor em série. Num resistor, toda carga que sai de uma região vai pra outra, tal que existe uma diferença de potencial V entre elas, e num capacitor uma diferença de carga de duas regiões gera uma tensão V entre elas. Você pode fazer um circuito com esse sistema, imaginando que há um ganho de potencial V indo da região Q para -Q, que é compensada por uma queda de potencial pela corrente, que vale V em módulo. Perfeito, nosso sistema é um circuito que atende todas restrições de um circuito RC em série, e a carga calculada pela lei de Kirchoff e pela lei de Ohm e Gauss devem ser as mesmas. Isso é verdade, se e somente se, os tempos de decaimento forem iguais, logo:

\tau=RC=\rho \varepsilon_{o}

Como queríamos demonstrar.

Permissividade genérica (mas homogênea):

Se define o deslocamento elétrico de um sistema como sendo:

\vec{D}=\varepsilon_{o} \vec{E}+\vec{P}

Onde P é o momento de dipolo por unidade de volume da região analisada. Ademais, num sistema com polarização linear, i.e, \vec{D} é proporcional a \vec{E}, vale a seguinte relação:

\vec{D}=\varepsilon \vec{E}

A lei de Gauss para materiais polarizados diz que:

\int \vec{D} \cdot d\vec{A} = Q_{l}

Onde a integral é uma superfície fechada, da mesma maneira que na lei de Gauss, e Q_{l} é a carga livre interna a essa superfície. Usando a relação de polarização linear:

\int \vec{E} \cdot d\vec{A}=\frac{Q_{l}}{\varepsilon}

Usando a lei de Ohm:

\int \vec{E} \cdot d\vec{A}=\rho \int \vec{J} \cdot d\vec{A}=-\rho \frac{dQ_{l}}{dt}=\frac{Q_{l}}{\varepsilon}

Onde a corrente agora foi escrita na sua forma mais geral, como uma derivada da carga livre no tempo. Disso, vale que:

\frac{dQ}{Q}=-\frac{dt}{\rho \varepsilon}

E analogamente:

Q(t)=Q_{o} e^{-\frac{t}{\rho \varepsilon}}

Desta maneira, usando o mesmo raciocínio da demonstração com permissividade do vácuo, vale que:

\tau=RC=\rho \varepsilon

Como queríamos demonstrar.

Exemplos:

1-Planos:

Considere duas placas muito grandes de área A separadas por uma distância l, com o meio que as separada tendo permissividade igual à do vácuo. Vale, pela lei de Ohm, que a resistência entre as duas placas é:

R=\frac{\rho l}{A}

Daí, a capacitância do sistema é:

C=\frac{\rho \varepsilon_{o}}{R}=\frac{\varepsilon_{o} A}{l}

2-Resistor Cilíndrico:

Considere um fio condutor muito longo de raio a e tamanho L, cercado por uma casca externa condutora de raio b. Considerando a casca aterrada, deve valer que seu potencial é nulo. Conseguir a resistência desse sistema, i.e, entre a casca externa e o fio, pode ser não tão simples, devido à dificuldade de visualizar a corrente, mas achar a capacitância é bem simples. Considere o meio que separa os condutores com permissividade igual à do vácuo.

Resistor Cilíndrico

Figura 02: Resistor cilíndrico

O campo elétrico dentro do fio é zero, pois ele é um condutor, e fora dele é radial, por simetria, e tal que vale a lei de Gauss, numa região entre o fio e a casca externa:

\int \vec{E} \cdot d\vec{A}=E*2\pi r L=\frac{Q}{\varepsilon_{o}}=\frac{\lambda L}{\varepsilon_{o}}

E=\frac{\lambda}{2\pi \varepsilon_{o} r}

Depois da casca o campo é zero, pois ela, sendo condutora, blinda o campo. Daí, a diferença de potencial entre os dois condutores é:

\Delta V=-\int \vec{E} \cdot d\vec{l}=-\int_{a}^{b} \frac{\lambda}{2 \pi \varepsilon_{o} r} dr=V(b)-V(a)=-V

V=\frac{\lambda}{2\pi \varepsilon_{o}} ln\frac{b}{a}

Pela definição de \lambda a capacitância do sistema é:

C=\frac{Q}{V}=\frac{\lambda L}{V}=\frac{2 \pi \varepsilon_{o} L}{ln \frac{b}{a}}

E vale, portanto:

R=\frac{\rho \varepsilon_{o}}{C}=\frac{\rho}{2\pi L} ln\frac{b}{a}

Questões Relacionadas:

P1- Calcule a capacitância equivalente de dois capacitores C_{1} e C_{2} em série, e a capacitância equivalente deles quando estão em paralelo.

P2(200 More Puzzling Physics Problems)- Um chocolate em formato de papai noel, coberto em papel alumínio, é pendurado num teto por uma corda isolante elétrica. O papai noel começa a perder carga lentamente para o ar, devido a sua condutividade pequena, mas não nula, \sigma. Assumindo que a condutividade do ar é a mesma em todo o espaço, descubra quanto tempo a carga do papai noel vai levar para cair pela metade.

PapaiNoel

Figura 03: Papai noel descarregando

P3(Introduction to Electrodynamics-Griffiths)- Duas esferas concêntricas de metal, de raios a e b respectivamente, são separadas por um meio de condutividade \sigma, como mostra a figura 4.a.

EsferasConduzindo

Figura 04: a) Esferas concêntricas com região divisora preenchida por um material de condutividade \sigma b) Experimento de medição da condutividade da água

a) Se a diferença de potencial entre eles é V, qual corrente que flui de um para outro?

b) Qual a resistência entre as cascas?

c) Note que se b data-recalc-dims=>a" /> o raio externo é irrelevante. Como você quantifica isso? Use essa observação para achar a corrente fluindo entre duas esferas de metal de raio a, mergulhadas muito fundo no mar e separadas de uma distância muito grande, se a diferença de potencial entre elas é V. (Você pode usar essa montagem para medir a condutividade da água)

P4(Introduction to Electrodynamics-Griffiths)- Dois objetos metálicos estão cercados por um meio de condutividade \sigma.

CorpoMetalico

Figura 05: Corpos metálicos cercados por meio de condutividade \sigma

a) Mostre que a resistência entre eles se relaciona com a capacitância da seguinte forma:

R=\frac{\varepsilon_{o}}{\sigma C}

b) Suponha que você conecta uma bateria entre os corpos, tal que eles ganham uma diferença de potencial V_{o}. Se você desconectar a bateria, a carga dos corpos vai gradualmente vazar, tal que a diferença de potencial entre eles varia no tempo da forma V(t)=V_{o} e^{-\frac{t}{\tau}}. Mostre que a diferença de potencial respeita a dependência da equação anterior e encontre a constante de tempo \tau em função de \sigma e \varepsilon_{o}.